Informar sem manipular, difamar ou intoxicar
O direito ao bom nome e a presunção
da inocência até condenação em tribunal
ou, no caso de uma investigação própria
do jornal, até prova absolutamente indiscutível
são escrupulosamente garantidos nas páginas do PÚBLICO.
Importa, por isso, ponderar sempre com a Direcção
esse equilíbrio difícil entre informar e não
manipular, difamar ou intoxicar.
1. A honra, a dignidade e a reputação
de pessoas individuais e colectivas devem ser escrupulosamente respeitadas
nas páginas do PÚBLICO. Todos os temas que envolvam
aspectos desta natureza reclamam previamente uma investigação
própria muito cuidada, prudente e imparcial. Está
em causa, no mínimo, o direito à imagem de pessoas
individuais ou colectivas.
O PÚBLICO só deve trazer para as suas
páginas, com nomes e fotografias, os casos que tenham sido
investigados concludentemente. Por isso, não basta a identificação
da fonte de informação nem o simples registo da resposta
da parte acusada para se evitar cair na calúnia, na difamação
ou na instrumentalização do jornal por esta ou aquela
campanha. É preciso que, para além dos anteriores
requisitos, o assunto e/ou as pessoas nele envolvidas tenham relevância
noticiosa.
Por outro lado, a boa-fé e a lisura e transparência
dos processos utilizados pelo jornalista devem ser claros e indiscutíveis.
2. As referências fulanizadas em textos
que tenham uma componente ficcional (crónica humorística,
por exemplo) não podem envolver matéria gravosa para
o bom nome e a imagem pública de pessoas ou instituições.
Os ajustes de contas ou os ressentimentos pessoais não são
pretextos admissíveis.
3. O prestígio e a imagem profissional,
científica, técnica, artística, desportiva,
empresarial, comercial ou política são um valor e
um direito garantidos no PÚBLICO. Todas as referências
a situações desprestigiantes ou desfavoráveis
por exemplo: questões de corrupção,
inquéritos, processos administrativos, disciplinares, fiscais
ou outros; controvérsias profissionais, acusações
pessoais, políticas, sindicais, corporativas, etc.; reveses
empresariais, políticos, comerciais ou de idêntica
natureza, individual ou colectiva devem ser rigorosamente
sustentadas, pois provocam sempre danos e prejuízos irreparáveis
às pessoas ou entidades envolvidas. Cf. Difamação,
em Fichas da Lei, e Objectividade, em Alfabeto
do PÚBLICO.
Não basta a identificação
do acusador para isentar o jornal e o jornalista do crime de difamação
e calúnia. Um exemplo eticamente condenável, independentemente
do seu sancionamento penal: "Segundo fulano tal, sicrano,
vulgo o merdas, é um bandido, um vigarista...
do pior que há."
Um trabalho mal elaborado, distorcido ou irresponsável
sobre uma determinada actividade, empresa ou organismo pode ter
efeitos desastrosos.
4. Os casos de natureza militar, política,
ideológica ou partidária, como também os de
ordem económico-financeira, prestam-se a frequentes campanhas
de manipulação e desinformação pura.
Os jornalistas do PÚBLICO garantirão sempre o recurso
aos indispensáveis mecanismos da objectividade: pluralidade
das fontes, investigação, ausência de ideias
preconcebidas, abertura a situações inesperadas e
a perspectivas novas, contraditórias ou não com as
convicções de cada jornalista.
Um diplomata americano é acusado
pela CIA de pertencer na altura o KGB, ou vice-versa: como distinguir
a notícia da contra-informação? As vitórias
militares anunciadas pelo lado A são seguras ou actos de
mera propaganda contra o lado B?
A chamada "guerra do leite", em Portugal,
levou a que um caso de auto-envenenamento de uma adolescente,
com 605 Forte misturado numa embalagem da Parmalat, fosse seguido
quase durante uma semana nos jornais e no audiovisual segundo
uma única óptica: a sabotagem económica,
por parte da concorrência nacional. Até a Polícia
Judiciária revelar a confissão da jovem que pretendeu
com o gesto "chamar a atenção dos pais",
envolvidos em frequentes discussões, nem uma vez alguém,
dos muitos que escrevemos e falámos do assunto mais palpitante
desses dias, levantou sequer a hipótese de um incidente
pessoal. Prevaleceu, desde o início, a tese mais especulativa
e sensacionalista, com a agravante da devassa posterior da vida
privada de uma menor e da sua família.
5. Os casos históricos de controvérsia
recente ou com forte componente político-ideológica
requerem a mesma prudência quando se tornam objecto de investigação
jornalística. Faltou esse cuidado, por exemplo, quando uma
televisão abordou o caso do assassínio do general
Humberto Delgado acolhendo uma longa entrevista-defesa do
filho do assassino confesso, sem que essa versão fosse devidamente
contraditada ou contraposta com a verdade dos factos já transitados
em julgado.
6. Os casos judiciais ou ainda em fase de investigação
policial (ou de outro âmbito minimamente controverso) devem
ser tratados com a máxima precaução e distanciamento
da origem das acusações. Cf. Fichas
da Lei.
Na Suécia, por exemplo, a imprensa abstém-se
pura e simplesmente de divulgar nomes e fotos de quem ainda não
estiver a cumprir pena. Nos Estados Unidos, vigora uma tradição
mais flexível: identificam-se as pessoas, mas sempre com
especiais cuidados na defesa dos direitos dos acusados.
Em resumo:
a. O tratamento de factos do foro criminal deve ser
sóbrio e distanciado, segundo critérios de inequívoco
interesse jornalístico e recusando o sensacionalismo.
b. Nenhuma notícia, título ou legenda
deve confundir a suspeita com a culpa. E, mesmo nos casos de detenção
de suspeitos, a sua identidade nunca deve ser revelada ou minimamente
insinuada (por exemplo, com a divulgação do apelido
ou de outros dados aproximativos) enquanto a investigação
do PÚBLICO não tiver recolhido dados concludentes
ou enquanto as averiguações da polícia não
tiverem conduzido a uma acusação formal e indiscutível.
Há casos mesmo que desaconselham, pura
e simplesmente, a identificação dos acusados. Por
exemplo: "PJ desvenda burla informática inédita:
detidos dois jovens." Não é possível
ouvir os detidos, mas a polícia "passa" as suas
identidades e os pormenores da história, com repercussões
internacionais. Estampar os nomes (e as fotos) dos dois jovens
seria conferir todo o crédito a uma parte quando não
houve a possibilidade de ouvir a outra.
7. Normas práticas:
a. Qualquer informação desfavorável
a uma pessoa ou entidade obriga a que se oiça sempre "o
outro lado" em pé de igualdade. Só em casos excepcionais,
e após autorização da Direcção,
se pode contrariar o princípio da equidade.
Por exemplo: tendo em conta o impacte de uma
notícia e a segurança quanto aos dados recolhidos,
a inadiabilidade absoluta da informação ou a recusa
frontal da(s) parte(s) acusada(s) em prestar declarações.
Esgotadas todas as possibilidades de se ouvir a versão
contrária, deve constar no texto a explicação
dos motivos. Quanto mais específica puder ser a explicação,
melhor: horários em que "o outro lado" foi procurado,
quem ficou com as mensagens, etc. O PÚBLICO voltará
sempre ao assunto até ao seu completo esclarecimento.
b. Todas as pessoas sob acusação criminal
não provada são sempre tratadas como "acusadas"
ou "suspeitas".
Certo |
Errado |
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José Campos, acusado de
ter raptado... |
José Campos, raptor de... |
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c. Nas reportagens de julgamentos ou em trabalhos
similares, a palavra "confissão" só pode
ser utilizada se resultar de um depoimento prestado em audiência
formal do tribunal pelo réu ou pelo seu defensor. Nada do
que vem da polícia, da acusação ou que possa
ser recolhido pelo próprio jornalista deve ser apresentado
como confissão. As pessoas na condição de acusados
"relatam", "declaram", "contam" ou
"explicam". Deve evitar-se também expressões
como "admitem" ou "reconhecem". Assim como "diz-se"
ou "sabe-se".
d. O "assassino confesso" não o é
apenas porque a polícia o diz e a acusação
o deseja. É preciso também que se prove em tribunal.
e. Nunca se deverá utilizar a expressão
"alegado criminoso" relativamente a uma pessoa não
condenada. O tribunal pode vir a considerar a sua acção
como legítima defesa. Um "alegado burlão"
também pode vir a ser considerado inocente. Como também
não há "alegados subornos". Um caso de corrupção
sustentado de forma negligente pela investigação jornalística
será sempre um caso de mau jornalismo e constitui matéria
punível por difamação.
f. Os textos sobre julgamentos devem relatar com precisão
os procedimentos judiciais a que fizerem referência. Os depoimentos
da defesa e da acusação devem merecer igual tratamento.
A cobertura de julgamentos deve respeitar
as duas versões que estão em confronto acusação
e defesa. Facilmente se pode cair na tentação de
privilegiar a acusação, tanto mais que é
normalmente aí que se encontram os elementos mais espectaculares
de uma sessão ou de um processo. Mas deve encontrar-se
a forma de não deixar nunca de dar a perspectiva da defesa.
Recusar sempre que a cobertura de um julgamento deixe transparecer
uma versão dos factos a que o jornalista e/ou o jornal
tenham aderido.
A polícia ou qualquer outra parte
litigante está interessada em acusar, com ou sem
provas indiscutíveis. O jornalista, movido apenas pelo
interesse de informar, deve recusar por princípio influenciar
negativamente a imagem pública dos acusados, quase sempre
sem hipóteses de se defenderem.
g. As pessoas sob acusação judicial
ou acusadas por outrem devem ter a oportunidade de responder às
acusações. Toda a história tem mais do que
uma versão: por isso, nenhum texto com acusações
criminais deverá ser publicado enquanto não forem
esgotadas todas as possibilidades de se ouvir a parte acusada. As
peças terão que ser feitas em função
desse cruzamento de informações e nunca na perspectiva
ou no interesse da fonte da origem. Cf. Segredo
de justiça, em Fichas da Lei.
Se o repórter encarregado de cobrir um
crime ainda não julgado descobre que o réu comprou
uma arma dias antes do acto de que é acusado ou que um
investigador, como muita vezes acontece, revela factos que concorrerão
contra os interesses do réu, a divulgação
desses indícios não deverá, evidentemente,
esperar pela realização do julgamento. Se um jornalista
chegasse, por hipótese, à posse do diário
do assassino da Marinha Grande (1987), não esperaria obviamente
pela leitura da sentença para revelar o documento. Em todas
as circunstâncias, porém, deverão ser sempre
observados os princípios de rigor e ausência de sensacionalismo
no tratamento destas matérias.
h. Antes da condenação em tribunal deve
ser cuidadosamente ponderada a divulgação, por via
da polícia ou de qualquer outra parte envolvida no processo,
de elementos não essenciais que possam influenciar negativamente
a imagem pública dos acusados, normalmente sem hipóteses
de se defenderem. O PÚBLICO recusa participar em campanhas
de descrédito e contra-informação, lesivas
dos direitos da defesa.
i. Em todas as circunstâncias, o PÚBLICO
revela, apura, divulga; jamais denuncia. O jornal regista acusações
de terceiros, mas garante sempre aos acusados o direito de exporem
os seus pontos de vista em pé de igualdade com os acusadores
e só publica essas acusações quando delas obtém
provas ou quaisquer outros elementos que o convençam da sua
veracidade irrefutável.
j. Erros ou confusões na referência a
nomes e moradas de pessoas detidas podem resultar numa acção
de pura injúria. A identificação pessoal deve
ser completa e respeitadora da dignidade individual. Não
se aceitam expressões depreciativas ou injuriosas dos autos
policiais, tipo "o Chagas" ou "o Muleta Negra".
O recurso a uma alcunha para identificar uma personagem só
é admissível quando for essencial à sua caracterização.
Cf. Direito à imagem, em Alfabeto
do PÚBLICO e Fichas
da Lei.
l. Não se identificam menores até 18
anos envolvidos em crimes ou em quaisquer actos de que lhes possam
advir problemas de carácter pessoal, social ou outro.
Mesmo com figuras públicas, os tribunais
americanos protegem o mais possível as crianças.
Fazendo até prevalecer esse direito sobre qualquer outro.
Foi o que se passou no célebre caso de Woody Allen, acusado
por Mia Farrow do crime de abuso sexual contra a filha adoptiva
do casal. O procurador do estado do Connecticut, Frank Maco, recusou
a abertura de qualquer processo judicial apesar das dúvidas
manifestadas sobre a inocência do cineasta. Isto é,
apesar do chamado princípio da busca da verdade, pareceu-lhe
mais importante pôr a criança a coberto de obrigações
judiciais "potencialmente traumatizantes, sobretudo o testemunho
perante o tribunal".
m. No PÚBLICO não se faz discriminação
sexual ou racial. A cor da pele do suspeito de um crime nunca deve
merecer relevância noticiosa, salvo quando subsistirem óbvias
implicações raciais. Cf. Casos
de violação da privacidade, em Privacidade e Responsabilidade.
n. Nos casos vertentes ou similares, consultar sempre
as Fichas da Lei.
O quadro de referências descrito nos pontos
anteriores não diminui nem limita a disponibilidade do PÚBLICO
para o tratamento de questões delicadas ou controversas no
plano criminal. Pelo contrário, valoriza a investigação
própria e responsabiliza a acutilância jornalística
tanto mais necessária quanto estiverem em causa figuras
com responsabilidades públicas, nomeadamente se houver uma
óbvia contradição entre os valores defendidos
por essas figuras e o seu comportamento social. Uma das funções
primordiais do jornalismo é exigir transparência e
coerência aos actores da cena pública.
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