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Privacidade e responsabilidade
O espaço privado dos cidadãos é
o único limite editorialmente imposto nas páginas
do PÚBLICO. Trata-se de um princípio há muito
consagrado no jornalismo de qualidade e que pressupõe cuidados
especiais na elaboração de notícias.
1. Casos de violação da privacidade
a. A divulgação de factos da vida pessoal
e afectiva, hábitos sexuais ou da esfera privada (se tem
muitas/os namoradas/os, é alcoólico/a, consome drogas,
etc.). Está em causa o direito à reserva da intimidade
e da vida privada. Cf. Reserva da
vida privada, em Fichas da Lei.
O direito à privacidade sobreleva o direito
e o dever de informar salvo nos casos socialmente relevantes
(trabalho infantil, crianças maltratadas, etc.) ou lesivos
do interesse público e, ainda, de figuras públicas
com comportamento contrário ao seu discurso público.
O respeito pelo direito à vida privada
envolve a não utilização abusiva das relações
de parentesco. Não faz, por isso, qualquer sentido noticiar
incidentes na vida de um familiar de uma figura pública
só por esse facto. Por exemplo, se o filho do Presidente
da República der um "toque" com o seu carro,
o facto não tem relevância noticiosa. Ao contrário,
se alguém é dolosamente favorecido por uma figura
pública, o parentesco existente entre ambos é informação
relevante. Já é inaceitável invocar a relação
de parentesco com uma figura pública de alguém envolvido
num caso de corrupção quando essa figura pública
nada tem a ver com o caso.
Em relação aos actores da cena política
e figuras públicas, tem prevalecido entre nós uma
atitude liberal. O caso da publicação de imagens de
vídeos privados do arquitecto Tomás Taveira (Setembro
de 1989) foi uma das primeiras intromissões ostensivas da
imprensa portuguesa na vida privada de uma figura pública
ganhando imediata repercussão. A imprensa norte-americana,
pelo contrário, esmiúça a vida privada de um
candidato a Presidente ou a qualquer outro cargo público
importante. No Japão, pelo menos dois governos caíram
nos últimos anos em resultado de casos revelados nos jornais
sobre a vida extraconjugal dos respectivos primeiros-ministros.
b. A identificação (nomes ou fotos)
de vítimas de crimes sexuais ou de delinquentes menores.
Nestes casos, no PÚBLICO utilizam-se nomes fictícios
facto devidamente assinalado no texto para garantir
o anonimato.
Também as entrevistas a menores exigem particulares
cuidados: ou para salvaguarda de hipotéticas represálias
(situações familiares, testemunhos de crimes, etc.)
ou por a imaturidade dos seus juízos poder prejudicar terceiros.
Uma reportagem com jovens marginais "ratos
de automóveis" ou prostitutos de rua, por exemplo
, sem os devidos cuidados, subverteria os objectivos jornalísticos
da peça, substituídos pelos interesses da polícia,
dos tribunais e das instituições com responsabilidade
na matéria. A própria (re)inserção
social dos jovens ficava comprometida. A cobertura descuidada
e sensacionalista de um caso judicial de violação
pode originar prejuízos graves à vítima e
à sua família.
c. A exploração sensacionalista de circunstâncias
e factos relacionados com dramas de natureza pessoal ou familiar.
A referência a infortúnios, tragédias, doenças,
acidentes, violência, etc. não deve ser despudorada
nem alimentar curiosidades mórbidas.
A imprensa não está impedida de
mostrar cenas de sofrimento extremo, como as que resultam de catástrofes
naturais, acidentes, doenças ou actos de violência.
Contudo, devem ser evitados os riscos do sensacionalismo da violação
da privacidade. O que não aconteceu, por exemplo, por parte
de alguns canais televisivos e estações de rádio
em relação ao recato e à dor dos sobreviventes
e/ou familiares das vítimas da tragédia de Meda
de Mouros (Tábua, Coimbra; Junho de 1993), em que morreram
afogadas cinco crianças e uma educadora infantil. Ou nas
imagens televisivas de uma criança "clinicamente morta",
vítima de presumível espancamento, ou em certas
reportagens sobre o crime da praia do Osso da Baleia (Marinha
Grande, 1987), em que foram assassinadas sete pessoas. Ou, no
caso do PÚBLICO, na reportagem e em especial na
fotografia de quase meia página sobre um casal de
idosos e a filha deficiente mental vivendo em situação
de extrema miséria numa aldeia serrana da Covilhã.
d. A ilustração fotográfica indevida,
com utilização de rostos identificáveis de
pessoas estranhas a um assunto, por exemplo num artigo sobre corrupção.
Cf. Direito à imagem, em Alfabeto
do PÚBLICO e Fichas da Lei.
Fotografias tiradas em locais privados ou mesmo públicos,
se estiver em causa a reserva da intimidade do visado, só
podem ser publicadas com a sua autorização expressa.
Há inúmeros maus exemplos neste
campo, sobretudo desde que a concorrência desenfreada se
instalou, entre nós, na informação televisiva.
São as imagens e os sons recolhidos por microfones e câmaras
"invisíveis", tipo "apanhados", de
situações pretensamente grotescas, à revelia
dos principais interessados na Assembleia da República,
a pretexto de uma Presidência Aberta, ou com cidadãos
comuns na via pública. Encontram-se também na imprensa:
a revista "Time" foi processada por causa de uma foto
de capa de uma jovem brasileira que ilustrava um trabalho sobre
a prostituição no Terceiro Mundo.
e. A utilização fraudulenta do nome
de terceiros para obtenção de informações,
ou o recurso à falsa identidade. São práticas
de que os jornalistas do PÚBLICO se excluem.
O recurso à dissimulação
da identidade do jornalista, punível por lei, é,
apesar de rejeitado pelo PÚBLICO, parte integrante da história
da imprensa. Ray Sprigle, um repórter norte-americano dos
anos 50, chegou a submeter-se a um tratamento de raios ultravioleta
para escurecer a pele e, fazendo-se passar por negro, colheu impressões
sobre a perseguição racial nos Estados Unidos, assinando
depois uma série de reportagens no seu jornal. Manuela
de Azevedo, do "Diário de Lisboa", empregou-se
em 1945 como governanta dos reis de Itália, então
exilados em Portugal, e conseguiu fazer uma reportagem detalhada
sobre a intimidade familiar de Humberto II. Anos mais tarde, um
jornalista do "Tribune" de Chicago, introduziu-se entre
"gangsters" e já tinha recolhido apreciável
material de reportagem quando foi descoberto e assassinado.
f. A utilização de meios ilegais para
entrar em casas particulares ou em quartos de hotel, buscas não
autorizadas de documentação, instalação
de câmaras ou uso de binóculos para espiar o interior
de domicílios.
g. A gravação de conversas sem o consentimento
do interlocutor é um recurso admissível em casos muito
excepcionais. A publicação da gravação
dependerá sempre da autorização da Direcção,
ouvido o Conselho de Redacção, e só se fará
para salvaguarda do bom nome do jornalista e com menção
obrigatória do não-consentimento do interlocutor.
2. Segurança
Para além dos casos de ordem privada dos cidadãos,
a única limitação ao dever de informar é
a segurança de alguém: perigo de vida ou de represálias,
casos de sequestro, chantagem ou qualquer prejuízo importante
do ponto de vista pessoal, profissional ou qualquer outro considerado
importante. Cabe ao jornalista e à Direcção
a avaliação destes casos: embargarem, pura e simplesmente,
a informação; ou providenciarem a não identificação/localização
das pessoas em causa. Cf. A identificação
e o sigilo profissional, em O Jornalista não é
um Mensageiro, e Fichas da Lei.
O PÚBLICO também não publica
informações, dados ou apelos contrários ao
bem-estar dos cidadãos, à segurança e saúde
públicas; mandados policiais ou similares; manifestos partidários
ou propostas conducentes à violência política,
criminal, etc.
A presença de Salman Rushdie ou de Taslima
Nasreen, escritores perseguidos de morte, é noticiada em
termos propositadamente vagos (ou mesmo silenciada) em todo o
lado por razões da sua segurança pessoal. A epidemia
de cólera na Índia em Setembro de 1994 foi acompanhada
pela OMS com uma preocupação suplementar: que os
países não directamente fronteiriços não
empolassem as suas medidas de controlo sanitário na comunicação
social, para se evitar movimentos de pânico a nível
internacional.
3. Urbanidade e decência
Não são admissíveis as obscenidades,
blasfémias, insultos ou qualquer tipo de calão, excepto
quando são essenciais à fidelidade da notícia
ou da reportagem e após consulta ao editor.
Foi o caso, por exemplo, do célebre
comentário de John Kennedy sobre os representantes da indústria
americana do aço: "Sons of a bitch!" Ou quando
foram transcritas as gravações do caso Watergate
e se revelou a linguagem grosseira do então Presidente
dos EUA. Nesse caso, a linguagem de Nixon era também notícia.
Foi correcto violar aqui as regras do bom gosto e ter feito
prevalecer o bom senso.
O mesmo se passou entre nós quando se
noticiou o entendimento de D. Duarte Pio sobre "O Evangelho
segundo Jesus Cristo", de Saramago: "É uma merda";
ou o célebre "badamerda" do almirante Pinheiro
de Azevedo, então primeiro-ministro (Novembro de 1975),
quando do sequestro da Assembleia Constituinte. Pelo contrário,
foi de mau gosto encher a coluna do PÚBLICO Diz-se com
os vários impropérios do treinador do Benfica, Toni,
a seguir a um jogo de futebol.
4. Discriminação sexista, religiosa,
racial ou etária
O PÚBLICO recusa todos os preconceitos e estereótipos
de linguagem que firam a sensibilidade comum em assuntos que envolvam
a idade, a raça, a religião ou o sexo.
Ninguém deve ser qualificado pela sua origem
étnica, naturalidade, confissão religiosa, situação
social, orientação ou preferências sexuais,
deficiências físicas ou mentais excepto quando
essa qualificação for indispensável à
própria informação.
1 Deve prevalecer a equidade de
tratamento: se não é curial referir que o assaltante
X tem olhos azuis, é algarvio e gosta do Benfica, por que
razão é preciso dizer que é "cabo-verdiano"
ou "de etnia cigana", por exemplo? Em síntese:
a raça (ou a etnia, ou se é homossexual, ou alcoólico,
ou deficiente físico, etc.) não é relevante,
não se menciona; se se menciona, tem de se justificar.
Ainda no caso racial: "Jovens negros andam a assaltar os
comboios da linha de Sintra"? Só jovens negros? "Cigano
preso por esfaquear..." Só os ciganos esfaqueiam?
Por isso, se for relevante referi-lo, é preciso que haja
o indispensável enquadramento.
2 Idêntico critério se adopta
em relação às mortes ou às doenças,
salvo se envolverem questões de privacidade e/ou desrespeitarem
a vontade dos próprios ou dos seus familiares. A razão
da morte ou da doença de alguém também pode
ser notícia, mas o jornalista do PÚBLICO deve recordar-se
sempre de que o direito à revelação do diagnóstico
de saúde não pertence ao médico que o faz,
mas exclusivamente ao doente. Só ele ou, na sua
impossibilidade, os seus familiares pode(m) determinar
a sua divulgação.
3 "Qual Tio Patinhas versão
olhos em bico, o padrinho do partido japonês..."
é uma construção incorrecta porque releva depreciativamente
uma característica dos orientais.
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