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Presenças reais

13.05.2010 - 10:13 Por Pedro Mexia

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O essencial foi o simbolismo deste gesto. As relações entre catolicismo e cultura não são hoje cordiais, não o são há décadas. A cultura ocidental, goste-se ou não, sempre se tinha alimentado de imagens e conceitos cristãos. Mas caímos no alheamento ou na hostilidade. Nem o catolicismo preza especialmente os intelectuais e os artistas, que considera uma causa perdida, nem os artistas mostram a mínima benevolência face à Igreja, sobretudo desde que o jacobinismo intolerante voltou a estar na moda.

Por isso, a vontade que Bento XVI manifestou em encontrar-se com figuras da cultura portuguesa demonstra uma disponibilidade assinalável. Não creio que a Igreja pretenda que as artes e o pensamento sejam ortodoxos ou catequéticos. Seria errado se pensasse assim. A arte e o pensamento incomodam, como deve incomodar o catolicismo, quando vivido como exigência e não como convenção. Este encontro, que retoma a magna reunião que ocorreu em Novembro, na Capela Sistina, convocou também agnósticos e crentes de outras religiões, pessoas com a evangélica "boa vontade", sem a qual nada se consegue. O que mais importa não é o renascimento de uma "arte cristã", conceito de utilidade duvidosa, mas sim a abertura dos criadores a uma ideia de beleza que é sempre, de algum modo, uma ideia religiosa.

Não foi por acaso que no seu discurso Bento XVI falou em "beleza" e em "verdade". Até os ateus mais convictos confessam com frequência que a beleza estética os transporta para uma dimensão enigmática e eterna. A arte inspirada pelo cristianismo sempre soube isso, de Bach a Bresson. Como escreveu um ensaísta contemporâneo: a criação supõe alguma coisa que está por detrás dela, uma alusão, uma suspeita, um fundamento, uma presença que não é fictícia ou presumida mas é uma "presença real". É também a essa forma oculta de beleza que chamamos "verdade".

Na mensagem lida pelo Papa, é sublinhado um aspecto central do tempo presente: o presente traz consigo séculos de história, dos quais não se pode fazer tábua rasa, como alguns pretendem; mas o momento actual deve ser também uma abertura para os tempos novos e futuros, ao contrário do que alguns temem. Não é o fetichismo do presente que nos deve ocupar, ou soprar de acordo com o vento; o que é fundamental é a continuidade histórica, a fidelidade às raízes, o sentido de comunidade, a construção de um destino pessoal e colectivo.

Quando Bento XVI disse "fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza" indicou que a cultura não se confunde com um adereço ou uma causa: é acima de tudo um diálogo e uma transformação. A criação humana é um espelho turvo, magnífico e inquieto de uma outra criação, aquela que escrevemos com maiúscula.