Opinião
Bento XVI e o diálogo cosmopolita
A Pastoral Social convidou-me para um encontro restrito com o Papa em Fátima. Partilhei a minha alegria e honra com amigos católicos e não católicos. Da espiritualidade comum que nos une, prometi aos católicos que me lembraria deles na comunhão da fé. Emocionada recebi do meu mukhisaheb (o representante máximo do líder espiritual no local) os votos de mubarak! (uma bênção para a prosperidade espiritual e material). De ambos os lados senti a fraternidade abraâmica, mas sobretudo, uma comunhão de identidade: a portugalidade.
Reclusão
Volto neste jornal à questão dos chamados "padres pedófilos", porque, face a vários textos que tenho lido na imprensa portuguesa e estrangeira sobre o assunto, penso que necessita de mais esclarecimento a minha ideia de que o abuso sexual de crianças e jovens, sendo um problema psiquiátrico e criminal, é também o problema de um determinado tipo de instituição dita educativa ou reeducativa, a instituição de reclusão para rapazes. Ou seja, o problema ultrapassa muito as fronteiras da igreja.
As três viagens de Bento XVI
Houve três viagens diferentes na primeira visita de Bento XVI a Portugal. A imprensa estrangeira viu-a sobretudo como a primeira grande viagem papal desde o início do escândalo da pedofilia, uma vez que Malta não tem uma relevância comparável a Fátima no universo católico.
O dia de amanhã está à nossa espera
O Papa passou a primeira noite na Nunciatura, em Lisboa. Após a grande celebração do Terreiro do Paço, um mar de jovens acorreu ainda a saudá-lo, com cânticos, orações e aquela exuberância desarmante. O Papa agradeceu com um sorriso, numa varanda cheia de vento, e mandou todos descansarem porque "o dia de amanhã está à nossa espera". No balanço desta histórica visita, e que excedeu largamente as melhores expectativas, só a segunda parte continua a ser verdade: Bento XVI veio literalmente retirar a Igreja portuguesa do seu descanso.
Em jeito de balanço
No final da visita de Bento XVI, não há como negá-lo: a fé católica está viva e bem viva na população portuguesa. Pode não se querer ver, atribuir aos media, ridicularizar, rebaixar, lastimar, mas não se pode negar que o que se passou aqui, durante os quatro dias da visita papal, foi um impressionante testemunho de fé. Não apenas por parte dos velhos, dos pobres, dos desesperados: a presença do Papa desencadeou o que muitos mais escondem ou guardam para si: "Não tenhais medo de falar de Deus e de ostentar sem vergonha os sinais da fé", pediu o Papa. Creio que foi ouvido.
O que vai sobrar desta viagem está nas mãos dos católicos
1. A viagem de Bento XVI a Portugal ficará marcada pelas declarações do Papa acerca dos abusos sexuais de membros do clero: "A maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja." Esta ideia devia ser evidente para todos os crentes, mais ainda para os responsáveis da instituição eclesiástica. Se sabemos que ninguém é perfeito e que, em linguagem da teologia cristã, o pecado habita a Igreja, mais essa consciência deveria existir.
A beleza do perene nos desafios de Bento XVI
"Fazei coisas belas, mas, sobretudo, tornai as vossas vidas lugares de Beleza". Se tivesse de destacar uma frase do discurso de Bento XVI no encontro com as gentes da Cultura, por certo inscreveria esta no breviário das cogitações diárias em um mundo fechado ao transcendente e que, paradoxalmente, a ele anseia de modo infinito.
O Papa gosta de nós!
O Telegraph de anteontem, falando da visita do Papa, traduziu "Viva o Papa" como Long live the Pope. No entanto, o long live está mais perto do nosso "Que conte muitos" do que do "Viva". O nosso "viva" não é nem isso nem o viva Zapata!, no sentido de "Deus queira que não morra!" O "viva o Papa!" só superficialmente significa que não queremos que ele morra. O nosso "viva" é mais um "Uau, o Papa!" do que o desejo que morra muito velho. O adjectivo long está a mais.
O Benfica e o Papa
O último jogo entre o Benfica e o Rio Ave no Estádio da Luz decidia, como é sabido, quem ganhava o campeonato e quem ficava à frente na lista dos melhores marcadores. Quase setenta mil pessoas vieram ver a coisa e outros milhares andaram permanentemente pelas ruas vizinhas desde as dez da manhã, tocando a buzina do automóvel, cantando, gritando e, de maneira geral, exprimindo a sua incompreensível excitação (incompreensível, claro está, para quem não tem qualquer espécie de sentimento por um clube, seja ele qual for). O Benfica ganhou e Cardozo meteu os golos que lhe faltavam. Até à uma da manhã, em prejuízo de toda a gente que vive por aqui (em Carnide), a festa continuou: uma berrata histérica, infinita, insuportável, que pouco a pouco se afastou para o centro da cidade.
Presenças reais
O essencial foi o simbolismo deste gesto. As relações entre catolicismo e cultura não são hoje cordiais, não o são há décadas. A cultura ocidental, goste-se ou não, sempre se tinha alimentado de imagens e conceitos cristãos. Mas caímos no alheamento ou na hostilidade. Nem o catolicismo preza especialmente os intelectuais e os artistas, que considera uma causa perdida, nem os artistas mostram a mínima benevolência face à Igreja, sobretudo desde que o jacobinismo intolerante voltou a estar na moda.
Cerejeira em flor
Ligo a SIC para ver a transmissão da visita do Papa. Sou imediatamente distraído por uma música pseudo-sacra de órgão como som de fundo enquanto a pivot lê as notícias. Mudo para a RTP. A mesma estapafúrdia ideia, mas agora com uma música de coro entre o gregoriano e o new-age.
As nove virtudes teologais
Confesso que não percebo a campanha "Foi o Pai que me ensinou", que está por todas as ruas para comemorar a visita papal. Sei que este Pai se escreve com maiúscula porque foi assim que a Agência Ecclesia escreveu no despacho que anunciava a campanha. Pelos mupis e pelos cartazes não se pode saber porque está tudo em maiúsculas.
Progresso e religião
Num artigo recente de opinião no New York Times faz-se uma afirmação que a muitos promotores do "progresso" em Portugal pareceria chocante: diz-se que o que falta à cultura secular é a religião. A afirmação não é feita por uma pessoa religiosa, mas por um ateu secular e proeminente filósofo, Jürgen Habermas.
A (falta de) estética católica e os avisos do Papa
1. Há uma estética na Igreja Católica feia e ridícula, presa que está a expressões de um passado recente – séculos XIX e XX, em que o catolicismo se zangou com a arte e vice-versa – ou à reprodução deslocada de ícones de séculos.
Um Papa alemão na tormenta
"... compreendamos, acima de tudo, que o Evangelho fala sempre da Igreja como de uma Igreja de pecadores, o que é justamente o seu rasgo específico" - cardeal Ratzinger in Deus Existe?
O direito à festa e as novas inquisições
Houve festa no domingo, era previsível, por causa do futebol. Voltará a haver hoje, por causa do Papa. Ainda bem: a festa é uma dimensão importante da existência. Mesmo se um certo discurso dominante quer negar, pelo menos a quem faz a festa em nome da sua fé, esse direito. Há um novo discurso inquisitorial que, hoje, se volta muitas vezes contra quem crê.
Boas-vindas ao Papa
1. Para Jean Mercier, apesar das dificuldades em compreender as recomposições actuais do fenómeno religioso, o cristianismo não está exausto. Com dois mil milhões de crentes, é considerado a primeira energia espiritual do globo (1). A sua distribuição é muito desigual. Na Europa reside apenas um quarto dos cristãos do planeta: 280 milhões de católicos, cerca de 100 milhões de protestantes, 150 milhões de ortodoxos, maioritariamente russos.
O Papa e a pedofilia
Em 1936, um historiador alemão que vivia na Catalunha ouviu por acaso um grupo de camponeses que falava sobre a Igreja. Para espanto dele, os camponeses, que tinham assassinado e torturado milhares de católicos, repetiam as críticas dos folhetos contra Roma, distribuídos na Alemanha do século XVI. Se a Igreja não muda, o anticlericalismo também não. De Lutero ao "Iluminismo" e da grande revolução francesa aos pequenos jacobinos de Portugal e Espanha, que há pouco menos de cem anos queriam ainda, como Voltaire, "esmagar a Infame", a Igreja é invariavelmente acusada pela sua presuntiva riqueza e pelo comportamento sexual do clero. Agora chegou a vez da pedofilia, porque na sociedade contemporânea a pedofilia se tornou no último crime sexual.
A viagem do Papa
Bento XVI vem a Portugal e bastou isto para provocar a fúria do laicismo indígena. Parece que o presidente da Câmara de Lisboa e, a seguir, o próprio Estado resolveram dar "tolerância de ponto" nos dias em que Ratzinger está em Lisboa e, calculo, no Porto e em Fátima, para os católicos o poderem ir ver.
Onde eu me encontro com Bento XVI
Na altura em que Bento XVI foi eleito, em Abril de 2005, previ que "dificilmente" o seu papado seria o de um mero continuador de João Paulo II. Cinco anos depois, e quando se prepara para visitar pela primeira vez Portugal como chefe da Igreja de Roma, é claro para todos que o Papa alemão não procurou ser o que não era - um líder carismático, à imagem do seu antecessor -, antes não descurou a reorganização da Igreja, centrando-a nos combates mais importantes da actual pós-modernidade.
A Igreja do Futuro
A Igreja que ultimamente tanto tem censurado o consumismo, a liberdade extrema, o culto do prazer, o vício da comunicação virtual, a Igreja tradicional, virtuosa e exemplar, encontra-se em fase adversa. Desde a primeira hora, a denúncia de impunes casos de pedofilia tem sido tema principal de crítica às autoridades religiosas, que ocultam, disfarçam, desdizem. Por estes dias e em auge de crise, o Papa Bento XVI determinou o apuramento de culpa e a acção penal, com o cancelamento da prescrição para estes crimes. A atitude é contemplada com o aplauso dos observadores que assim descobrem uma mudança no tom de autoridade absoluta que Bento XVI tem praticado, em todos as circunstâncias do seu mandato.
Carta aberta de Hans Kung aos bispos de todo o mundo
Hans Kung, antigo colega de Ratzinger na Universidade de Tubingen, onde é professor emérito de Teologia Ecuménica, é uma das vozes mais críticas ao papado de Bento XVI e exige um novo concílio para salvar a Igreja católica.
Bento XVI, o mal-amado
Como vê o pontificado de Bento XVI e a sua atitude face ao diálogo inter-religioso? Como avalia a resposta do Papa à crise da pedofilia? Como é vista a visita papal pelas confissões não católicas? Acha que a tolerância de ponto discrimina os não católicos? Estas são algumas das questões com que nós - os "outros" - somos diariamente "assediados" por diversos órgãos da comunicação social.
A maior crise da Igreja Católica dos últimos 100 anos
A Igreja Católica atravessa a mais profunda crise do último século. Para encontrar algo de dimensão semelhante, devemos recuar até ao início do século XX, com o anti-modernismo do Papa Pio X. Ou antes, a 1870 e ao Concílio Vaticano I, com o dogma da infalibilidade papal, o cisma dos velho-católicos e o fim dos Estados Pontifícios. Há uma diferença: esta crise atinge um catolicismo universal, ao contrário do de há um século, quando ainda era uma realidade pouco mais que europeia.