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Religiões
O Islão de A a
Z
por
Margarida Santos Lopes
"De modo a preservar,
na Ciência Política, a liberdade de espírito
a que nos habituámos na Matemática, tenho sido cuidadoso
em não ridicularizar o comportamento humano, nem a deplorar
ou condenar, mas a compreender"
Baruch de Espinosa
Membro da comunidade hebraica portuguesa de Amsterdão,
e figura maior da história intelectual do Ocidente, a ética
e a metafísica constituíram a essência dos
seus ensinamentos. Foi excomungado como herege por criticar a
religião e os textos sagrados. O seu Deus era o Universo.
"Os habitantes da
Terra dividem-se ao meio,
os que têm um cérebro, mas nenhuma religião,
e os que têm uma religião, mas nenhum cérebro".
Abdul-Ala al-Maari
Poeta e um dos maiores vultos da literatura árabe, escreveu
estas linhas antes de morrer em 1057, quando os cruzados cristãos
devastaram a sua cidade de Maara, na Síria.
Assassiyun
os que são fiéis ao "Assass" ou "fundamento"
da fé, terão sido, provavelmente, os primeiros suicidas
do Islão. O grão-mestre e pregador supremo desta seita
medieval que existiu durante 166 anos (séc. XII e XIII) foi
Hassan Sabbah. A sua base era o castelo de Alamut, a Sul do Mar
Cáspio, uma fortaleza sobre um rochedo, a dois mil metros
de altitude. "Não basta matar os nossos inimigos",
dizia Hassan aos seus fiéis. "Não somos homicidas
mas executores. Devemos agir em público, para servir de exemplo.
Matamos um homem, aterrorizamos outros cem mil. Todavia, não
basta executar e aterrorizar, é igualmente indispensável
saber morrer. Morrer é mais importante do que matar. Matamos
para nos defendermos, morremos para converter, para conquistar.
Conquistar é o nosso objectivo; defendermo-nos é apenas
um meio". Os assassínios levados a cabo pelos homens
de Sabbah pareciam tão irreais que, no Ocidente, lhes chamavam
"haschichiyun" (fumadores de haxixe), sobretudo para os
insultar. Alguns orientalistas julgaram ver naquele termo a origem
da palavra "assassino", mas outros garantem que as únicas
drogas dos discípulos de Hassan eram uma fé inabalável
e a vontade de sacrifício. Como explicar a capacidade que
eles tinham de se infiltrar num meio hostil, aí se fundir
durante meses, estudar com precisão e travar relações
com a sua presa até chegar o momento de a executar?
"Burqa"
é uma expressão persa que designa
a longa túnica que cobre as mulheres muçulmanas, excepto
os olhos. O "chador", palavra igualmente persa, inclui
o manto e o lenço que tapam todo o corpo feminino. O "hijab"
é apenas o véu/lenço. O rígido código
de vestuário no Islão destina-se supostamente a preservar
a "modéstia" e a respeitar os rituais religiosos
("salat"). Há no entanto maior flexibilidade em
relação aos homens, que também deveriam respeitar
as regras de "esconder as partes que vão do umbigo ao
joelho".
Caaba
ou Casa de Deus, é um dos principais locais de peregrinação
dos muçulmanos. Fica em Meca, na Arábia Saudita. Antes
de Maomé se tornar no "Mensageiro de Alá",
já a Caaba era lugar de culto a mais de 360 divindades. Era
prática corrente dar sete voltas ao santuário e atirar
pedras aos "djinns", pequenos e maliciosos génios
que se encontravam em toda a parte. Diz a tradição
que a Caaba foi edificada por Adão após a sua expulsão
do Paraíso. Levada pelo Dilúvio, teria sido reconstruída
por Abraão e seu filho Ismael, que aqui embutiram, na esquina
sueste, a "Pedra Negra" (possivelmente um meteorito) trazida
pelo anjo Gabriel. A palavra significa "cubo" e designa
com bastante fidelidade a forma do edifício, que tem 15 metros
de altura e dez de largura, e está inteiramente coberto por
uma tinta negra, a "kiswa".
Drusos
são uma das muitas sub-seitas dos Ismailitas Assassinos,
tal como os Alauitas. Uns e outros concentram-se agora sobretudo
na Síria e no Líbano. A crença dos drusos já
tem muito pouco a ver com o Islão, embora eles ainda sejam
catalogados como "muçulmanos". Esta seita foi criada
em 1021 no Cairo quando um grupo de ismailitas declarou o "imã"
fatimida al-Hakim como sendo a reincarnação de Ali,
o primeiro "imã" xiita. Foram expulsos do Cairo
para a Síria pela maioria dos Ismailitas que os consideraram
hereges. O primeiro líder druso, al-Dazari, foi um turco.
No início do século XIII, os drusos passaram a aceitar
apenas os descendentes directos dos fiéis originais, tornando-se
assim uma tribo e um grupo religioso secretos. Aceitam uma parte
do Corão, adoptaram a crença judaica de que o seu
Deus é exclusivo deles e aceitam a doutrina da reincarnação
de Jesus. Os Alauitas, por seu turno, apareceram no século
XIII como um grupo dissidente da ala síria dos Assassinos
(os Ismailitas Nizariyah). Constituem hoje 10 por cento da Síria
mas são a classe política dominante. As suas origens
estão envoltas em lenda e mistério. É uma seita
que se identifica abertamente com alguns aspectos da teologia cristã,
ao ponto de celebrarem a Páscoa, mas seguem igualmente as
tradições dos xiitas iranianos.
Ertogruhl
era líder de uma tribo de turcos nómadas islamizados
que, em 1921, ajudou um sultão seljúcida a vencer
uma batalha contra um exército de tribos mongóis provenientes
da Pérsia. Como recompensa, Ertogruhl recebeu o Centro-Norte
da Anatólia. A Ertogruhl sucedeu Osman, um dos seus filhos,
que conquistou o resto da Anatólia bizantina e chegou até
Constantinopla. Na segunda metade do século XIV, os "osmanlitas"
eram donos de Bizâncio e dominavam toda a Ásia Menor,
a Grécia e os Balcãs. No século seguinte, dedicaram-se
a conquistar o mundo árabe. Devido a uma deturpação
do nome de Osman (os ingleses chamavam-lhe Othman), o seu gigantesco
império tornou-se conhecido, no Ocidente, como Império
Otomano. Os turcos preferiam chamar-lhe "Domínios Bem
Guardados".
Fatiha é
o primeiro dos 114 "suras" (capítulos) do Corão.
Também se chama "Abertura do Livro" ou "Liminar".
Breve, em forma de oração, foi assim traduzida para
português: "Louvado seja Deus, Senhor do Universo/o Clemente,
o Misericordioso,/o Soberano no Dia do Juízo,/ Servimos-Te
e invocamos-Te em nosso auxílio; /Guia-nos pelo caminho direito,/
Pelo caminho dos que auxiliaste; / Não pelo dos que incorreram
na Tua cólera, nem pelo dos que se perderam".
Gama'at Islamiya ou
Grupo Islâmico é um dos mais violentos grupos integristas.
Nasceu em 1973 nas universidades egícpcias e foi das suas
fileiras que saiu Khalid al-Istambouli, o jovem de 24 anos que assassinou
o Presidente Anwar Sadat quando este assistia a um desfile militar
em 6 de Outubro de 1981. Renascido após várias campanhas
de repressão, o Gama'at Islamiya chegou a constituir, de
1992 a 1997 uma verdadeira ameaça ao Governo de Hosni Mubarak,
o sucessor de Sadat que também tentou matar. Lançou
uma violenta campanha para impor um Estado baseado na "sharia",
a lei islâmica, massacrando mais de 1200 pessoas, desde soldados
até cristãos coptas e turistas estrangeiros. O regime
lançou então uma ofensiva que neutralizou e decapitou
a organização. Os chefes estão no exílio
ou na cadeia. Sem recursos financeiros, eles propuseram tréguas
às autoridades, em Março de 1998, embora alguns militantes
tenham sido entretanto recrutados por Osama Bin Laden. Outras organizações
extremistas são a também egípcia Al-Jihad,
cujo antigo líder, Ayman Zwahri, se tornou no "braço
direito" do "hóspede" dos taliban no Afeganistão;
e ainda os Grupo(s) Islâmico(s) Armado(s) na Argélia,
onde uma guerra quase civil já causou mais de 100 mil mortos
desde que os militares anularam eleições legislativas
de 1991 ganhas pela Frente Islâmica de Salvação
(FIS).
Hanafita é
uma das quatro escolas clássicas da lei islâmica que
devem o seu nome aos juristas escolhidos pelos primeiros imperadores
abássidas para clarificar e aplicar essa legislação.
Assim, a escola Malikita, a mais velha, foi fundada em Medina por
Maliki ibn Anas, que alterou o direito alegado pelos califas omêiadas
de fazer leis sem referências ao Corão, reforçando
a importâncias da "hadith" (tradição
oral). A escola Shafita, a maior e mais importante durante o período
dos abássidas, foi fundada por Idris al-Shafi em Bagdad.
Ele ensinou, por exemplo, que o conhecimento perfeito da "sharia"
só podia ser conseguido através da revelação
divina do Corão ou em precedentes de inspiração
divina ("sunna") do profeta Maomé, através
de relatos autênticos ("hadith"). A razão
humana seria apenas usada nos casos em que não se aplicasse
a revelação divina. A escola Hanifita também
nasceu em Bagdad, criada por Abu al-Hanafah. Este foi o que menos
aceitou basear regimes legais inteiramente no Livro Sagrado ou nos
"hadith", aconselhando, por exemplo, a que os duros castigos
corânicos ("Hadd") fossem aplicados muito raramente
e apenas para servirem de exemplo. Finalmente, a escola Hanbalita
— de longe a mais fundamentalista das quatro — foi fundada
por Ahmad ibn Hanbal, um jurista para quem a "sharia"
se deveria basear exclusivamente no Corão.
Ithna-Ashariyah
ou os "Duodecimanes" é o
maior e mais ortodoxo dos grupos xiitas (ver letra X), ao qual pertence
mais de 90 por cento da população do Irão e
metade da do Iraque. Também predomina na antiga república
soviética do Azerbaijão e tem minorias nas monarquias
árabes do Golfo Pérsico. Este grupo acredita que os
descendentes directos do profeta Maomé — a sua filha
Fátima e o seu genro Ali — são os legítimos
governantes do mundo islâmico, porque estão "limpos
de pecado e do erro" e têm a mesma autoridade do Mensageiro
de Alá. Os "Duodecimanes" devem o seu nome a Muhammad
ibn al-Askari, o décimo segundo "imã" (guia
espiritual) desde Ali. Após a morte do seu pai, Hasan, em
873, al-Askari tornou-se "imã" aos quatro anos,
mas desapareceu misteriosamente da sua casa em Samara, actual Iraque,
e nunca foi encontrado. Como não tinha irmãos, a sua
dinastia extinguiu-se. Os xiitas recusam-se, porém, a acreditar
que ele tenha morrido e confiam que regressará como "al-Mahdi"
ou "O Escolhido" que, segundo o Corão, voltará
pouco depois do fim do mundo.
Jihad
"deriva da raíz
trilítera J-H-D (de onde provém também a palavra
muJaHiDin) que indica acções relativas a esforço",
explicou ao PÚBLICO Fernando Branco Correia, do Gabinete
de Estudos Árabes do Departamento de História da Universidade
de Évora. Pode significar "esforçar-se por",
"batallhar", "aplicar-se", mas também
"ir ao limite do possível, não excluindo, porém,
a possibilidade de haver luta. A identificação, automática
e simplista, do termo com "guerra santa", acrescenta Branco
Correia, "é redutora na medida em que se dá,
como única, a interpretação mais radical desse
conceito".
Karim
(O Generoso) é um dos 99 nomes árabes de Deus.
Alá é o mais conhecido, mas há outros, que
os pais muçulmanos dão aos filhos, como Hakim (O Sábio)
ou Aziz (O Poderoso). Com o Islão assiste-se à transformação
da escrita numa arte suprema: a caligrafia. A partir daqui, as letras
do alfabeto árabe citariam as palavras sagradas do Corão
e reproduziriam graficamente o nome de Alá e do seu Profeta.
A palavra "islam" significa "submissão"
à vontade de Deus. É um substantivo tirado do verbo
árabe "aslama", que quer dizer "submeter-se".
O particípio activo deste verbo, "muslim", designando
aquele que se submete e obedece, conduziu ao termo português
"muçulmano".
Lots,
Salomão e Job são alguns dos profetas que o Corão
cita. O Livro Sagrado dos muçulmanos ignora Oseías,
Ezequiel, Isaías e Jeremias, mas faz referência a Jesus
e São João Baptista. A grande novidade é que
Abraão e Ismael são considerados "patriarcas
dos árabes".
Maomé
ibn (filho de) Abdallah nasceu na cidade de Meca, na Arábia,
por volta de 570 d.C. Não se conhece o ano exacto do seu
nascimento e muitos pormenores da sua infância continuam obscuros.
Alguns historiadores dizem que o seu pai morreu antes de ele nascer,
outros que morreu tinha Maomé dois meses de vida. Até
aos seis anos, ficou com a mãe e depois desta falecer foi
entregue aos cuidados do avô, Abdel Muttalib, e mais tarde
à tutela do tio Abu Talib, chefe do clã Hashim. Ser
órfão na Meca do século VII era um terrível
defeito, mesmo para os homens mais talentosos. Provavelmente por
ser pobre, Maomé ficou solteiro até aos 25 anos. A
sua primeira mulher — e primeira crente — foi a sua
prima Kadhija bin Khuwaylid, uma próspera viúva de
40 anos. Este casamento, por volta de 595 d.C., teve grande importância
porque Khadija abriu a Maomé as portas da vida comercial
de Meca e os seus negócios floresceram permitindo-lhe tempo
livre para a meditação. Foi num desses momentos de
isolamento que Alá (Deus, em árabe) se teria revelado
por intermédio do arcanjo Gabriel (Djibril). Foi então
que ele se assumiu como "mensageiro" divino, escolhido
para convidar outros a abandonar o mal antes do Juízo Final.
Nadhir
era o nome de uma das duas tribos judaicas (a outra era a dos Qorayza)
de Medina que declararam abertamente a sua hostilidade ao profeta
do Islão. Maomé declarou-lhes guerra e, a partir do
mês de Fevereiro de 624, exortou os seus discípulos
a rezar, já não em direcção a Jerusalém
mas sim na de Meca. Em Agosto ou Setembro de 625, ele ordena aos
Nadhir que abandonem Medina. Os judeus, que eram abastados proprietários
de terras ou comerciantes, decidem resistir. Os muçulmanos
bloqueiam-nos, os sitiados rendem-se. Muitos são mortos e
outros vêem os seus bens confiscados. As tribos judaicas constituíam,
para Maomé, um "inimigo interno".
Omar Khayyâm
(439-1048) nasceu em Nishapur, no Irão. Foi astrónomo,
matemático, físico e discípulo do seu compatriota
Avicena ou Ibn Sina, médico e filósofo, cuja obra,
influenciada por Aristóteles e Platão, constituiu
uma referência que chegou até à Europa. Foi
no entanto como poeta, possivelmente um sufita (místico islâmico)
que Omar Khayyâm alcançou a sua maior fama. Sobretudo
no Ocidente, graças às suas quadras ("Robâiyât"),
desconhecidas durante quase cinco séculos. Nos seus versos
abundam as referências ao vinho, mas os exegetas tendem a
explicar isso como "um símbolo" que representa
a êxtase religiosa, a procura de uma união com Deus.
Pahlavi
foi a útlima dinastia da Pérsia antes do país
se transformar em República Islâmica do Irão.
Substituiu a dos Qajar quando um sargento analfabeto chamado Reza
Khan (ou Mestre Reza) se tornou um temível chefe militar,
pôs fim ao caos no país, se fez nomear sucessivamente
ministro da guerra, primeiro-ministro e finalmente xá (rei).
Foi em 1926 que ele adoptou o apelido "Pahlavi" e se sentou
no Trono do Pavão. Ao seu lado, no dia da coroação,
estava Shapour Mohammed Reza, o primeiro princípe herdeiro
da dinastia Pahlavi e também o seu último imperador
(foi derrubado em 1979 pelo ayatollah Khomeini).
Qutb
(Sayyid), o egípcio que aos 10 anos de idade declamava sem
ler todos os versículos do Corão, tornou-se o ideólogo
da Sociedade dos Irmãos Muçulmanos logo após
a morte, em 1949, de Hasan al-Banna, o fundador desta organização.
Qutb foi enforcado pelo Presidente Nasser em 1966, mas continua
a ser uma das principais fontes de inspiração de grupos
integristas (sejam argelinos ou paquistaneses) que procuram destruir
as sociedades ímpias ou pagãs ("jahiliyya").
Entre 1951 e o ano da sua execução, o homem que mais
tarde se tornou líder da Irmandade Muçulmana escreveu
oito obras doutrinais, cinco delas na prisão, traduzidas
em várias línguas. A mais importante, "Sinais",
é um manifesto em que denuncia os imperialistas ocidentais,
os comunistas russos e chineses e os muçulmanos laicos. O
seu objectivo é "a instauração da lei
corânica, em todos os aspectos da vida e da política,
como solução para os problemas da Humanidade".
Rashid
(Harum al-), o quinto califa abássida, é a figura
mais representativa do período da civilização
islâmica conhecido como o das "Mil e Uma Noites".
Com capital em Bagdad, esta dinastia transformou a cidade num gigantesco
centro cultural. Um dos filhos de al-Rashid fundou a "Casa
da Sabedoria" onde foram traduzidas, pela primeira vez, para
a língua árabe obras como as de Ptolomeu, Arquimedes,
Aristóteles e Platão. Foi neste reinado que foram
publicados trabalhos sobre óptica, música, alquimia,
astrologia e filosofia, Também foram divulgadas as primeiras
descrições clínicas que se conhecem sobre a
varíola e o sarampo. Mas os abássidas nunca foram
militarmente poderosos e um dos erros que cometeram foi confiar
mais nos turcos do que nos árabes. A partir do século
IX, os califas entraram em declínio e, em 1055, os seljúcidas
apoderaram-se da actual capital do Iraque.
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