A adesão sem precendentes por parte
do público à Colecção Mil Folhas
— dois milhões de livros vendidos em seis meses
— foi tão forte que as editoras portuguesas
não puderam ficar alheias. O seu mérito, a
potencialidade de despertar a curiosidade para outros livros
dos autores da colecção e a criação
de novos leitores foram unanimemente apontados como os pontos
mais positivos pelas editoras contactadas — sete das
mais importantes do panorama editorial nacional —
e pelas duas associações representativas dos
editores portugueses, APEL e UEP. Mas as opiniões
das editoras divergem em relação ao impacto
da colecção sobre o panorama editorial: se,
por um lado, algumas vêem a iniciativa como um benefício,
que não interfere com o mercado normal do livro,
outras olham-na com reserva, considerando-a até um
desastre para quem detém os direitos dos livros.
“Tudo aquilo que se faça pelo
livro e pela divulgação de bons autores é,
desde já, positivo”, disse Nelson de Matos,
editor das Publicações D. Quixote. Também
Francisco Vale, da Relógio d’Água, referiu
que a colecção “permite uma divulgação
alargada das obras literárias a baixos preços,
o que favorece leitores e autores. Promove o livro sem o
banalizar em excesso. A prazo, isso só pode beneficiar
também os editores.”
Com efeito, Carlos Veiga Ferreira, editor
da Teorema, bem como Pedro Moura Bessa, presidente da União
dos Editores Portugueses (UEP), sublinharam a sua importância
no despertar da curiosidade do leitor para outros títulos
dos autores que estão representados na colecção.
João Miguel Guedes, director editorial
da Verbo, destacou ainda um curioso fenómeno que
ocorreu em Itália: o impacto da colecção
realizada pelo jornal “La Repubblica” foi tal
que as leituras de férias recomendadas pelos professores
do ensino superior passaram a incidir sobre esses livros.
Ameaça para as editoras? Apesar do
reconhecimento do interesse da iniciativa, alguns responsáveis
falam das “desvantagens” que a colecção
poderá trazer para as editoras e livreiros. Guilhermina
Gomes, directora editorial do Círculo de Leitores,
sublinha o mérito da colecção Mil Folhas,
mas considera que ela ocupou um espaço próprio,
que poderia estar reservado a um editor. “De imediato,
os editores podem ser prejudicados, pois foram correndo
riscos que revelaram obras que agora é pacífico
considerar de qualidade e cujas tiragens e preços
vêem agora como que submersos”, disse também
Francisco Vale.
A editora da Bertrand/ Quetzal, Zita Seabra,
é mais peremptória: “Para o editor que
tem os direitos do livro é um desastre, uma vez que
aquele sai com o jornal a um preço muito mais barato
e os livros que estão nas livrarias e os que estão
armazenados em stock nunca mais se vendem.”
Zeferino Coelho, da Caminho, crê, por
outro lado, que continua a colecção não
constitui uma ameaça para as editoras, “uma
vez que não interfere com a venda normal de livros.”
Pedro Moura Bessa partilha da mesma opinião: “Os
leitores que se interessam pela aquisição
do livro, certamente compreendem que estão a aproveitar
uma promoção que justifica o preço
substancialmente mais baixo que o habitual.” Também
Nelson de Matos afirmou que a colecção não
será uma agressão ao mercado do livro, desde
que não apareça nas livrarias depois de ter
terminado.
O presidente da Associação
Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), António
Baptista Lopes, minimizou mesmo os efeitos da colecção
no panorama editorial. “Não creio que a iniciativa
possa ter grande impacto no mercado editorial português,
dado tratar-se sobretudo de uma iniciativa promocional do
jornal limitada temporalmente às 30 semanas em que
a mesma decorre.” O mesmo responsável referiu,
apesar da “criteriosa selecção”
das obras, pontos menos fortes da colecção:
a diminuta presença de autores de língua portuguesa,
bem como uma “escassa participação dos
editores nacionais e quase nula dos livreiros portugueses.”
Fomentar hábitos de leitura Dado o
êxito comercial da Colecção Mil Folhas,
o PÚ- BLICO quis ainda saber se a iniciativa poderia
contribuir para o aumento dos baixos índices de leitura
existentes em Portugal. Eduardo de Freitas, professor do
departamento de Sociologia do ISCTE e coordenador de dois
inquéritos à escala nacional sobre os hábitos
de leitura dos portugueses, responde que ainda não
é possível saber quantos livros da colecção
serão lidos, percorridos e sentidos. “Alguns
seguramente, o que leva a aplaudir a acção
empreendida. E a fazer votos para que possa ser repetida”,
afirmou. Eduardo de Freitas acrescentou que iniciativas
como a Colecção Mil Folhas fazem muito mais
pela divulgação do livro e pelo estímulo
da leitura do que, por exemplo, a legislação
sobre o preço fixo do livro, em vigor desde 1996.
“Colocar no mercado, ao ritmo semanal, cerca de 3
milhões de exemplares de 30 exemplares de 30 textos
literários ao preço ‘fixo’ de
5 euros (com jornal) é obra que deve ter feito pensar
os indefectíveis da ‘justa causa’ do
proteccionismo consagrado no diploma vigente.”
O presidente da APEL, expressou, por seu
lado, algumas dúvidas relativamente ao contributo
significativo, mesmo que a longo prazo, para o aumento dos
índices de leitura em Portugal. “Este nobre
objectivo tem que ser conseguido com o trabalho consistente
e continuado dos editores, dos livreiros e dos agentes públicos
e privados ligados aos sectores do livro, da educação,
da comunicação social e da cultura em geral”,
afirmou Baptista Lopes.