ÍNDICE
  Guia de leitura
 
  PARTE I
 
  Ética e deontologia
  Estatuto editorial
  Princípios e normas de
  conduta profissional
  Informar sem manipular,
  difamar ou intoxicar
  Privacidade
  e responsabilidade
  Seriedade e credibilidade
  O jornalista não é
  um mensageiro
 
  Critérios, géneros
  e técnicas
  Os factos e a opinião
  Regras de construção
  O rigor da escrita
  A fotografia
  A publicidade
 
  PARTE II
  Alfabeto do PÚBLICO
  Palavras, expressões e   conceitos
  A B C D E F G H I J K L M N
  O P Q R S T U V W X Y Z
 
  Normas e nomenclaturas
  Acentuação
  Verbos
  Maiúsculas & minúsculas
  Topónimos estrangeiros
  Siglas
  Factores de conversão
  Hierarquias (militares e   policiais)
  Religiões
 
  ANEXOS
  Fichas da lei
  Projecto PÚBLICO
  na Escola
  Regulamento do Conselho de
  Redacção do PÚBLICO
  Estatuto do Provedor
  do Leitor do PÚBLICO
  Código Deontológico
  do Jornalista
 
  


Introdução
Vicente Jorge Silva

O livro de estilo do PÚBLICO não é uma cartilha ou um catecismo, mas apenas um conjunto de regras técnicas e deontológicas que se inspiram em critérios de bom senso, bom gosto e rigor profissional. Além disso, um livro de estilo nunca se pretende definitivo: é um texto em evolução permanente onde se registam princípios, regras e procedimentos que a vida da Redacção do jornal for instituindo como adquiridas.

O PÚBLICO tem um estilo próprio que identifica o jornal perante os seus leitores e a opinião pública em geral. Esse estilo integra os grandes princípios fundadores do jornalismo moderno — adoptados pelos jornais de referência em todo o mundo, do "The Washington Post" e do "The New York Times" ao "La Repubblica", "El País", "Le Monde" ou "The Independent" — e uma nova sensibilidade para captar e noticiar os acontecimentos, que caracteriza um jornal como o "Libération", por exemplo.

O rigor de uma informação completa e fundamentada — sobre factos e não sobre rumores —, a imparcialidade da atitude jornalística, a correcção, clareza e concisão da escrita são, para o PÚBLICO, regras essenciais. Mas o respeito escrupuloso por essas regras não é incompatível com a procura de formas inovadoras de noticiar, interpretar e editar a actualidade. Pelo contrário: a adaptação da imprensa à era da informação impõe a pesquisa imaginativa de códigos de comunicação adequados a novos hábitos e tempos de leitura que fazem já parte do quotidiano português.

Não é fortuito que o aparecimento do PÚBLICO tenha coincidido com o início da última década deste século, para a qual se previam mutações fundamentais que irão moldar a fisionomia do próximo milénio. A sintonia do PÚBLICO com o espírito de uma época de viragem é um dos traços que definem, desde logo, a sua personalidade jornalística: não queremos perder nada do nosso tempo.

Em nenhum caso o rigor da informação deverá ser sacrificado a outros critérios, por mais imperativos que eles possam parecer. Mas rigor de informação não significa informação cinzenta, baça, meramente narrativa. Entre a informação-relatório e a informação-pílula, entre a recusa puritana do espectáculo jornalístico e o novo-riquismo sensacionalista, o PÚBLICO escolhe um outro espaço: o de uma imprensa que associa criativamente padrões clássicos de profissionalismo com uma disponibilidade permanente para a inovação.

A concepção editorial do PÚBLICO corresponde a uma dupla exigência, de qualidade e diversidade, visando áreas de informação e tempos de leitura claramente diferenciados, conforme as características de cada uma das publicações que constituem o conjunto do jornal.

O primeiro caderno, com a actualidade nacional e internacional, e o segundo caderno, com a actualidade local (e suas edições distintas em Lisboa e no Porto), terão um estilo fundamentalmente noticioso, de acordo com o seu ritmo diário. Já os suplementos e o magazine de domingo serão marcados por géneros jornalísticos mais adequados ao seu ritmo semanal.

Embora os princípios de rigor informativo sejam comuns a todas as publicações do jornal, é óbvio que as regras técnicas aplicáveis aos cadernos de edição diária e aos suplementos ou ao magazine são necessariamente distintas. Finalmente, cada um dos suplementos e o magazine têm características específicas que determinam diferenças de estilo gráfico e redactorial.

Notícias completas e originais, escritas correctamente, num estilo fluente e incisivo, são o capital informativo mais precioso do PÚBLICO. Por isso, e sem prejuízo da desejável e necessária variedade de vocações orientadas para os diferentes géneros jornalísticos — notícia, crónica, reportagem, inquérito, entrevista, crítica, etc. —, é fundamental ter em conta que a notícia é a origem e o objectivo básico do nosso trabalho quotidiano.

É a partir da matéria das notícias que se estruturam e desenvolvem os outros géneros — e nenhum deles pode dispensar a componente noticiosa que lhes confere pertinência e acuidade informativa. Mesmo nos casos em que se abordam temas de carácter intemporal ou quando a vertente de abordagem é predominantemente magazinesca ou até ensaística, a preocupação noticiosa tem de estar presente na orientação do trabalho jornalístico.

As condições fundamentais da criatividade jornalística estão intimamente associadas à dinâmica noticiosa. Entre essas condições, destacam-se:

A capacidade de projectar sobre acontecimentos, situações e objectos um olhar novo, explorando novos ângulos de observação e análise, abrindo campo à descoberta e ao imprevisto, levantando o véu sobre o que parecia oculto a uma visão mais imediata ou comum.

A frescura e a disponibilidade de atitude perante o real.

O poder de sugestão descritiva que retém a atenção do leitor.

Noticiar é anunciar o que é novo — e essa regra é válida para todas as áreas do jornalismo. Mas, para captar a novidade, é preciso atacar frontalmente os factos e organizar a narrativa de modo que a sua cadência seja formalmente apelativa e tecnicamente eficaz. Por outro lado, dar uma informação completa significa também fornecer ao leitor o contexto dos factos, situações, personagens ou objectos descritos.

Sem cair em preocupações pedagógicas ou arquivísticas, que tornam árida e fastidiosa a leitura dos textos, é preciso que o leitor tenha sempre acesso aos dados de "background" de uma notícia ou artigo. É isso que confere solidez à informação e transmite segurança e confiança ao leitor — que não tem que estar obrigatoriamente familiarizado com os antecedentes de uma determinada história e, mesmo que esteja, deseja conferir os dados da sua memória pessoal com os elementos de referência evocados pelo jornal. Um breve mas preciso ponto da situação anterior à actualidade e uma identificação correcta dos actores que nela intervêm devem constituir uma preocupação permanente dos jornalistas do PÚBLICO.

O factor humano é essencial numa informação que se quer viva e não se limita a um repositório anódino e descolorido de acontecimentos e situações. O PÚBLICO aposta decididamente na personalização dos factos e na descrição sugestiva de ambientes, atmosferas, gestos e atitudes que, sem prejuízo do rigor da informação, permitem ao leitor enquadrar os comportamentos dos protagonistas dos acontecimentos no clima social e dramático em que eles decorrem. A capacidade de retratar esses actores, sem pretensiosismos psicologistas, faz parte da arte que deve inspirar todo o trabalho jornalístico: a de saber contar histórias. Uma informação original, rigorosa e sólida só funciona jornalisticamente se for pensada e contada como uma história, por mais breve e fugaz que ela seja.

Humanizar a matéria informativa, emprestando-lhe carne e vida, não significa, evidentemente, ceder à vulgaridade da crónica mundana mais ou menos frívola e bisbilhoteira. É exactamente o contrário disso que o PÚBLICO visa. Os pormenores acessórios que intervêm na descrição humanizada de um facto não devem fazer perder de vista o essencial.

É a partir da percepção correcta do que é essencial que o jornalista deve organizar o seu texto, enriquecendo-o com as observações ambientais e humanas apropriadas. De qualquer modo, a apreensão do essencial não é determinada necessariamente pelos critérios mais óbvios ou correntes: a verdadeira notícia poderá estar contida, muitas vezes, naquilo que não se impõe à primeira vista ou que é contraditório com a visão oficial dos factos. A crónica sugestiva do ambiente onde decorre uma cerimónia pode ser jornalisticamente muito mais interessante do que o pretexto imediato ou oficial que está na origem dessa cerimónia.

O rigor da informação tem como contraponto indispensável a arte da observação. Uma informação tecnicamente rigorosa perde sugestão e agressividade jornalística se não comportar a argúcia da observação sobre as pessoas e as coisas ou sobre o clima que envolve situações e acontecimentos. Evidentemente, o espaço da reportagem é mais propício ao exercício dessa arte do que o da notícia. Mas também é certo que uma notícia à primeira vista banal pode ganhar uma dimensão estimulante e, eventualmente, rica de implicações, se o jornalista estiver disponível para captar o imprevisto. Aí intervém aquilo a que tradicionalmente se chamava a nota de reportagem. Para o PÚBLICO, toda a notícia deve ser pensada como uma hipótese de reportagem e toda a reportagem deve ser inspirada por uma notícia.

A abertura do PÚBLICO à criatividade jornalística não se confunde com ausência de regras. Mesmo quando se escolhe um ângulo de abordagem inesperado ou se privilegia um aspecto que não é imediatamente óbvio, a construção das notícias tem de ser tecnicamente irrepreensível.

O casamento entre técnica e ética é um contrato essencial da vocação jornalística. A criatividade e o rigor técnico não são concebíveis sem um código ético que identifica os jornalistas do PÚBLICO, independentemente das suas opções privadas: a nossa disponibilidade para observar os acontecimentos não pode ser afectada por preconceitos ou ideias feitas que desvirtuem o seu sentido.

O poder do jornalismo só tem efectiva legitimidade quando esse poder não se confunde com nenhum outro. O trabalho jornalístico não conhece moeda de troca e, tal como o trabalho artístico e científico, constitui um fim em si mesmo. O jornalista não é o missionário de uma verdade instrumental com objectivos políticos, sociais, económicos ou culturais. Quanto melhor se respeitarem as regras de ouro da técnica e da deontologia, incorporando a criatividade e o estilo próprio de cada jornalista, maior será a credibilidade e a influência do jornal na opinião pública.

Credibilidade pressupõe responsabilidade. A responsabilidade dos jornalistas do PÚBLICO começa logo pela assinatura dos seus textos (com as óbvias excepções previstas neste Livro de Estilo). Mas a responsabilidade dos jornalistas implica também dinamismo e iniciativa. Obter e publicar em primeira mão uma informação sólida e credível constitui preocupação fundamental dos jornalistas do PÚBLICO.

Dezembro de 1989

   
   
 
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