A Colecção
Mil Folhas continua com mais
30 títulos
Depois da primeira série,
a Colecção Mil Folhas prossegue com mais 30 volumes
da literatura contemporânea. No dia 30 de Dezembro, segunda-feira,
quem comprar o 30º título - "A Metamorfose",
de Franz Kafka - terá grátis o número 31, "Fanny
Owen", de Agustina Bessa-Luís. Os outros livros serão
distribuídos, como habitualmente, às quartas-feiras.
Uma das primeiras colecções
de divulgação literária de que me lembro
foi, ainda na infância, a dos "Livros RTP"
- constava de 100 títulos, foi editada por finais
dos anos 60 e pretendia dar um panorama possível
da literatura portuguesa e universal. Embora menos ambiciosa,
a ideia de publicar agora estes 30 livros às quartas-feiras,
com a edição do PÚBLICO, parece-me
louvável e merecedora de aplauso, na medida em que
permitirá o contacto de muita gente com um número
razoável de obras literárias do século
XX.
Dito isto, e olhando rapidamente para
os romances seleccionados - já que se trata essencialmente
de romances -, presumo que os critérios de escolha,
para além da qualidade literária, terão
também levado em conta a disponibilidade editorial
dos títulos em causa (por exemplo, quanto à
cedência dos direitos de autor), mas, mesmo atendendo
a essas naturais limitações, estamos perante
uma selecção que, sem poder estabelecer um
cânone literário do século XX, nos oferece
uma visão suficientemente diversificada no espaço
e no tempo.
Sem analisar aqui cada um destes livros
nem dizer quais poderia acrescentar ou retirar à
lista - porque quando se trabalha com um número fixo
qualquer acrescento implica simetricamente uma supressão...
-, sublinho, no entanto, o meu regozijo ao encontrar neste
conjunto algumas narrativas que considero sem exagero obras-primas
universais do século XX, bem como outras cuja leitura
me marcou, às vezes por motivos muito pessoais e
muito específicos, que não cabem neste depoimento.
Seja como for, gostaria de esclarecer que nesses dois grupos
(tantas vezes coincidentes!) se incluem livros como "O
Som e a Fúria", de Faulkner, "A Metamorfose",
de Kafka, "As Ondas", de Virginia Woolf, "Morte
em Veneza", de Thomas Mann, "Siddharta",
de Herman Hesse, "O Doutor Jivago", de Pasternak,
"A Obra ao Negro", de Marguerite Yourcenar, "Margarida
e o Mestre", de Bulgakov, "Se Isto é um
Homem", de Primo Levi, ou "1984", de George
Orwell. Bastaria esta dezena para justificar a colecção,
embora o prazer de novas descobertas possa ser tão
importante como o reconhecimento daquilo que já se
admira - e por isso aguardo com expectativa a revelação
de livros que por qualquer razão até hoje
ainda não li: por exemplo, "A Lua e as Fogueiras",
de Pavese (de quem conheço a poesia e o magnífico
diário), "Boneca de Luxo", de Truman Capote,
"O Outono do Patriarca", de García Márquez,
etc.
Restar-me-á uma breve referência
aos seis portugueses que integram a colecção,
saudando vivamente a inclusão de livros como "Era
Bom que Trocássemos umas Ideias sobre o Assunto"
- uma lúcida e irónica incursão de
Mário de Carvalho pelo universo da militância
partidária - ou "O Ano da Morte de Ricardo Reis",
que é para mim o melhor romance de Saramago, embora
lamentando, por exemplo, que de Lídia Jorge fosse
escolhida "A Última Dona" em detrimento
d'"O Vale da Paixão", que considero o seu
romance mais intenso e conseguido até à data.
Seja como for, o que importa é que muitos destes
30 livros possam ser lidos não por quem já
os conhece, mas sobretudo por quem souber fazer deles um
bom ponto de partida para que os 30 venham a tornar-se 300
ao fim de algum tempo - ou por outras palavras, um bom princípio
para estimular esse vício tão inebriante e
transfigurador a que chamamos o gosto pela leitura.