|
Na colecção Let’s Jazz em Público, é a vez da voz masculina no jazz. É o sexto de 31 livros com oferta de CD, sob a direcção de José Duarte, onde a história do jazz é percorrida através de alguns dos seus nomes essenciais, mas também do papel dos instrumentos ou das vozes que o marcaram. Do texto de Kiko, que integra este livro, publicamos abaixo um breve excerto.
As contribuições dos cantores masculinos foram decisivas para o desenvolvimento do jazz como música e como movimento sociocultural. De alguma forma, o papel da voz masculina no jazz parece acabado numa posição relegada, um plano secundário, pela contrapreponderância das cantoras, em maior número, e pela aura quase mítica de algumas divas (Lady Day, Ella, Sarah). Mera ilusão. Aliás, mais do que homens e mulheres, temos acima de tudo artistas que se entregaram (e entregam) à sua arte de corpo e alma.
Até aos anos 20, por falta de registos e por falta de interesse, apenas um punhado de nomes ficaram na retina da história; entre eles Cliff Edwards (ou Ukelele Ike, como era conhecido) e Don Redman. Ukelele Ike, que podemos ouvir a interpretar o clássico When You Wish Upon A Star no não menos clássico filme Pinocchio, foi um artista talentoso que acabou por sucumbir ao alcoolismo, tendo deixado passar grande parte da sua carreira ao lado. De Redman é obrigatório referir a gravação, em 1924, do primeiro solo scat conhecido (utilização de sílabas de forma rítmica para criar linhas melódicas utilizadas como solos vocais).
A grande revolução dá-se com Louis Armstrong, aliás pode-se perfeitamente afirmar que foi ele quem inventou aquilo a que hoje chamamos o canto jazz. Armstrong, uma das vozes mais reconhecíveis de sempre, cantava utilizando um fraseado de trompetista (ou será que tocava o trompete como cantava?). Estava constantemente a improvisar. Fazia-o quando cantava, mudando notas e ritmos, assim como com o seu scat. De tal forma que foi uma influência profunda ao longo dos anos em inúmeros cantores como Billie Holliday, Frank Sinatra e Bing Crosby, entre outros. (…)
Outra voz dos anos 20 foi a de Cab Calloway, um cantor e improvisador exímio que se tornou um dos artistas negros mais conhecidos da época com êxitos (ainda hoje trauteados anonimamente) como Minnie The Moocher ou You Gotta Hi-De-Ho.
A era das big bands trouxe consigo alguns nomes maiores como Jimmy Rushing com a orquestra de Count Basie; Big Joe Turner; Billy Eckstein e um jovem Frank Sinatra. (…) Billy Eckstein foi outra figura eminente do final dos anos 30. (…)
Desde Armstrong a Elling, passando por Williams, Baker, Hendricks e McFerrin, tanto se tem evoluído, tanto se tem criado e cantado. Tantos poetas ganharam com a mestria de Sinatra, tantos compositores sonharam com vozes como a de Mel Tormé para dar vida às suas obras. Nos clubes, nas pistas de dança, à volta da rádio e no cinema tantos se têm deliciado, apaixonado e sorrido.
Confrontado com a velha questão “o que é o jazz?”, Armstrong respondeu com simplicidade e sabedoria: “Se tens de perguntar o que é o jazz, então nunca o saberás.” Ele sabia, porque toda a vida o cantou, ele e todos os que se dedicaram a esta música maravilhosa. Homem ou mulher, o que importa é a música.
|