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Em jeito de balanço

15.05.2010 - 21:15 Por Esther Mucznik

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No final da visita de Bento XVI, não há como negá-lo: a fé católica está viva e bem viva na população portuguesa. Pode não se querer ver, atribuir aos media, ridicularizar, rebaixar, lastimar, mas não se pode negar que o que se passou aqui, durante os quatro dias da visita papal, foi um impressionante testemunho de fé. Não apenas por parte dos velhos, dos pobres, dos desesperados: a presença do Papa desencadeou o que muitos mais escondem ou guardam para si: "Não tenhais medo de falar de Deus e de ostentar sem vergonha os sinais da fé", pediu o Papa. Creio que foi ouvido.

Isto põe em causa duas ideias mestras das nossas sociedades ocidentais nos dias que correm: a primeira é o desaparecimento de Deus, tornado inútil e dispensável pela razão humana; a segunda é o mito multiculturalista - a convivência de culturas no mundo ocidental, necessária e enriquecedora, não torna de facto obsoleta aquela que está na raiz da identidade colectiva de um povo.

O que fica desta visita papal? Em primeiro lugar, a humildade e a coragem de uma visão autocrítica do homem que veio até nós "como peregrino". Bento XVI não hesitou em dizer que as principais ameaças à igreja vêm de dentro e não de fora e, fundamental, que o perdão não se substitui à justiça. Não hesitou em criticar os que colocam demasiada confiança nas estruturas e nos poderes, em vez de se virarem para o mundo e exortou os fiéis a irem para a rua, para onde corre a vida. O Papa "conservador" falou de mudança e falou claro.

Em segundo lugar, Bento XVI verbalizou uma verdade histórica, que ainda hoje não é frequente ouvir da boca de muitos católicos portugueses: que a República "abriu, na distinção entre Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade para a Igreja". Sem distinção, não há de facto liberdade, não apenas para a igreja - qualquer igreja - mas sobretudo para as pessoas. A separação da religião e do Estado, para além de condição de liberdade inerente a qualquer sistema democrático, é também condição indispensável da não- perversão dos valores religiosos. Dito de outra maneira, a força vital de uma religião não vem da promiscuidade com o poder, mas da tensão com esse mesmo poder: a sua criatividade vem do espaço de liberdade em que se move, não do poder que a desertifica. E só essa liberdade permite a busca de sentido de que fala Bento XVI.

Em terceiro lugar, o Papa insistiu na necessidade de retomar o diálogo entre cultura e religião, tal como se tem empenhado em conciliar razão e fé. Estas duas linhas têm sido uma constante no pontificado de Bento XVI. Diz-se que a religião é o mundo das certezas e o mundo da arte ou da cultura, das interrogações e da dúvida. Não vou por aí: uma e outra comungam da mesma dúvida, da mesma busca, seja esta entendida como uma busca mística, ou simplesmente como uma força espiritual que nos eleva acima de nós próprios - ou seja, à verdadeira beleza. Em cada verdadeira obra de arte há sempre uma centelha "divina".

O que fica da visita de Bento XVI? A imagem de um homem de fé intensa, contida e serena, provavelmente diferente do que muitos portugueses estavam à espera. À pergunta dos jornalistas aos peregrinos de Fátima: "O que sentiu?", as pessoas respondiam quase invariavelmente: "Não sei explicar", "não tenho palavras", "foi único", "uma grande emoção". A corrente passou entre os católicos portugueses e o Papa. E é evidente que este se sentiu em casa...

Uma nota para terminar: é de destacar a excelente organização da estadia do Papa, o empenho dos católicos, da Igreja e das instituições oficiais, que fez desta visita um sucesso. Mas não posso deixar de estranhar o facto de não ter sido previsto um encontro, mesmo breve, de Bento XVI com confissões religiosas não- católicas. Seria o reconhecimento de que no Portugal de hoje existem "outros" que fazem parte integrante da sociedade, não apenas como pessoas de cultura, tal como foram convidados para o Centro Cultural de Belém, mas como representantes de confissões não-católicas, nas quais se reconhecem muitos cidadãos portugueses. Talvez em 2017, quando o Papa voltar a Fátima...

Investigadora em assuntos judaicos