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P�blico

O Benfica e o Papa

14.05.2010 - 09:41 Por Vasco Pulido Valente

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O último jogo entre o Benfica e o Rio Ave no Estádio da Luz decidia, como é sabido, quem ganhava o campeonato e quem ficava à frente na lista dos melhores marcadores. Quase setenta mil pessoas vieram ver a coisa e outros milhares andaram permanentemente pelas ruas vizinhas desde as dez da manhã, tocando a buzina do automóvel, cantando, gritando e, de maneira geral, exprimindo a sua incompreensível excitação (incompreensível, claro está, para quem não tem qualquer espécie de sentimento por um clube, seja ele qual for). O Benfica ganhou e Cardozo meteu os golos que lhe faltavam. Até à uma da manhã, em prejuízo de toda a gente que vive por aqui (em Carnide), a festa continuou: uma berrata histérica, infinita, insuportável, que pouco a pouco se afastou para o centro da cidade.

Curiosamente, nenhum dos bem-pensantes que protestaram nos jornais contra a utilização do espaço público e as facilidades que o Estado deu à Igreja para a visita do Papa disse uma palavra sobre o Benfica ou sobre a maneira como em Portugal inteiro o futebol abusa do público pacífico, que, por inclinação ou princípio, não se interessa por aquela particular actividade. Esses podem sofrer tranquilamente, que ninguém se rala. Pior ainda: houve mesmo por aí quem se orgulhasse (ao que parece sem motivo) da muita gente que atraiu o Benfica em comparação com a pouca gente que atraiu o Papa, não se percebe exactamente para provar o quê: se a indiferença religiosa neste nosso admirável mundo moderno ou se a superioridade do Benfica sobre o catolicismo como religião ou valor social.



Graham Greene escreveu uma vez que se descobrisse o Papa mal vestido e pobre à espera de autocarro, isso nem por um segundo abalaria a sua fé. No tom que lhe compete, o Papa Bento XVI repete constantemente a história de Greene. A Igreja, já explicou, perdeu toda a influência sobre o Estado e, o que é mais, não a quer readquirir: quer a sua liberdade e autonomia. A pompa e circunstância não valem para Ratzinger o preço de se "adaptar", como por aí o incitam, a uma civilização, que ele considera transviada dos seus fins verdadeiros. A ideia de que os católicos se transformem numa pequena minoria desprezada e perseguida não o horroriza, desde que a Igreja continue fiel a si própria. O Papa não mede multidões. Reafirma uma doutrina e uma vontade num tempo hostil. O resto, desconfio que não o interessa.