O Papa passou a primeira noite na Nunciatura, em Lisboa. Após a grande celebração do Terreiro do Paço, um mar de jovens acorreu ainda a saudá-lo, com cânticos, orações e aquela exuberância desarmante. O Papa agradeceu com um sorriso, numa varanda cheia de vento, e mandou todos descansarem porque "o dia de amanhã está à nossa espera". No balanço desta histórica visita, e que excedeu largamente as melhores expectativas, só a segunda parte continua a ser verdade: Bento XVI veio literalmente retirar a Igreja portuguesa do seu descanso.
Em Lisboa, Fátima e Porto a sua mensagem foi certamente aprofundando aspectos diferentes, mas partindo de um núcleo bem identificável: a Igreja tem de redescobrir com entusiasmo a sua vocação e missão. "Temos de vencer a tentação de nos limitarmos ao que ainda temos, ou julgamos ter, de nosso e seguro: seria morrer a prazo, enquanto presença de Igreja no mundo, que aliás só pode ser missionária, no movimento expansivo do Espírito." (Homilia nos Aliados)
Hoje claramente a Igreja portuguesa está numa encruzilhada. Dois números, a título de exemplo, descrevem bem a grandeza e a complexidade da hora presente. Por um lado, a percentagem de católicos portugueses é de 89,9 por cento, enquanto o número total de praticantes não atinge, segundo o censo de 2001, os dois milhões. Isto quer dizer que há uma energia nova necessária, um espaço de criatividade pastoral e cultural, uma presença dialogante e um serviço evangélico que não se compadece com rotinas e automatismos. No discurso muito franco que o presidente da Conferência Episcopal, D. Jorge Ortiga, dirigiu a Bento XVI ficou a promessa: "Neste contexto e ambiente, os bispos estão empenhados em "repensar" uma pastoral voltada para os novos desafios que a mudança civilizacional nos proporciona. Desejamos caminhar para um novo estilo de vida." E na sua resposta, o Papa escolheu uma metáfora que tinha a ver directamente com os novos movimentos, mas se aplica seguramente, no seu conjunto, ao catolicismo em movimento neste patamar histórico: "Num momento de fadiga da Igreja, num momento em que se falava de "inverno da Igreja", o Espírito Santo cria uma nova primavera." Sem dúvida que o que sentimos estes dias foi um certo ar de primavera. Não deixemos que ela parta.
Director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, da Igreja Católica