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A Fuga para o Egipto, Apocalipsis 68.174 |
Os mitos
Nenhuma das histórias é verdade? “A vinda dos magos do oriente, a acção da estrela, a conversa dos magos com Herodes, que ‘pôs em alvoroço a cidade de Jerusalém’, a adoração dos magos, o prazo de dois anos entre a vinda dos magos e a matança dos inocentes, a ida de Jesus, Maria e José para o exílio no Egipto, onde permanecem dois anos, é uma narrativa midráchica, artificial.”
O padre Joaquim Carreira das Neves, biblista, sintetizava deste modo, a 6 de Outubro deste ano, na sua última lição pública, o modo como a exegese bíblica contemporânea olha para as narrativas da infância de Jesus contidas nos evangelhos. Midráchica designa uma narrativa maravilhosa para referir um facto de fé.
Nessa intervenção, que será em breve publicada na revista Didaskalia, da Universidade Católica, Carreira das Neves acrescentava: “É anti-racional que Herodes tenha mandado matar as crianças de Belém e arredores, precisamente dois anos depois do aparecimento dos magos. A ser verdade, e não obstante os crimes do rei, Flávio Josefo [historiador do século I, autor de Antiguidades Judaicas] não deixaria de apresentar este crime como o maior de todos os crimes.”
Não há que enganar: as narrativas da infância de Jesus — apenas contidas nos Evangelhos de Mateus e Lucas, e mesmo assim com elementos contraditórios entre ambas — servem propósitos bem determinados: pretendem ser “uma teologia ou catequese em que cada evangelista escolhe a melhor pedagogia e linguagem para o anúncio do mesmo salvador a destinatários diferentes”, escreve frei Lopes Morgado (Entrai, Pastores, Entrai, catálogo da exposição de presépios de Dezembro de 2002, em Évora). Ou, na expressão de Carreira das Neves (Jesus Cristo — História e Mistério, ed. Franciscana), esses relatos — que datam dos anos 75 a 85 — pretendem informar não sobre a história do nascimento e da infância de Jesus, mas “sobre a modalidade do ser dessa criança”.
Porque surgiram então tais relatos? Muitos dos mitos ligados ao Natal devem-se às histórias dos evangelhos apócrifos (reunidos na Biblioteca de Nag Hammadi, que acaba de ser editada em Portugal pela Esquilo). Esses textos, dos séculos III e IV, que ajudam a entender o gnosticismo cristão daquela época, retratam um Jesus que faz milagres desde bebé, que se zanga facilmente ou, pelo contrário, é capaz de ajudar intensa e miraculosamente — fazendo brotar água, por exemplo. Uma espécie de um ser humano que se quer mais divino que o divino.
Os dois evangelistas da infância — Mateus e Lucas — traduzem a mentalidade cristã do final do primeiro século, como explica ainda Charles Perrot (Narrativas da Infância de Jesus, ed. Difusora Bíblica).
Mas o seu maravilhoso, escreve France Queré (Os Evangelhos Apócrifos, ed. Estampa), tem a intenção de mostrar que o nascimento de Jesus dá “um corpo sensível à devoção, começa-se a amar a Deus como a uma pessoa”. O cristianismo insere-se na história, porque Deus se tornou humano. E Jesus, o Deus que se torna homem, é o libertador para os tempos novos, um novo Moisés.
A FOTO DO DIA
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Todos os dias, neste espaço, é publicada a foto escolhida no âmbito da iniciativa Grande Fotografia de Natal, promovida pelo Millennium BCP. Dia 26, serão publicadas as 3 grandes vencedoras.
O regulamento pode ser consultado aqui ou em www.millenniumbcp.pt. |
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Fotografia: Wilson Ferreira Antunes
Data: 12 Dezembro 2005 |
POEMA DE NATAL
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Poema escolhido
por Vasco Graça Moura
e incluído no livro Natal... Natais
– Oito Séculos de Poesia
sobre o Natal, por ele compilado,
a editar pelo PÚBLICO
no próximo dia 14 de Dezembro
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A adoração dos pastores
Viemos de longe, em oração, viemos de longe
Saudar o Teu amanhecer, ó Cheio de Destino!
Trazemos-Te a terra, a grande terra, a terra simples
Onde Orion volta com o solstício de Verão
E as gazelas vagueiam nas clareiras chuvosas.
Só isto Te trazemos, porque só isto é nosso,
Mas isto é belo e doce como as donzelas e os rebanhos.
Tudo se extingue, ó Madrugada!, tudo se extingue
Na nossa cidade quando a visitas suavemente.
Por que é que a Tua grandeza nos penetra
Tão profundamente que nem nos reconhecemos?
Por que é que nos dás um pouco do Teu mundo
E nos fazes perder um grande país orvalhado?
Ah! este burgo solitário não é o nosso burgo
E esta noite branca não é a nossa noite!
Talvez existissem no mais profundo do nosso ser,
Mas são-nos estranhos e às vezes tão penosos!
Só Te compreendemos assim claro como os lagos
Onde nos reflectimos como carvalhos verdes
E vemos a catedral desabrochar como uma rosa,
Enquanto Orion vem magnífico e sumptuoso
Coroar a noite com os seus florões de ouro.
NUNO DE SAMPAYO |
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