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Cena popular, presépio da Sé de Lisboa, séc. XVIII |
Consoada
No princípio, eram as festas do solstício de Inverno. A vitória da luz do sol sobre a maior noite do ano. As trevas dominavam tudo, estava-se a séculos da invenção da luz eléctrica, só a lua cheia era agente de claridade nas noites escuras e sem nuvens. Reminiscência desses tempos são, sobretudo nas terras do interior português, a queima dos cepos de árvores adultas, que os jovens vão buscar aos campos, em acções que conservam ainda o carácter de rituais de iniciação.
Nas regiões de Trás-os-Montes e da Beira Interior é onde as fogueiras, activadas nos largos principais das povoações na noite de 24 de Dezembro, perto das igrejas onde estão armados os presépios, durante mais tempo se mantêm acesas. A reunião da família à volta da lareira sai para a rua e alarga-se a toda a comunidade. Em algumas terras até 6 de Janeiro, Dia de Reis.
Já estamos a falar das mudanças que o cristianismo introduziu nos festejos do solstício de Inverno, transformando-os de celebrações da Natureza em actos de grande partilha humana em que as artes da mesa desempenham um papel de grande destaque. A refeição da noite da Consoada transformou-se, com o correr dos tempos, numa grande festa da família.
É interessante assinalar que a Igreja Católica a marcou com um carácter particular, ao incluí-la nos dias de jejum do Advento, com a consequente proibição da ingestão de comidas “quentes”, como as carnes, sendo apenas autorizadas as “frias”, ou seja, os peixes. Daí o bacalhau e o polvo, na Consoada das famílias do Norte, Interior e Centro, o cação, a pescada e, agora, também o bacalhau, no Sul e em particular no Alentejo, onde a carne de porco domina, mas só no banquete que se segue à Missa do Galo, havendo no entanto quem prefira o peru.
Em terras do Norte, após a refeição de bacalhau, polvo, ovos, couve galega, grelos, batatas, cebolas, tudo cozido e temperado com azeite, seguese a Missa do Galo. Só depois dela, em que se assinala o nascimento de Jesus Cristo, se festeja com os doces – mexidos ou formigos, rabanadas ou fatias de paridas, arroz doce, aletria, pão-deló, bolinhos de jerimu, bilharacos... – e o vinho quente, isto Entre Douro e Minho, ou os melhores vinhos finos da região duriense.
Nessa noite, fica a mesa posta. É que, mesmo os que já partiram, não desdenham sentar-se à mesa da Consoada. No dia seguinte, sobretudo em terras do Minho, o primeiro prato da refeição festiva do Dia de Natal é a “roupa velha”, confeccionada com as sobras da Consoada. Depois, conforme as regiões e as tradições de cada família, há o galo mais galaroz da capoeira, o cabrito, lombos de porco, borrego, leitão, pato, ganso, peru – em geral, assados no forno. Para que todos fiquem felizes por comer carne.
As tradições de que aqui se fala são as nossas, portuguesas, visivelmente ainda muito marcadas pela ruralidade. No vasto mundo cristão, cada país tem os seus usos. E, nas cidades, também nas nossas, há outras tradições. Que cada um faça como lhe aprouver e como puder. A festa é sempre um bom momento nas vidas das gentes.
A FOTO DO DIA
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Todos os dias, neste espaço, é publicada a foto escolhida no âmbito da iniciativa Grande Fotografia de Natal, promovida pelo Millennium BCP. Dia 26, serão publicadas as 3 grandes vencedoras.
O regulamento pode ser consultado aqui ou em www.millenniumbcp.pt. |
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Fotografia: Sónia Maria Martins Santos Moreira
Data: 10 de Dezembro de 2005 |
POEMA DE NATAL
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Poema escolhido
por Vasco Graça Moura
e incluído no livro Natal... Natais
– Oito Séculos de Poesia
sobre o Natal, por ele compilado,
a editar pelo PÚBLICO
no próximo dia 14 de Dezembro
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Natal
Soa a palavra nos sinos,
E que tropel nos sentidos,
Que vendaval de emoções!
Natal de quantos meninos
Em nudez foram paridos
Num presépio de ilusões.
Natal da fraternidade
Solenamente jurada
Num contraponto em surdina.
A imagem da humanidade
Terrenamente nevada
Dum halo de luz divina.
Natal do que prometeu,
Só bonito na lembrança.
Natal que aos poucos morreu
No coração da criança,
Porque a vida aconteceu
Sem nenhuma semelhança.
MIGUEL TORGA |
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