A Colecção
Mil Folhas continua com mais
30 títulos
Depois da primeira série,
a Colecção Mil Folhas prossegue com mais 30 volumes
da literatura contemporânea. No dia 30 de Dezembro, segunda-feira,
quem comprar o 30º título - "A Metamorfose",
de Franz Kafka - terá grátis o número 31, "Fanny
Owen", de Agustina Bessa-Luís. Os outros livros serão
distribuídos, como habitualmente, às quartas-feiras.
Porquê
uma colecção de livros? José Manuel Fernandes
Numa notável crónica editada
este domingo no PÚBLICO, Ana Sá Lopes explicava
para que serve um jornal. Como é útil para
limpar o balcão de vidro de uma pastelaria, por exemplo.
Ou para embrulhar a panela do arroz para que este fique
solto, como se pretende.
Claro que há muitas outras utilidades que ela não
referiu - e pelo menos tão importantes. Forrar o
caixote do lixo. Ou embrulhar o peixe, num velho mercado.
Ou aconchegar os copos de vidro numa mudança. Ou...
por aí adiante.
Uma das coisas que devia fazer a humildade que quem escreve
nos jornais é perceber como a sua escrita é
efémera, como ao fim de umas horas já há
outro jornal para ler, como daqui por uns anos quem quiser
saber o que escrevemos terá de mergulhar nos volumes,
de páginas amareladas e a desfazer-se, de uma qualquer
hemeroteca (estou a esquecer-me dos novos arquivos electrónicos,
mas é de propósito: é que não
vem a propósito do que vos quero dizer) ou nas prateleiras
empoeiradas de um arquivo.
Por isso sempre tive a noção de que um livro
é outra coisa - mesmo esses livros fáceis
que reúnem crónicas de jornais. Um livro guarda-se
numa estante, pousa-se na mesinha de cabeceira, lê-se
na cama ou mergulhado numa banheira, folheia-se mil vezes,
volta a pôr-se na estante, empresta-se a um amigo,
relê-se 20 anos depois - ou 20 dias -, redescobre-se
com a sensação de que nunca morre, nunca desaparece.
E, depois, há livros e livros. Os que entram na nossa
vida. Os que nos fazem olhar para o mundo de outra maneira
- e para nós também. Os que nunca abrimos
mas sabemos que estão lá, para quando for
preciso. Os que fechamos depois das primeiras páginas
para a eles regressar anos passados. Os que nos fazem passar
noites em claro.
Para um especialista do imediato e do efémero, como
é um jornalista, o livro é de uma outra dimensão
- e por isso há qualquer coisa de quase sagrado que
sentimos estar a violar quando (como agora o PÚBLICO
vai fazer) vamos juntar um livro, uma colecção
de livros, a um jornal. Distribuí-los em conjunto.
Espalhá-los por milhares de bancas e quiosques. Acreditar
que é possível levar assim mais livros, muito
mais livros, junto de uma audiência muito mais vasta.
Tendo a ousadia de tentar que uma selecção
de grandes romances do século passado entrem em casas
onde não há livros, ou onde faltam edições
com a qualidade das que propomos, ou onde de tanto lidos
e emprestados obras como "O Nome da Rosa", ou
"1984", ou "O Ano da Morte de Ricardo Reis",
ou outro qualquer, já têm folhas a descolar-se.
Ou pensando apenas que há livros que se gosta de
ter repetidos, que há prazer em olhar para uma estante,
fazer uma colecção, acreditar que mesmo que
não seja agora que vou ler o que comprei, eu ou alguém
pegará um dia naquele livro e com ele viajará
(viaja-se sempre nas páginas de um livro, mesmo quando
ele não sai na nossa rua).
Não é a primeira vez que o PÚBLICO
propõe ao seus leitores colecções de
livros, mas nunca antes o fez com o mesmo cuidado de selecção
e com tanta qualidade de execução e acabamento.
Nem propondo títulos tão recentes e importantes.
Se acreditamos - como acreditamos - que toda a comunicação
social é serviço público, se acreditamos
- como acreditamos - que tudo o que se fizer pelo livro
e pela leitura é um investimento no país e
nos portugueses, e que essa é também a nossa
obrigação, então esta colecção
ainda faz mais sentido.
Durante 30 semanas sabemos que o jornal, às quartas-feiras,
não escapará ao seu destino de, lido na voragem
de dias apressados, acabar a ser utilizado por alguém
que apenas deseja limpar melhor o vidro de uma montra -
mas acreditamos que o livro que o acompanha será
guardado, coleccionado, folheado, lido, emprestado, usado.
Porque vale a pena, porque vale o tempo, porque, no seu
conjunto, é uma amostra da cultura do século
que passou - e que grande século foi...