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O que vai sobrar desta viagem está nas mãos dos católicos

15.05.2010 - 14:29 Por António Marujo

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1. A viagem de Bento XVI a Portugal ficará marcada pelas declarações do Papa acerca dos abusos sexuais de membros do clero: "A maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja." Esta ideia devia ser evidente para todos os crentes, mais ainda para os responsáveis da instituição eclesiástica. Se sabemos que ninguém é perfeito e que, em linguagem da teologia cristã, o pecado habita a Igreja, mais essa consciência deveria existir.

Não parece ter sido assim nesta crise. Pelo menos, para vários responsáveis do Vaticano, que viram na divulgação de notícias dos casos de pedofilia uma campanha contra a Igreja. Não sou ingénuo a ponto de ignorar que há quem queira alimentar ou amplificar determinadas realidades. Mas esta não é a realidade principal.

Os responsáveis católicos que assim falaram esqueceram, aliás, factos elementares e importantes como o ter sido a Conferência Episcopal Alemã a criar uma comissão que investigou os casos que, nos últimos dois meses, vieram a público naquele país. Essa atitude dos bispos alemães coincide com a frase do Papa: só uma consciência do seu próprio pecado pode levar a Igreja (e cada crente) a purificar-se. Convém, por isso, que esses responsáveis saibam aprender com Bento XVI.

2. Uma visita de um Papa a um país permite apenas a comunicação unidireccional. O Papa veio a Portugal, pronunciou discursos, saudações e homilias, foi saudado em cada encontro que teve por alguém representativo e foi escutado, mal ou bem, pelas multidões ou convidados que acorreram às diferentes iniciativas.

Longe vão os tempos das primeiras viagens de João Paulo II, quando, nas intervenções com que era saudado, o Papa Wojtyla ouviu mesmo referências críticas a posições da hierarquia. Também já não é praticamente possível a relação directa do Papa com as pessoas. As razões de segurança sobrepuseram-se às razões da comunidade.

Mesmo se Ratzinger foi surpreendente em Lisboa, em Fátima e no Porto, quebrando essas regras e aproximando-se das pessoas por diversas vezes, isso não é suficiente para que o Papa possa perceber sentires mais profundos das comunidades.

3. Faltaram dois encontros: um com as minorias religiosas, outro com os jovens. Ambos foram remediados, o primeiro com convites para o encontro com a cultura no CCB, o segundo com uma ida organizada dos jovens à nunciatura para a serenata. As minorias religiosas mereciam mais. Ou talvez não: o clima inter-religioso em Portugal é simpático e cordial, falta um verdadeiro processo de diálogo, cuja responsabilidade maior cabe, neste caso, à maioria. Quanto aos jovens: a um ano da Jornada Mundial da Juventude em Madrid, teria sido interessante ver a capacidade mobilizadora deste Papa para um tal evento.

4. Foi pena que, no encontro das instituições de acção social da Igreja, as únicas palmas que se tenham escutado tenham sido para as alusões do Papa ao aborto e ao casamento. Provavelmente, os participantes escutaram mal - à semelhança do que aconteceu em alguns meios de comunicação: o Papa não fez uma enésima condenação do aborto, antes elogiou os que "procuram lutar contra os mecanismos socioeconómicos e culturais que levam ao aborto e que têm em vista a defesa da vida e a reconciliação e cura das pessoas feridas pelo drama do aborto". Se está implícita aqui a doutrina tradicional da Igreja sobre o tema, a frase diz muito mais que isso. E, nesta afirmação, cada palavra é importante. Nesse discurso, foi pena o Papa não ter feito uma referência mais circunstanciada à actual crise económica e à responsabilidade do sistema financeiro, na linha do que escreveu na sua última encíclica.

5. O encontro do Papa no Centro Cultural de Belém, com os agentes culturais, mostrou um Papa preocupado com a modernidade, com o diálogo intercultural, com a arte e com a busca das possibilidades de encontro. Este encontro abriu possibilidades novas num caminho que a Igreja em Portugal tem sabido percorrer.

6. Desta viagem, sobrará muita coisa. Ou nada. Tudo depende da capacidade dos católicos - e da hierarquia, em primeiro lugar - em captar algumas questões essenciais.