A Pastoral Social convidou-me para um encontro restrito com o Papa em Fátima. Partilhei a minha alegria e honra com amigos católicos e não católicos. Da espiritualidade comum que nos une, prometi aos católicos que me lembraria deles na comunhão da fé. Emocionada recebi do meu mukhisaheb (o representante máximo do líder espiritual no local) os votos de mubarak! (uma bênção para a prosperidade espiritual e material). De ambos os lados senti a fraternidade abraâmica, mas sobretudo, uma comunhão de identidade: a portugalidade.
Nascidos e crescidos num contexto de matriz profundamente católica, sem ressentimentos, senti alegria de pertencer a um povo caloroso que nos acolheu como retornados, como gente que sempre foi daqui mesmo. Nas palavras do meu mukhi senti a retribuição da generosidade do povo português. A mesma generosidade com que recebeu Sua Alteza no seu Jubileu. A mesma generosidade foi demonstrada ao Papa católico. A ternura e o sorriso, a emoção que foi demonstrando ao longo da visita, levou Bento XVI a "quebrar o protocolo", para regozijo de muitos portugueses. Afinal, sorri, comove-se, e abençoa os aflitos. Reconhece e pede perdão pelos erros da Igreja. Afinal, a cadeira de Pedro é-lhe merecida.
Duas notas importantes marcaram a visita do Papa que registo como importantes. Da tal peregrinação a Fátima, e de um prometido encontro restrito, com organizações católicas e não católicas e agentes sociais, sentei-me eu, e o meu amigo judeu de longa data, o dr. Joshua Ruah, no meio de uma multidão animada de 9000 crentes! O prometido encontro que teria sido mais do que um privilégio pessoal, podia ter sido marcado pela factualidade de que em Portugal, honrosamente diferente de muitos países europeus, judeus, cristãos e muçulmanos trabalham em conjunto para o bem social e para a causa dos mais desfavorecidos. Dos tais 50 convidados a que se prometeu um encontro com o Papa, a nossa presença esvaiu e diluiu-se na impossibilidade de Bento XVI ter tido a possibilidade de conhecer gente como nós, que se dedica, voluntariamente, para a causa do bem na sociedade portuguesa.
Depois do 11 de Setembro, a grande preocupação dos inúmeros debates em que participámos, de norte a sul do país, era questionar se seria possível o diálogo interreligioso, a abertura confessional para evitar confllitos civilizacionais. Viajámos a custo pessoal, familiar e profissional, para dizer que essa é uma possibilidade real. No momento de podermos mostrar ao Bispo dos bispos, e de ele mesmo ter podido reconhecer a união entre as fés e as culturas plurais que caracterizam a nossa sociedade, fomos esquecidos, colocados à margem, e o pluralismo passou a utopia. A festa era só dos cristãos católicos; o resto é ainda conversa!
A segunda nota é de esperança. Da frase de Bento XVI que diz que "no quadro antropológico, social e cultural de hoje, há que dialogar com culturas e religiões diversas" sinto que temos caminho a fazer. Não sendo adepta do diálogo interreligioso pelo risco do proselitismo, do conflito e da desunião, sou mais pela construção de uma sociedade fundada na ética cosmopolita. Aquela em que crentes e não crentes, gente de fés variadas, gente boa também, possa pensar e agir indo ao encontro das preocupações, alegrias, ansiedades, vulnerabilidades e dificuldades que inquietam a razão, a fé e a vida humana. Porque nestas matérias, qualquer que seja o caminho que tomemos, pela fé e/ou pela razão, o que conta é a nossa humanidade comum. O resto, como disse, é ainda só conversa.
Estudiosa de temas islâmicos