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Jazz e o saxofone alto encontraram-se numa encruzilhada da história, no princípio do século XX e, a partir daí, seguiram juntos em grande camaradagem, como se se conhecessem desde sempre. Na verdade, eles chegaram à tal encruzilhada por caminhos bem diferentes.
O sax alto vem de uma família de muitos irmãos, e na realidade não é alto nem baixo, mas antes de médio tamanho. Um dos poucos instrumentos fruto de um acto de “invenção”, o saxofone foi criado em 1846 por Adolph Sax, músico e construtor belga. Sax pretendia aliar a potência sonora do metal à agilidade da palheta e boquilha que produzem o som, características dos instrumentos feitos de madeira, e ainda hoje o saxofone, feito de metal, pertence à família das madeiras. Destinado a integrar as bandas militares, nessa altura portavozes do poder dos reis, o seu ambicioso criador tinha para ele outros planos. Era seu desígnio torná-lo membro de pleno direito da nobre orquestra sinfónica. No entanto, pouco versado em diplomacia, e vítima dos lobbies dos construtores de instrumentos, viu o seu invento ser rejeitado ou adiado, conforme os casos, tendo de contentar-se com as ditas bandas militares, e com algumas suas parentes civis, como os grupos de dança e de “vaudeville”.
O jazz percorrera um caminho bem menos linear. Se o saxofone era um filho injustiçado, o Jazz era mesmo filho ilegítimo. O fenómeno da escravatura transportou à força centenas de milhares de africanos negros, provenientes sobretudo de diferentes tribos da África Ocidental (senegaleses, yorubas, ashantis, dahomeanos) para a América do Norte, as Caraíbas, e a América do Sul. Essas tribos possuíam fortes tradições musicais, de predominância rítmica, de feição ritualística religiosa, radicalmente diferentes das tradições musicais europeias, e por sua vez diferentes entre si. A música oeste-africana era componente essencial de todos os aspectos da vida social das gentes, e muito contribuiu para manter a identidade e sanidade mental destes povos desapossados de tudo. (...)
O saxofone, filho menor da música europeia, desterrado em bandas militares e filarmónicas, encontrou o jazz, produto mestiço e segregado da fusão amigável de culturas de povos inimigos, nas festas e funerais das ruas de New Orleans. O saxofone e o jazz olharam-se nos olhos, perceberam que tinham nascido um para o outro, e caminham juntos desde então, numa via plena de vitalidade e legitimada pelo tempo. Um final feliz? Sim, mas na história da música os finais têm por hábito não acontecer, e ainda bem. . (...)
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