ÍNDICE
  Prefácio
  Apresentação
  Guia de leitura
 
  PARTE I
  Introdução
 
  Ética e deontologia
  Estatuto editorial
  Princípios e normas de   conduta profissional
  Informar sem manipular,
  difamar ou intoxicar
  Privacidade
  e responsabilidade
  Seriedade e credibilidade
  O jornalista não é
  um mensageiro
 
  Critérios, géneros
  e técnicas
  Os factos e a opinião
  Regras de construção
  O rigor da escrita
  A fotografia
  A publicidade
 
  PARTE II
  Alfabeto do PÚBLICO
  Palavras, expressões e   conceitos
  A B C D E F G H I J K L M N
  O P Q R S T U V W X Y Z
 
  Normas e nomenclaturas
  Acentuação
  Verbos
  Maiúsculas & minúsculas
  Topónimos estrangeiros
  Siglas
  Factores de conversão
  Hierarquias (militares e   policiais)
  Religiões
 
  ANEXOS
  Fichas da lei
  Projecto PÚBLICO
  na Escola
  Regulamento do Conselho de
  Redacção do PÚBLICO
  Estatuto do Provedor
  do Leitor do PÚBLICO
  Código Deontológico
  do Jornalista
 
  


Os factos e a opinião

A informação complementar e diferente, o "background" e protagonização da notícia, a análise e a interpretação indispensáveis à sua compreensão integram e distinguem o estilo do PÚBLICO. 

1. Opinião, interpretação, informação

a. Tal como não existe objectividade em estado puro, não existem nos textos jornalísticos fronteiras absolutas entre informação, interpretação e opinião. De qualquer modo, há três níveis essenciais na construção das peças: a apresentação dos factos, que podem ser a divulgação da opinião de terceiros — a informação; o relacionamento desses factos entre si — a interpretação; e o juízo de valor sobre esses factos — a opinião.

Na notícia predomina a apresentação dos factos. É uma evidência que decorre da própria estrutura da notícia, do seu espaço e do seu tempo. Espaço curto, tempo imediato. No entanto, a notícia não se reduz, no PÚBLICO, ao telex de agência — que constitui, sempre, um mero ponto de partida para uma informação mais completa (mesmo no âmbito das Breves). É nessa medida que a notícia não dispensa o enquadramento básico dos factos no contexto em que eles ocorrem, ou seja, o "background", nem a sua relação com outros factos que condicionam os primeiros. E esse enquadramento pressupõe, naturalmente, a capacidade de interpretar aquilo que é mais relevante e significativo para uma apresentação rigorosa e sugestiva dos factos.

É na reportagem e no inquérito que a interpretação dos factos encontra a sua expressão mais desenvolvida. Mas essa interpretação tem, frequentemente, uma fronteira difusa com a opinião, na medida em que a subjectividade do olhar do jornalista o leva a escolher um ângulo de abordagem dos acontecimentos e situações que observa e descreve. Aí intervém a necessidade da distanciação e a preocupação da imparcialidade. Interpretar não é julgar, mas explicar o porquê e o como das situações. Enquanto na notícia predominam o quem e o quê, a reportagem e o inquérito procuram saber mais sobre o como e o porquê.

Notícia: a aprovação na Assembleia da República por escassa maioria de uma lei que conta com a oposição do Presidente da República.

Interpretação (o relacionamento dos factos narrados e as suas consequências): a medida está provavelmente condenada ao veto presidencial, dada a inexistência dos indispensáveis dois terços na votação dos deputados. O jornalista não precisa de "pendurar" nenhuma declaração autorizada para justificar a hipótese aventada. É a verdade pura decorrente do texto constitucional.

A interpretação, desde que utilizada com rigor e seriedade, é ainda um instrumento para que o jornalista não se resuma ao papel de mensageiro e a notícia que leva ao leitor não se torne num logro.

Por exemplo, em plena campanha eleitoral de um clube desportivo, não basta noticiar os reforços em novos jogadores, prometidos por um presidente em busca de reeleição. Com toda a legitimidade, o jornalista deve confrontar essas promessas com outras antes feitas pelo mesmo presidente e eventualmente nunca cumpridas.

b. Uma relação séria e leal com o leitor pressupõe o respeito pela diferença de códigos entre informação e opinião.

O equilíbrio e a complementaridade entre informação e opinião são uma preocupação permanente do PÚBLICO em todas as suas áreas editoriais.

"É notícia — segundo a definição já consagrada de Lester Markel, presidente honorário do Instituto Internacional de Imprensa — informar que o Kremlin acaba de lançar uma ofensiva de paz. É interpretação explicar as razões dessa medida. É opinião adiantar que qualquer proposta soviética deve ser recusada, pura e simplesmente." 

2. Ir mais longe na informação

a. O PÚBLICO não sonega nenhuma informação e publica tudo o que revestir interesse jornalístico — isto é, for baseado num facto verdadeiro, inédito, surpreendente ou actual, que seja de interesse para muitos leitores e não colida com preceitos éticos e deontológicos atrás descritos. Cf. Ética e Deontologia.

b. Na valorização de uma notícia influem alguns critérios suplementares que definem igualmente o interesse jornalístico (e em última análise interessem um maior número de leitores).

Por exemplo:

— o seu impacte — uma notícia é tanto mais importante quanto mais pessoas forem afectadas, de uma forma ou de outra;

— proximidade — caso das questões do quotidiano; uma greve de camionistas europeus: quais as consequências para Portugal?; a guerra na ex-Jugoslávia na perspectiva dos portugueses que lá estejam; ou o interesse sempre acrescido da informação sobre os países lusófonos: por todas as razões históricas, mas também porque há um vastíssimo público sintonizado para esse tipo de informação;

— relevância — pessoal, social, política, artística, cultural, económica, científica, técnica, profissional, desportiva, etc..

Outros factores concorrem para a importância de uma notícia: a sua raridade (a notícia menos provável é mais importante do que a notícia esperada); a oportunidade da informação (um trabalho sobre o funcionamento dos aeroportos de Lisboa e Porto num dia de greve da TAP, por exemplo); a sua própria utilidade para os leitores (um jornal é também um serviço público); interesse pessoal ou até mesmo a aventura; a originalidade; a curiosidade; a expectativa e o "suspense" inerentes (normalmente matérias de "faits-divers").

c. Notícias em primeira mão (cachas) e restante informação do PÚBLICO reclamam dos seus jornalistas uma rede de contactos com credibilidade reconhecida tanto quanto possível publicamente nas respectivas áreas de trabalho.

Normas práticas:

— Contactos regulares, boas relações em postos-chave e iniciativa junto de entidades que possam constituir-se como fonte de informação e/ou ponto de partida para uma investigação jornalística.

— O recurso ao contacto telefónico não deve substituir o contacto personalizado e exclusivo junto de uma fonte de informação, a não ser em situações de manifesta impossibilidade; nessas situações, o jornalista deve telefonar para qualquer local e a qualquer hora para obter ou confirmar uma informação. O telefone é um instrumento indispensável ao jornalismo, mas o seu papel é apenas supletivo do trabalho de campo.

d. O jornalista deve estar sempre disponível para captar e interpretar os aspectos novos e inesperados das situações, os sinais de mudança, as perspectivas que se abrem no panorama nacional e internacional.

e. Apresentar uma notícia de forma completa, exacta e interessante pressupõe clareza, simplicidade e precisão. São as características básicas do estilo informativo do PÚBLICO. Cf. O Rigor da Escrita.

f. "Background" e incorporação própria da Redacção: o enquadramento noticioso e a interpretação dos factos apresentados em cada peça deverá incluir, sempre que possível, os respectivos antecedentes — o leitor não é obrigado a saber o que o jornalista tem como adquirido; o público são muitos públicos, com interesses e níveis de conhecimento distintos.

Princípio geral: escrever como se todos os leitores comprassem o jornal pela primeira vez na vida. O leitor não sabe e quer saber — mas é preciso que ele também compreenda. O leitor quer e agradece que se lhe dê toda a informação útil sobre qualquer acontecimento.

Num e noutro casos, esses antecedentes devem ser introduzidos de forma elegante e sem prejuízo da actualidade e da novidade da notícia em si. Sempre que se façam referências a acontecimentos ainda a decorrer e em que os leitores possam vir a participar é obrigatório referir com precisão toda a informação útil — local, hora, preço, etc...

g. As informações colhidas nos telexes das agências ou noutros órgãos de comunicação não deverão ser meramente transcritas pelo PÚBLICO, que as completará, inserindo sempre um contributo específico da sua Redacção. Cf. Regras das assinaturas, em Regras de Construção.

h. Uma crítica ou um comentário mais especializado não devem prescindir do "background" e dos elementos informativos básicos indispensáveis à sua legibilidade e clareza para o leitor comum.

Toda a terminologia mais especializada deve ser devidamente descodificada, seja da ciência, da cultura, da economia ou do desporto. Qualquer valor em moeda estrangeira deve ser sempre convertido para o escudo; milhas e outras distâncias em sistemas de unidades diferentes do métrico devem ter imediata equivalência neste. As horas de determinado acontecimento ocorrido num país estrangeiro indicam-se com a correspondente hora portuguesa, entre parênteses. Cf. Alfabeto do PÚBLICO.

i. Fazer coincidir o novo com o humano, interessar e aproximar o leitor da notícia, dar-lhe rostos, atmosferas, climas e sentimentos — é a protagonização da notícia. Sempre que possível, a informação do PÚBLICO deve ser humanizada, ter nomes e conter pormenores suficientemente identificadores que retratem personagens vivas e com interesse para os leitores.

A frieza de uma estatística, a descrição de um empreendimento ou a votação de um debate sobre direitos humanos na ONU justificam sempre a referência aos respectivos protagonistas. Todos os assuntos devem ter uma dimensão humana (histórias e factos pessoais) e subordinar-se à lei da proximidade. Por exemplo, a situação em Moçambique ganhou maior relevância a partir da integração de um batalhão português nas forças das Nações Unidas aí presentes.

Outra regra na técnica da protagonização é a identificação completa das personagens em qualquer história que se conte, dramática ou não: "Na terra, porém — que se orgulha de ter tido, num dos seus antepassados mais recentes, Américo Antunes Martins de seu nome, um alfaiate de Salazar —, a ideia da professora não entusiasmou toda a gente. Dídia Filomena Miranda, de 28 anos, casada com um sargento do Exército e residente em Coimbra..." "‘Iam tão bonitos, com as mochilas da merenda às costas, contou entre lágrimas Laurindo Teixeira de Oliveira, de 61 anos, antigo emigrante em França e que..."

Ou, também, por simples razões de "background" informativo: "O julgamento de Luís Monterroso, ex-presidente da Câmara da Nazaré pelo PS..." "O governador de São Paulo Luís António Fleury Filho (PMDB)..."

Nomes, cargos e formas de tratamento citados obedecem a regras específicas — Cf. Alfabeto do PÚBLICO.

j. Uma informação distante deverá, sempre que possível, transformar-se em informação próxima; um facto ou um acontecimento encerram sempre uma história oculta para contar, muitas vezes ao alcance de uma rápida investigação jornalística. Capta ainda mais o interesse do leitor, a quem é dada mais informação.

Dois tiros pelas costas mataram, em Junho de 1989, o mais conhecido domador de circo português. Paquito Cardinalli encontrava-se em plena exibição do seu número, no interior da jaula dos leões, e chegou já sem vida ao hospital. A notícia, seca, foi divulgada pela Lusa, que adiantava dois outros pormenores: a identificação do autor dos disparos, um jovem espectador que Paquito Cardinalli tinha impedido de entrar sem bilhete; e que o espectáculo continuara, após rápida substituição do domador pela própria mulher, ela também uma antiga domadora de leões. A notícia mereceu registo na imprensa diária, que se limitou porém a transcrever o telex da Lusa — e noticiar depois o funeral de Paquito Cardinalli. Mas nenhum jornal aproveitou a informação para contar a história hoje ainda oculta: o que de facto se passou antes e depois dos tiros.

l. Interesse, emoção e vivacidade: o distanciamento indispensável do jornalista perante os factos e as histórias não significa apatia ou desinteresse nem ausência de sentimentos. Os textos do PÚBLICO devem registar o clima, a cor e a acção das situações, captando os pormenores e as "nuances" das declarações pessoais, mas sem que se tornem eles próprios reféns dessa emotividade. Depende do talento do jornalista saber transformar um facto rotineiro numa narrativa que surpreenda e seduza o leitor.

Os textos deverão procurar conter o máximo possível de dados e testemunhos, que auxiliem o leitor a criar uma ideia rigorosa do tema que se está a abordar. Ou da história que se está a contar. Uma peça é tanto mais verídica e completa aos olhos do leitor quanto mais fundamentada estiver. E, melhor ainda, quanto mais essas fundamentações (declarações, comentários, opiniões, números e pormenores curiosos) representarem as diversas perspectivas de abordagem de um problema ou as diversas posições sobre ele existentes. Deve haver pelo menos uma citação de 20 em 20 linhas ao longo de um artigo, que ganha em autenticidade e interesse. Torna-se mais vivo e apelativo à leitura, devendo o jornalista fazer valer, em cada peça que escreve, toda a sua criatividade e capacidade de sedução do leitor pelo ritmo do texto e o encadeamento da informação com os pormenores ambientais e as mudanças de registo que quebrem a monotonia.

m. Por isso, deve recorrer-se, sempre que possível, à visualização da mensagem informativa: uma foto, a utilização de gráficos, quadros ou mesmo desenhos facilitam a leitura e a compreensão. E o PÚBLICO dispõe de um sector inforgráfico especialmente dotado. A inforgrafia é especialmente aconselhável para os casos de especificação mais clara de distâncias, percursos e localizações em geral.

n. Finalmente, mas não menos importante, a precisão indispensável. Por exemplo, no trabalho sobre a inauguração da Via do Infante, para além do facto noticioso em si e das histórias pessoais realçadas pelo repórter, a peça (ou melhor, as peças) ficaria(m) sempre mais apelativa(s) se contivesse(m) dados e números precisos da obra: custos, tempo de execução, número de trabalhadores e técnicos envolvidos, distâncias e percursos facilitados. Ou, noutro exemplo, dar o pormenor do número do quarto e do andar do hotel onde ficou alojado Frank Sinatra no Porto, o carro em que se deslocava, etc. Cf. O Rigor da Escrita.

Mas a precisão deve combinar, aqui, também com variedade discursiva. Num texto sobre o serviço público de televisão, a comparação dos números facilita o entendimento da ideia pretendida: "Em Portugal, o Estado dá à RTP entre seis e sete milhões de contos. Quase metade vai para os Açores e Madeira e outro tanto para a RTP Internacional e a cooperação com África, os tempos de antena para os partidos, sindicatos, etc. Para a TV2 sobram cerca de 500 mil contos por ano. Quase mil vezes menos do que na Alemanha. O preço de uma campanha e meia para explicar aos utentes as novas tarifas da portagem na ponte de Lisboa." Ou, num texto de economia, o (astronómico) número "150 mil milhões", obriga a um termo de comparação acessível e rápido. Por exemplo: "... o equivalente a 15 por cento das despesas da Segurança Social portuguesa.". Cf. Números, em Alfabeto do PÚBLICO. 

3. Investigação

A reportagem investigativa permite proporcionar ao leitor algo mais do que as simples aparências, as meras evidências e a interpretação imediata. É verdade que jornalismo é a procura da actualidade e da notícia e não se confunde com a pretensão de a fabricar. No entanto, sem investigação, o jornal e o jornalista transformam-se numa simples caixa de ressonância ou em porta-voz de campanhas. Ou, então, sem essa capacidade de iniciativa de investigar os factos e as pistas da actualidade, deixam-se inevitavelmente ultrapassar pelos acontecimentos — e pela concorrência.

A investigação jornalística não se deve confundir com investigação policial. A preocupação de saber "quem-como-quando-porquê" pode ser idêntica; os métodos e os objectivos é que não o são. A polícia tem como funções prevenir e reprimir as actividades criminosas, estando para isso legalmente empossada de determinados poderes. A função do jornalista é informar o público, não tendo para esse efeito outras prerrogativas além do direito de acesso à informação, nos termos da lei. Por isso, é tão importante a questão da divulgação da identidade dos acusados, detidos ou simples suspeitos. E, afinal, o princípio da equidade de tratamento. Cf. Informar sem Manipular... e Segredo de justiça, em Fichas da Lei. 

4. Reportagem: a acção, os factos e as pessoas

a. Género específico até pela sua liberdade narrativa e de estilo, a reportagem assenta no terreno preferencial dos factos e da sua observação directa no local onde se registaram. Deve conter, por isso, o máximo de pormenores ambientais e humanos.

"Todos os meses, 150 indivíduos toxicodependentes, quase sempre desesperados, procuram um sector pouco conhecido da Polícia Civil de São Paulo em busca de apoio. Todos eles acabam na sala do comissário Alberto Coraza, um ex-maestro que há trinta anos colocou as partituras de lado para se aventurar na carreira policial e, nos últimos seis, se especializou no combate ao consumo de drogas. Hoje, este paulistano de 54 anos, casado e pai de dois filhos..."

b. Uma reportagem não é um artigo de análise nem uma crónica: todas as versões contraditórias devem ser oferecidas ao leitor através de uma multiplicidade de dados, entrevistas e fontes de documentação.

c. Observar, retratar pessoas e ambientes, analisar e interpretar personagens e situações, aconselham uma liberdade narrativa maior do que na notícia pura; mas deverá ser sempre uma liberdade condicionada pela necessidade e obrigação de informar. Só ao leitor cabe retirar as suas conclusões.

Normas práticas:

— O repórter deve ser cuidadoso na recolha das declarações dos entrevistados e na anotação de outros dados, como números, nomes, idades e profissões. A sua reprodução deve ser sempre fiel e rigorosa.

— A cor local, a descrição das personagens e o retrato dos protagonistas são indispensáveis numa reportagem. O estudo prévio da situação, os hábitos, locais de residência, convicções políticas ou religiosas, as preferências e os gostos das pessoas que se vai entrevistar ajudam à preparação da reportagem e contribuem para a qualidade do texto final.

— A adaptação de uma história concreta ao contexto geral de uma reportagem é uma técnica especialmente aconselhada. Por exemplo, um trabalho sobre delinquência juvenil será muito mais apelativo se a história contada se centrar num caso pessoal concreto, em vez de se perder numa generalização anónima. Uma reportagem sobre refugiados despertará tanto mais interesse no leitor quanto mais densa for a atmosfera humana recriada. 

5. A entrevista e as citações

a. Na sua dupla perspectiva, a entrevista é um género autónomo, mas também uma técnica de investigação específica.

b. Neste último caso — meio de pesquisa noticiosa —, a entrevista é um método de investigação comum a todos os géneros jornalísticos. Ouvir e perguntar, apurar e seleccionar factos, recolher informações, citar dados ou simples declarações com relevância jornalística são o quotidiano do redactor. Da informação à opinião, passando pela cobertura noticiosa de uma conferência de imprensa ou de um debate, o jornalista utiliza no seu trabalho a transcrição ou meras citações dessas entrevistas.

É uma técnica que deve obedecer a alguns requisitos mínimos:

— Actualidade e interesse.

— Autenticidade e exactidão: as declarações atribuídas são verídicas e, por regra, sempre identificadas. Devem ser textuais, não se alterando nunca a literalidade do que foi dito — a não ser para eliminar repetições ou palavras próprias da linguagem oral, desde que irrelevantes;

— Clareza e expressividade: as frases e expressões reproduzidas devem ser sempre as mais importantes, expressivas e espontâneas da personagem da notícia. Por exemplo, um aparte, um tique de linguagem ou uma exclamação inesperada. Em contrapartida, as ideias e as referências genéricas deverão ser expostas no discurso indirecto pelo autor do texto. Deverão também ser valorizadas as declarações segundo a sua raridade ou impacte na opinião pública: quanto menos forem esperadas mais valor terão para o leitor.

— Elegância e vivacidade: a transcrição integral das palavras do entrevistado deve ser intervalada com o ritmo de uma prosa viva e aliciante da leitura. Citações em excesso equivalem a banalidade e monotonia — em suma, empobrecem um trabalho jornalístico.

Normas práticas:

— As declarações textuais nunca devem ultrapassar os 200 caracteres, quando se tratar de textos "corridos".

— As citações vêm sempre entre aspas. É preferível empregar uma intercalar — entre travessões, ou entre vírgulas fechando as aspas antes e abrindo-as de novo depois — para a referência ao entrevistado, de modo a evitar a rotineira atribuição do discurso directo no fim da citação.

— A fórmula "disse ao PÚBLICO" deverá ser criteriosamente utilizada, sob pena de se cair na redundância; em caso algum se usará a expressão "o nosso jornal". Quanto à fórmula "disse-nos", deverá ser evitada.

— Não sendo sinónimos, os verbos "acentuar", "afirmar", "confessar", "declarar", "dizer", "esclarecer", "observar", "precisar", "referir", "rematar", etc., são, muitas vezes, empregados como se o fossem. Importa, assim, cuidar do seu uso adequado e preciso.

— O jogo entre o discurso directo (das citações) e discurso indirecto (do jornalista) terá de respeitar sempre as regras gramaticais. Assim, por exemplo, os pronomes na 1ª pessoa só podem vir em transcrições da frase completa e nunca nos pequenos excertos incluídos no discurso indirecto:

Certo Errado
Tavares ingressou no Benfica. "Mas — afirma — não me sentia mal no Boavista. Antes pelo contrário, sentia-me até muito bem no Bessa." Tavares ingressou no Benfica, mas afirma que "não se sentia mal no Boavista, antes pelo contrário, sentia-me até muito bem no Bessa".
Uma multidão de pessoas revoltadas tomou de assalto dois pequenos hospitais da cidade de Surat. Um estudante envolvido nos distúrbios justifica a fúria popular: "Os médicos não deviam ter abandonado a cidade, deixando-nos para trás." Uma multidão de pessoas revoltadas tomou de assalto dois pequenos hospitais da cidade de Surat, manifestando-se porque, segundo um estudante, "os médicos não deviam ter abandonado a cidade, deixando-nos para trás".
(...) considerou a hipótese de sabotagem do avião "absolutamente excluída": "Se tal tivesse acontecido, não haveria sobreviventes." E acrescentou: "Além disso, o Cessna caiu apenas a 500 metros da pista e, aí, nós temos controlo do terreno, centímetro a centímetro." (...) considerou "absolutamente excluída" a hipótese de sabotagem do avião, porque, se tal tivesse acontecido, "não haveria sobreviventes, e depois porque o Cessna caiu apenas a 500 metros da pista, e aí nós temos controlo do terreno, centímetro a centímetro".

 

— A reconstituição de declarações a partir de várias citações numa só frase ou ideia (paráfrases) só se aceita nas transcrições de documentos escritos.

— Admite-se excepcionalmente o uso da expressão latina "sic" para chamar a atenção do leitor para algo de errado ou estranho no discurso ou texto original.

— Nestes e noutros casos em que se enxerte numa citação um termo ou uma ideia indispensável à sua compreensão, esse termo ou essa ideia deve vir entre parênteses rectos.

c. A entrevista como género autónomo distingue-se, em três aspectos, da simples recolha de declarações, mesmo quando estas assumem relevância excepcional:

1º — Sob o ponto de vista do entrevistado, pressupõe a aceitação prévia dos limites precisos da conversa. Quem aceita uma entrevista obriga-se a aceitar todas as questões que o jornalista entenda indispensáveis sobre o assunto, definido de comum acordo, assim como a publicação das suas respostas.

Pode-se aceitar um encontro informal e recusar uma entrevista — ficando para o jornalista a obrigação de perguntar sempre ao seu interlocutor o que pode ou não ser citado explicitamente. Numa entrevista formal, pelo contrário, é ao entrevistado que cabe precisar os limites do "off" e do "on the record". Tais limites, porém, carecem de um entendimento prévio sobre o objectivo da entrevista; se existir o risco de demasiados "off" porem em causa tal objectivo, é legítimo manifestar ao entrevistado a eventualidade de, após revisão do material recolhido e publicável, se optar pela não publicação da entrevista.

2º — Sob o ponto de vista do entrevistador, requer uma intervenção activa na condução do diálogo. Importa recolher declarações, informações ou opiniões originais da parte de quem se entrevista.

Normas práticas:

— Uma entrevista não é uma discussão nem um debate de ideias: o jornalista deve perguntar, inquirir, confrontar o entrevistado com as suas próprias contradições ou com factos e opiniões que contradizem o seu discurso, levantar questões e procurar respostas; nunca deve impor a sua opinião, como se estivesse num frente-a-frente com o entrevistado. É o jornal — e, no limite, a opinião pública — quem pergunta através do jornalista. Por isso, as perguntas são assinadas pelo PÚBLICO.

O jornalista nunca deve hostilizar o entrevistado, mas também não deve comportar-se de forma passiva ou subserviente perante as contradições e inverdades do entrevistado. É condição, no entanto, que tudo o que se escreva tenha sido levantado directamente ao interlocutor no decorrer da entrevista.

— As interrupções devem ser feitas a propósito e de forma concisa: para clarificar uma resposta ou uma ideia ou introduzir um novo tema.

— A espontaneidade e a confidência pretendidas numa entrevista dependerão sempre da preparação prévia do entrevistador — sobre quem se vai entrevistar e o tema da própria entrevista.

— A utilização do gravador é uma garantia e um apoio indispensáveis para o jornalista, especialmente nas entrevistas de maior fôlego — e não para a transcrição burocrática e integral das declarações do entrevistado. O recurso ao gravador nunca pode constituir uma alternativa preguiçosa ao registo escrito das declarações do entrevistado.

— O jornalista deverá sempre tomar notas das principais declarações do entrevistado, mesmo quando utilizar o gravador, para facilitar a organização do seu trabalho.

— A versão escrita da entrevista deve ser sempre trabalhada pelo próprio jornalista que a fez, mesmo quando a transcrição do registo magnético for efectuada por outrem.

— A revisão do texto escrito das entrevistas pelos próprios entrevistados só será aceite em condições excepcionais acordadas com o editor e/ou a Direcção.

3º — Sob o ponto de vista narrativo, utiliza-se o discurso directo (pergunta-resposta) ou indirecto (as perguntas indirectas aparecem implícitas nas respostas ou no texto do redactor), segundo opções editoriais previamente determinadas.

Normas práticas:

— As entrevistas com perguntas e respostas obedecem ao seguinte modelo editorial: a entrevista abrirá sempre com um pequeno texto introdutório (até 400 caracteres) contendo pormenores de reportagem — um pequeno perfil do entrevistado, condições e local da entrevista, etc. As perguntas são grafadas a negro, precedidas de PÚBLICO — também a negro e com travessão — por extenso e caixa alta quando da primeira pergunta, seguindo-se depois apenas a letra P a negro, com ponto e travessão (P. —). As respostas vêm sempre a fino precedidas do nome mais conhecido do entrevistado, com travessão, por extenso e caixa alta na primeira resposta e, depois, apenas com a letra R com ponto e travessão (R. —).

PÚBLICO — Ao fim destes dez anos de presidência, já decidiu recandidatar-se?

NUNO SOUSA — Já, e conto oficializar esta minha decisão para a semana.

P. — E quem o apoia?

R. — Todos os clubes do meu bairro menos o meu próprio...

— A técnica do pinguepongue prevalecerá sempre que possível como forma de captar o interesse do leitor: perguntas breves e rápidas, sem conterem implicitamente a resposta; mudanças apropriadas no ritmo do diálogo e na passagem dos assuntos, sem prejuízo da informalidade e da exposição lógica do discurso do entrevistado.

— A informalidade exclui o tratamento por tu qualquer que seja a circunstância, mas recusa também qualquer tipo de reverência protocolar, do género "V. Ex.ª", "Vossa Majestade" ou "Vossa Eminência". Formas de tratamento (ver Alfabeto do PÚBLICO) como "senhor Presidente" ou "senhor ministro" admitem-se excepcionalmente, na primeira pergunta, por exemplo.

— O jornalista não deverá fazer observações pontuais ao comportamento do entrevistado que possam influenciar a leitura das suas declarações.

— As entrevistas escritas em discurso indirecto devem respeitar as normas anteriormente expostas. Não são admissíveis pseudo-entrevistas, construídas a partir de um documento ou um texto escrito pelo entrevistado.

— Só em circunstâncias excepcionais o PÚBLICO publicará entrevistas por escrito e, quando o fizer, mencionará explicitamente esse facto.

— No caso ainda das entrevistas em discurso indirecto, o "retrato" do entrevistado, os gestos, o ambiente que o rodeia, as expressões e os pormenores observados no decurso da entrevista incluir-se-ão ao longo do texto "corrido". É o caso das conferências de imprensa, cuja cobertura não deve, por princípio, descurar este tipo de pormenores.

— É importante seleccionar e reescrever sem deturpar. Uma entrevista de uma hora é raramente suportável "in extenso" — duas páginas inteiras do PÚBLICO. Convém, por isso, estabelecer limites de tempo e cuidar da sua preparação prévia. Só assim se facilitará o trabalho final de selecção e reconstrução da entrevista, respeitando-se integralmente o pensamento do entrevistado. Se prevalecer alguma dúvida sobre uma declaração ou ideia, deve-se contactar o entrevistado.

 6. Os espaços da opinião

a. Informação e opinião têm espaços claramente demarcados no PÚBLICO.

b. A opinião em sintonia com a actualidade diária divide-se em três géneros: o editorial, assinado por um elemento da Direcção editorial; o comentário, assinado por um director, editor ou jornalista; e a opinião, assinada por um convidado.

Estes três géneros têm como denominador comum a brevidade dos textos, a interpretação clara e incisiva dos factos e, naturalmente, a opinião do autor sobre a matéria em causa. Essa opinião deverá ser sempre devidamente fundamentada, não se inspirando em razões exteriores ao objecto do comentário. Não há quaisquer restrições ao teor das opiniões expressas desde que elas se enquadrem nos preceitos de isenção ética e rigor de escrita que identificam o estilo do PÚBLICO. A independência de espírito, a irreverência e o desassombro polémico são necessários à vitalidade do jornal, mas não é admissível a utilização de uma linguagem panfletária ou insultuosa.

c. Noutra lógica, mas sem prescindir dos critérios mínimos de qualidade e actualidade jornalística, o jornal solicita ou aceita outro tipo de opinião externa, de colaboradores regulares e/ou ocasionais. Com características mais intemporais ou de tema livre, esta opinião será paginada em colunas específicas e personalizadas e/ou editada no Espaço Público.

Salvo casos excepcionais, estes textos de opinião não devem ultrapassar os cinco mil caracteres. Somos um jornal diário e tudo o que exceda estas dimensões contraria as mais elementares regras da legibilidade rápida e fácil.

Os textos de opinião estão também sujeitos ao respeito pela linguagem não insultuosa e não panfletária a que se obriga o PÚBLICO. O jornal não procurará expurgar tal linguagem de eventuais textos que a contenham, preferindo devolvê-los sem os publicar. Em qualquer caso, toda a intervenção do jornal num texto de opinião só é admissível com prévia autorização do autor.

d. Os textos de crítica, recensões ou notas sobre filmes, livros, discos, teatro, exposições e espectáculos em geral serão introduzidos por uma breve memória descritiva dos objectos criticados. Esta introdução deverá ser escrita em linguagem jornalística e acessível ao comum dos leitores.

O crítico deve exprimir com toda a liberdade o seu ponto de vista, devidamente fundamentado, sobre a(s) obra(s) criticada(s). Isso não o impede, porém, de fornecer previamente os dados de informação essenciais sobre a(s) obra(s) que critica.

e. Estão excluídas as "private jokes", o jargão especializado e os preciosismos académicos.

f. Nas colunas personalizadas dos colaboradores permanentes, em princípio com periodicidade fixa, ou em testemunhos pessoais solicitados pelo PÚBLICO, poderá ser utilizada a primeira pessoa do singular.

g. Os jornalistas, colunistas e colaboradores permanentes do PÚBLICO não poderão manter polémica entre si, salvo nos casos antecipadamente acordados com a Direcção.

   
   
 
Se quiser propor alterações ao conteúdo deste capítulo clique