ÍNDICE
  Guia de leitura
 
  PARTE I
 
  Ética e deontologia
  Estatuto editorial
  Princípios e normas de
  conduta profissional
  Informar sem manipular,
  difamar ou intoxicar
  Privacidade
  e responsabilidade
  Seriedade e credibilidade
  O jornalista não é
  um mensageiro
 
  Critérios, géneros
  e técnicas
  Os factos e a opinião
  Regras de construção
  O rigor da escrita
  A fotografia
  A publicidade
 
  PARTE II
  Alfabeto do PÚBLICO
  Palavras, expressões e   conceitos
  A B C D E F G H I J K L M N
  O P Q R S T U V W X Y Z
 
  Normas e nomenclaturas
  Acentuação
  Verbos
  Maiúsculas & minúsculas
  Topónimos estrangeiros
  Siglas
  Factores de conversão
  Hierarquias (militares e   policiais)
  Religiões
 
  ANEXOS
  Fichas da lei
  Projecto PÚBLICO
  na Escola
  Regulamento do Conselho de
  Redacção do PÚBLICO
  Estatuto do Provedor
  do Leitor do PÚBLICO
  Código Deontológico
  do Jornalista
 
  


Informar sem manipular, difamar ou intoxicar

O direito ao bom nome e a presunção da inocência até condenação em tribunal — ou, no caso de uma investigação própria do jornal, até prova absolutamente indiscutível — são escrupulosamente garantidos nas páginas do PÚBLICO. Importa, por isso, ponderar sempre com a Direcção esse equilíbrio difícil entre informar e não manipular, difamar ou intoxicar.

1. A honra, a dignidade e a reputação de pessoas individuais e colectivas devem ser escrupulosamente respeitadas nas páginas do PÚBLICO. Todos os temas que envolvam aspectos desta natureza reclamam previamente uma investigação própria muito cuidada, prudente e imparcial. Está em causa, no mínimo, o direito à imagem de pessoas individuais ou colectivas.

O PÚBLICO só deve trazer para as suas páginas, com nomes e fotografias, os casos que tenham sido investigados concludentemente. Por isso, não basta a identificação da fonte de informação nem o simples registo da resposta da parte acusada para se evitar cair na calúnia, na difamação ou na instrumentalização do jornal por esta ou aquela campanha. É preciso que, para além dos anteriores requisitos, o assunto e/ou as pessoas nele envolvidas tenham relevância noticiosa.

Por outro lado, a boa-fé e a lisura e transparência dos processos utilizados pelo jornalista devem ser claros e indiscutíveis.

2. As referências fulanizadas em textos que tenham uma componente ficcional (crónica humorística, por exemplo) não podem envolver matéria gravosa para o bom nome e a imagem pública de pessoas ou instituições. Os ajustes de contas ou os ressentimentos pessoais não são pretextos admissíveis.

3. O prestígio e a imagem profissional, científica, técnica, artística, desportiva, empresarial, comercial ou política são um valor e um direito garantidos no PÚBLICO. Todas as referências a situações desprestigiantes ou desfavoráveis — por exemplo: questões de corrupção, inquéritos, processos administrativos, disciplinares, fiscais ou outros; controvérsias profissionais, acusações pessoais, políticas, sindicais, corporativas, etc.; reveses empresariais, políticos, comerciais ou de idêntica natureza, individual ou colectiva — devem ser rigorosamente sustentadas, pois provocam sempre danos e prejuízos irreparáveis às pessoas ou entidades envolvidas. Cf. Difamação, em Fichas da Lei, e Objectividade, em Alfabeto do PÚBLICO.

Não basta a identificação do acusador para isentar o jornal e o jornalista do crime de difamação e calúnia. Um exemplo eticamente condenável, independentemente do seu sancionamento penal: "Segundo fulano tal, sicrano, vulgo ‘o merdas’, é um bandido, um vigarista... do pior que há."

Um trabalho mal elaborado, distorcido ou irresponsável sobre uma determinada actividade, empresa ou organismo pode ter efeitos desastrosos.

4. Os casos de natureza militar, política, ideológica ou partidária, como também os de ordem económico-financeira, prestam-se a frequentes campanhas de manipulação e desinformação pura. Os jornalistas do PÚBLICO garantirão sempre o recurso aos indispensáveis mecanismos da objectividade: pluralidade das fontes, investigação, ausência de ideias preconcebidas, abertura a situações inesperadas e a perspectivas novas, contraditórias ou não com as convicções de cada jornalista.

Um diplomata americano é acusado pela CIA de pertencer na altura o KGB, ou vice-versa: como distinguir a notícia da contra-informação? As vitórias militares anunciadas pelo lado A são seguras ou actos de mera propaganda contra o lado B?

A chamada "guerra do leite", em Portugal, levou a que um caso de auto-envenenamento de uma adolescente, com 605 Forte misturado numa embalagem da Parmalat, fosse seguido quase durante uma semana nos jornais e no audiovisual segundo uma única óptica: a sabotagem económica, por parte da concorrência nacional. Até a Polícia Judiciária revelar a confissão da jovem que pretendeu com o gesto "chamar a atenção dos pais", envolvidos em frequentes discussões, nem uma vez alguém, dos muitos que escrevemos e falámos do assunto mais palpitante desses dias, levantou sequer a hipótese de um incidente pessoal. Prevaleceu, desde o início, a tese mais especulativa e sensacionalista, com a agravante da devassa posterior da vida privada de uma menor e da sua família.

5. Os casos históricos de controvérsia recente ou com forte componente político-ideológica requerem a mesma prudência quando se tornam objecto de investigação jornalística. Faltou esse cuidado, por exemplo, quando uma televisão abordou o caso do assassínio do general Humberto Delgado — acolhendo uma longa entrevista-defesa do filho do assassino confesso, sem que essa versão fosse devidamente contraditada ou contraposta com a verdade dos factos já transitados em julgado.

6. Os casos judiciais ou ainda em fase de investigação policial (ou de outro âmbito minimamente controverso) devem ser tratados com a máxima precaução e distanciamento da origem das acusações. Cf. Fichas da Lei.

Na Suécia, por exemplo, a imprensa abstém-se pura e simplesmente de divulgar nomes e fotos de quem ainda não estiver a cumprir pena. Nos Estados Unidos, vigora uma tradição mais flexível: identificam-se as pessoas, mas sempre com especiais cuidados na defesa dos direitos dos acusados.

Em resumo:

a. O tratamento de factos do foro criminal deve ser sóbrio e distanciado, segundo critérios de inequívoco interesse jornalístico e recusando o sensacionalismo.

b. Nenhuma notícia, título ou legenda deve confundir a suspeita com a culpa. E, mesmo nos casos de detenção de suspeitos, a sua identidade nunca deve ser revelada ou minimamente insinuada (por exemplo, com a divulgação do apelido ou de outros dados aproximativos) enquanto a investigação do PÚBLICO não tiver recolhido dados concludentes ou enquanto as averiguações da polícia não tiverem conduzido a uma acusação formal e indiscutível.

Há casos mesmo que desaconselham, pura e simplesmente, a identificação dos acusados. Por exemplo: "PJ desvenda burla informática inédita: detidos dois jovens." Não é possível ouvir os detidos, mas a polícia "passa" as suas identidades e os pormenores da história, com repercussões internacionais. Estampar os nomes (e as fotos) dos dois jovens seria conferir todo o crédito a uma parte quando não houve a possibilidade de ouvir a outra.

7. Normas práticas:

a. Qualquer informação desfavorável a uma pessoa ou entidade obriga a que se oiça sempre "o outro lado" em pé de igualdade. Só em casos excepcionais, e após autorização da Direcção, se pode contrariar o princípio da equidade.

Por exemplo: tendo em conta o impacte de uma notícia e a segurança quanto aos dados recolhidos, a inadiabilidade absoluta da informação ou a recusa frontal da(s) parte(s) acusada(s) em prestar declarações. Esgotadas todas as possibilidades de se ouvir a versão contrária, deve constar no texto a explicação dos motivos. Quanto mais específica puder ser a explicação, melhor: horários em que "o outro lado" foi procurado, quem ficou com as mensagens, etc. O PÚBLICO voltará sempre ao assunto até ao seu completo esclarecimento.

b. Todas as pessoas sob acusação criminal não provada são sempre tratadas como "acusadas" ou "suspeitas".

Certo Errado
   
José Campos, acusado de ter raptado... José Campos, raptor de...
   

c. Nas reportagens de julgamentos ou em trabalhos similares, a palavra "confissão" só pode ser utilizada se resultar de um depoimento prestado em audiência formal do tribunal pelo réu ou pelo seu defensor. Nada do que vem da polícia, da acusação ou que possa ser recolhido pelo próprio jornalista deve ser apresentado como confissão. As pessoas na condição de acusados "relatam", "declaram", "contam" ou "explicam". Deve evitar-se também expressões como "admitem" ou "reconhecem". Assim como "diz-se" ou "sabe-se".

d. O "assassino confesso" não o é apenas porque a polícia o diz e a acusação o deseja. É preciso também que se prove em tribunal.

e. Nunca se deverá utilizar a expressão "alegado criminoso" relativamente a uma pessoa não condenada. O tribunal pode vir a considerar a sua acção como legítima defesa. Um "alegado burlão" também pode vir a ser considerado inocente. Como também não há "alegados subornos". Um caso de corrupção sustentado de forma negligente pela investigação jornalística será sempre um caso de mau jornalismo e constitui matéria punível por difamação.

f. Os textos sobre julgamentos devem relatar com precisão os procedimentos judiciais a que fizerem referência. Os depoimentos da defesa e da acusação devem merecer igual tratamento.

A cobertura de julgamentos deve respeitar as duas versões que estão em confronto — acusação e defesa. Facilmente se pode cair na tentação de privilegiar a acusação, tanto mais que é normalmente aí que se encontram os elementos mais espectaculares de uma sessão ou de um processo. Mas deve encontrar-se a forma de não deixar nunca de dar a perspectiva da defesa. Recusar sempre que a cobertura de um julgamento deixe transparecer uma versão dos factos a que o jornalista e/ou o jornal tenham aderido.

A polícia — ou qualquer outra parte litigante — está interessada em acusar, com ou sem provas indiscutíveis. O jornalista, movido apenas pelo interesse de informar, deve recusar por princípio influenciar negativamente a imagem pública dos acusados, quase sempre sem hipóteses de se defenderem.

g. As pessoas sob acusação judicial ou acusadas por outrem devem ter a oportunidade de responder às acusações. Toda a história tem mais do que uma versão: por isso, nenhum texto com acusações criminais deverá ser publicado enquanto não forem esgotadas todas as possibilidades de se ouvir a parte acusada. As peças terão que ser feitas em função desse cruzamento de informações e nunca na perspectiva ou no interesse da fonte da origem. Cf. Segredo de justiça, em Fichas da Lei.

Se o repórter encarregado de cobrir um crime ainda não julgado descobre que o réu comprou uma arma dias antes do acto de que é acusado ou que um investigador, como muita vezes acontece, revela factos que concorrerão contra os interesses do réu, a divulgação desses indícios não deverá, evidentemente, esperar pela realização do julgamento. Se um jornalista chegasse, por hipótese, à posse do diário do assassino da Marinha Grande (1987), não esperaria obviamente pela leitura da sentença para revelar o documento. Em todas as circunstâncias, porém, deverão ser sempre observados os princípios de rigor e ausência de sensacionalismo no tratamento destas matérias.

h. Antes da condenação em tribunal deve ser cuidadosamente ponderada a divulgação, por via da polícia ou de qualquer outra parte envolvida no processo, de elementos não essenciais que possam influenciar negativamente a imagem pública dos acusados, normalmente sem hipóteses de se defenderem. O PÚBLICO recusa participar em campanhas de descrédito e contra-informação, lesivas dos direitos da defesa.

i. Em todas as circunstâncias, o PÚBLICO revela, apura, divulga; jamais denuncia. O jornal regista acusações de terceiros, mas garante sempre aos acusados o direito de exporem os seus pontos de vista em pé de igualdade com os acusadores e só publica essas acusações quando delas obtém provas ou quaisquer outros elementos que o convençam da sua veracidade irrefutável.

j. Erros ou confusões na referência a nomes e moradas de pessoas detidas podem resultar numa acção de pura injúria. A identificação pessoal deve ser completa e respeitadora da dignidade individual. Não se aceitam expressões depreciativas ou injuriosas dos autos policiais, tipo "o Chagas" ou "o Muleta Negra". O recurso a uma alcunha para identificar uma personagem só é admissível quando for essencial à sua caracterização. Cf. Direito à imagem, em Alfabeto do PÚBLICO e Fichas da Lei.

l. Não se identificam menores até 18 anos envolvidos em crimes ou em quaisquer actos de que lhes possam advir problemas de carácter pessoal, social ou outro.

Mesmo com figuras públicas, os tribunais americanos protegem o mais possível as crianças. Fazendo até prevalecer esse direito sobre qualquer outro. Foi o que se passou no célebre caso de Woody Allen, acusado por Mia Farrow do crime de abuso sexual contra a filha adoptiva do casal. O procurador do estado do Connecticut, Frank Maco, recusou a abertura de qualquer processo judicial — apesar das dúvidas manifestadas sobre a inocência do cineasta. Isto é, apesar do chamado princípio da busca da verdade, pareceu-lhe mais importante pôr a criança a coberto de obrigações judiciais "potencialmente traumatizantes, sobretudo o testemunho perante o tribunal".

m. No PÚBLICO não se faz discriminação sexual ou racial. A cor da pele do suspeito de um crime nunca deve merecer relevância noticiosa, salvo quando subsistirem óbvias implicações raciais. Cf. Casos de violação da privacidade, em Privacidade e Responsabilidade.

n. Nos casos vertentes ou similares, consultar sempre as Fichas da Lei.

O quadro de referências descrito nos pontos anteriores não diminui nem limita a disponibilidade do PÚBLICO para o tratamento de questões delicadas ou controversas no plano criminal. Pelo contrário, valoriza a investigação própria e responsabiliza a acutilância jornalística — tanto mais necessária quanto estiverem em causa figuras com responsabilidades públicas, nomeadamente se houver uma óbvia contradição entre os valores defendidos por essas figuras e o seu comportamento social. Uma das funções primordiais do jornalismo é exigir transparência e coerência aos actores da cena pública.

   
   
 
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