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Ilustração de Júlio Resende em A Noite de Natal, de Sophia de Mello Breyner, ed. Figueirinhas |
Stille Nacht
Sol — Lá — Sol — Mi. A 24 de Dezembro de 1818, quando o professor de música Franz Gruber pegou na guitarra, as quatro primeiras notas saíram para musicar as palavras que o seu amigo, o jovem pastor Joseph Mohr, acabara de lhe trazer: Stille Nacht. Noite silenciosa, noite tranquila. Heil’ge Nacht! Noite santificada. Ambos estavam longe de imaginar que aqueles primeiros acordes e palavras dariam a volta ao mundo, tornando-se a mais conhecida e mágica melodia de Natal.
A criação de Stille Nacht é, ela própria, uma história já envolta em lenda. Há relatos de que o órgão da igreja de Oberndorf, na Áustria, ter-seia avariado, com os foles roídos por ratos. Outras versões garantem que Mohr gostava de guitarra ou que a canção foi composta e depois esquecida por ambos os autores — o que é desmentido pelos factos: há manuscritos de ambos que comprovam que Stille Nacht foi cantada entre 1820 e 1855. As lendas chegaram ao ponto de atribuir a sua autoria a Beethoven ou Mozart.
Nessa noite de Natal, na pequena Igreja de São Nicolau, o coro e a população de Oberndorf cantaram pela primeira vez a melodia composta horas antes, cujo poema Mohr escrevera em 1816. Em cada estrofe, o coro repetia, a quatro vozes, o último verso. Hoje, a melodia repete-se em pelo menos 300 línguas e dialectos diferentes. Tanto quanto se sabe, isso deve-se também a Karl Mauracher, um reparador de órgãos que por várias vezes foi a Oberndorf, aproveitando para copiar Stille Nacht. Mais tarde, as famílias Strasser e Rainer, de cantores ambulantes, começaram a cantar a melodia — em Dezembro de 1832 já há notícia de ela ter sido executada num concerto em Leipzig, na Alemanha. Missionários católicos e protestantes acabaram por levá- la para as Américas, África, Ásia e Oceânia.
Natal rima, desde há muito, com histórias contadas através da pintura, escultura ou música. Sophia de Mello Breyner juntou à literatura a música das palavras: Em Baltazar (Contos Exemplares), escreve: “A estrela ergueu-se muito devagar sobre o Céu, a Oriente. O seu movimento era quase imperceptível. Parecia estar muito perto da terra. Deslizava em silêncio, sem que uma folha se agitasse. Vinha desde sempre. Mostrava a alegria, a alegria una, sem falha, o vestido sem costura da alegria, a substância imortal da alegria.”
A mesma alegria de Joana, em A Noite de Natal, quando descobre um amigo — Manuel — que é aquele que os três reis vão adorar: “Até que chegaram ao lugar onde a estrela tinha parado e Joana viu um casebre sem porta. Mas não viu escuridão, nem sombra, nem tristeza. Pois o casebre estava cheio de claridade, porque o brilho dos anjos o iluminava.”
O Natal é, sempre, o tempo das canções. Como no Cântico dos Cânticos (2, 10-14): “Fala o meu amado e diz-me: Levanta-te! Anda, vem daí, ó minha bela amada! Eis que o Inverno já passou, a chuva parou e foi-se embora; despontam as flores na terra, chegou o tempo das canções, e a voz da rola já se ouve na nossa terra; a figueira faz brotar os seus figos e as vinhas floridas exalam perfume. Levanta-te! Anda, vem daí, ó minha bela amada! Minha pomba, nas fendas do rochedo, no escondido dos penhascos, deixa-me ver o teu rosto, deixa-me ouvir a tua voz. Pois a tua voz é doce e o teu rosto encantador."
A FOTO DO DIA
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Todos os dias, neste espaço, é publicada a foto escolhida no âmbito da iniciativa Grande Fotografia de Natal, promovida pelo Millennium BCP. Dia 26, serão publicadas as 3 grandes vencedoras.
O regulamento pode ser consultado aqui ou em www.millenniumbcp.pt. |
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Fotografia: Ana Filipa Infante Lacerda Garin Scarp
Data: 13 de Dezembro de 2005 |
POEMA DE NATAL
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Poema escolhido
por Vasco Graça Moura
e incluído no livro Natal... Natais
– Oito Séculos de Poesia
sobre o Natal, por ele compilado,
a editar pelo PÚBLICO
no próximo dia 14 de Dezembro
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Natal
Nasceu.
Foi numa cama de folhelho,
entre lençóis de estopa suja,
num pardieiro velho.
Trinta horas depois a mãe pegou na enxada
e foi roçar nas bordas dos caminhos
manadas de ervas
para a ovelha triste.
E a criança ficou no pardieiro
só com o fumo negro das paredes
e o crepitar do fogo,
enroscada num cesto vindimeiro,
que não havia berço
naquela casa.
E ninguém conta a história do menino
que não teve
nem magos a adorá-lo,
nem vacas a aquecê-lo,
mas que há-de ter
muitos Reis da Judeia a persegui-lo;
que não terá coroa de espinhos
mas coroa de baionetas,
postas até ao fundo
do seu corpo.
Ninguém há-de contar a história do menino.
Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.
ÁLVARO FEIJÓ |
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