A Colecção Mil Folhas continua com mais
30 títulos

Depois da primeira série, a Colecção Mil Folhas prossegue com mais 30 volumes da literatura contemporânea. No dia 30 de Dezembro, segunda-feira, quem comprar o 30º título - "A Metamorfose", de Franz Kafka - terá grátis o número 31, "Fanny Owen", de Agustina Bessa-Luís. Os outros livros serão distribuídos, como habitualmente, às quartas-feiras.

 

Colecção Mil Folhas

1 - O Nome da Rosa
Umberto Eco

2 - O Ano da Morte de Ricardo Reis
José Saramago

3 - Siddharta
Hermann Hesse

4 - O Outono do Patriarca
Gabriel García Márquez

5 - Dona Flor e seus Dois Maridos
Jorge Amado

6 - O Jardim do Éden
Ernest Hemingway

7 - O Deus das Moscas
William Golding

8 - O Homem que Via Passar os Comboios
Georges Simenon

9 - As Vinhas da Ira
John Steinbeck

10 - A Costa dos Murmúrios
Lídia Jorge

11 - Se numa Noite de Inverno um Viajante
Italo Calvino

12 - Paula
Isabel Allende

13 - O Doutor Jivago
Boris Pasternak

14 - Margarita e o Mestre Michail Bulgakov

15 - Se isto é um Homem
Primo Levi

16 - Razões de Coração
Álvaro Guerra

17 - As Ondas
Virginia Woolf

18 - Olhos Azuis, Cabelo Preto
Marguerite Duras

19 - Era Bom que Trocássemos umas Ideias sobre o Assunto
Mário de Carvalho

20 - Um Quarto com Vista
E. M. Forster

21 - Olhos Verdes
Luísa Costa Gomes

22 - Boneca de Luxo
Truman Capote

23 - O Som e a Fúria
William Faulkner

24 - A Lua e as Fogueiras
Cesare Pavese

25 - 1984
George Orwell

26 - Afirma Pereira
Antonio Tabucchi

27 - Morte em Veneza
Thomas Mann

Extra - O crime do padre Amaro
Eça de Queirós

28 - A Obra ao Negro
Marguerite Yourcenar

29 - Gente Feliz com Lágrimas
João de Melo

Extra - Contos de Natal
Charles Dickens

30 - A Metamorfose
Franz Kafka

31 - Fanny Owen
Agustina Bessa-Luís

32 - O Amante de Lady Chatterley
D.H. Lawrence

33 - Diário de um Killer Sentimental
Luís Sepúlveda

34 - As Horas
Michael Cunningham

35 - Império
Gore Vidal

36 - Balada da Praia dos Cães
José Cardoso Pires

37 - Lolita
Vladimir Nabokov

38 - O Sangue dos Outros
Simone de Beauvoir

39 - Ficções
Jorge Luis Borges

40 - Retrato do Artista Quando Jovem
James Joyce

41 - Mulheres
Charles Bukowski

42 - Pela Estrada Fora
Jack Kerouac

43 - O Senhor Ventura
Miguel Torga

44 - A Criança no Tempo
Ian McEwan

45 - O Retrato de Dorian Gray
Oscar Wilde

46 - A Idade da Inocência
Edith Wharton

47 - Admirável Mundo Novo
Aldous Huxley

48 -Sinais de Fogo
Jorge de Sena

49 - Os Indiferentes
Alberto Moravia

50 - A Linha de Sombra
Joseph Conrad

51 - Lillias Fraser
Hélia Correia

52 - Trópico de Câncer
Henry Miller

53 - A Náusea
Jean-Paul Sartre

54 - Os mensageiros Secundários
Clara Pinto Correia

55 - Crime e Castigo
Fiódor Dostoievski

56 - A História de um Sonho
Arthur Schnitzler

57 - Húmus
Raul Brandão

58 - O Estrangeiro
Albert Camus

59 - Uma Cana de Pesca para o Meu Avô
Gao Xingjian

60 - Lituma nos Andes
Mário Vargas Llosa

 


O colecionador
Eduardo Prado Coelho

Quando entrei para o Liceu Camões, a grande moda era utilizarmos as tampas das garrafas dos refrigerantes para enchê-las com um fundo de plasticina e colar sobre elas fotografias de jogadores de futebol. Formávamos assim equipas que se confrontavam em jogos improvisados durante os intervalos das aulas. Tratava-se de "jogar às caricas", num ágil e certeiro exercício de piparotes dados com sentido estratégico. Utilizávamos os cromos numerados que iam saindo todas as semanas para serem colados em cadernetas que davam forma à ideia de colecção. Era a caderneta dos jogadores de futebol - como poderia ser a dos grandes artistas musicais ou a dos mais importantes monumentos do mundo. Algo que está na base daquilo que hoje se faz com a compra de jornais. Ou não só: o meu banco envia-me regularmente um saquinho com talheres que tento não perder. A senhora que entra no quiosque onde adquiro os jornais interroga-se sobre se já levou para casa todos os pires a que tem direito. E assim vai o mundo.

Todos nós gostamos - mais ou menos, claro - de coleccionar. As colecções começam por ser de algum modo indiferentes aos seus objectos: há uma ampla oscilação entre aquele que colecciona coisas que só são interessantes porque são inúteis e aquele que as colecciona na convicção de estar a reunir o essencial. Estes últimos têm vocação de enciclopedistas - instrumentalizam a paixão em nome de um objectivo nobre de querer saber. Os primeiros, os que escolhem a futilidade injustificável, têm a seu favor o arbitrário último e irredutível de todas as paixões: por quê este e não aquele? Por quê selos e não borboletas? Por quê bolas mágicas onde a neve cai silenciosamente e não renas de peluche?

Nos meus tempos da embaixada em Paris recebia inúmeras cartas de coleccionadores. Foi aí que comecei a reflectir sobre estas formas estranhas e inesperadas de nos relacionarmos com o mundo. Assim, um velho polícia reformado fazia colecção de capacetes da polícia. E escrevia-me porque não conseguiria dormir sem ter um exemplar de capacete da polícia portuguesa - sentiria sempre que o mundo estava incompleto. Mais insólita era aquela mulher que tinha como ideal na vida reunir saquinhos de areia com a areia das praias de todos os países do mundo. E queria que eu lhe arranjasse areia de uma praia portuguesa. Por momentos estive para lhe perguntar por que não coleccionava o ar de cada país - seria algo de mais etéreo. Mas percebi que este meu humor funcionaria como uma agressão inútil (e imprópria da diplomacia de um país). Estive ainda tentado a resolver o problema com um pouco de areia de uma praia da Bretanha. Mas todos os princípios mais elementares da ética me gritavam que tal seria inadmissível. Aproveitei então umas férias em Portugal para recolher um pouco de areia da praia das Avencas na Parede, e assim satisfiz a terrena inquietação da minha correspondente.

Lembro-me ainda de uma solicitação curiosa. Um indivíduo, que teria certamente visto alguns dos filmes de João César Monteiro, escreveu-me a dizer como para ele era importante ter uma colecção de preservativos de todos os países do mundo. Percebi que se tratava de uma espécie de "donjuanismo metonímico", se assim me posso exprimir para designar o que alguns colegas diplomatas, mais rodados no cinismo das chancelarias, designavam como "um tarado". Tentei resolver o problema dando-lhe o endereço da associação Abraço. Nunca cheguei a saber o que se passou. Mas imagino o coleccionador de preservativos contemplando com mão diuturna o conjunto dos seus troféus: quanto imaginário, meu Deus!

No mundo contemporâneo, as pessoas são bombardeadas com tantas sugestões, e são tão livres de escolher, que precisam de mecanismos que funcionem como redutores de complexidade: as colecções são um deles. A pessoa faz a colecção e tem a convicção de que, não podendo ler tudo, tem ali o que de essencial deve ler. É isso que se explica o êxito actual de enciclopédias e dicionários, ou de colecções de divulgação que permitem em 90 minutos ficar a saber Hegel ou Popper. É verdade que tudo isto me lembra aquela colega de faculdade que em plena prova escrita me sussurrava aos ouvidos: "Eduardo, explique-me o Hegel!", mas vale mais pouco do que nada, e um bom livro de introdução a um autor é um décimo do caminho andado, desde que não funcione para substituir o conhecimento directo do próprio autor. Mas a colecção vai ao encontro de uma angústia fundamental, que é a de que "eu não posso saber tudo" ou "eu não posso ler tudo" - digam-me o que devo ler.

E funciona. Como responsável por uma escolha de romances estrangeiros contemporâneos para a Planeta di Agostini, posso imaginar o que, dentro das regras do jogo, que nem sempre facilitam as opções, são os critérios de um coordenador da colecção: tentar misturar autores portugueses com autores estrangeiros, sabendo de antemão que a escolha dos portugueses é meramente exemplificativa (podiam ser estes como podiam ser outros), procurar que títulos conhecidos levem à descoberta de autores manifestamente mais "difíceis" como Beckett ou Calvino.

Analisando a lista que o PÚBLICO anuncia, devo dizer que ela corresponde exemplarmente ao que se pede neste tipo de situações. Em 30 livros, há alguns de leitura imprescindível: "A Metamorfose" do Kafka, "A Obra ao Negro" de Marguerite Yourcenar, o "1984" de George Orwell, "Morte em Veneza" de Thomas Mann, "O Som e a Fúria" de Faulkner, "As Ondas" de Virginia Woolf, "Se isto é um homem" de Primo Levi, "O Doutor Jivago" de Boris Pasternak, "As Vinhas da Ira" de John Steinbeck, ou "Se numa Noite de Inverno um Viajante" de Italo Calvino. Isto não significa que não se pudesse encontrar muitos mais títulos cuja presença se justificaria. Mas é sempre assim: o universo dos ausentes é inevitavelmente maior do que o universo dos presentes. E se os leitores lerem mesmo com atenção estas obras terão longas e longas horas de leitura inteligente e estimulante. E ao mesmo tempo aprenderão a ler melhor com a escrita flutuante e oniricamente disseminada de Virginia Woolf, com a construção narrativa de Faulkner e a sua desmontagem metódica em Calvino (num romance prodigioso de subtileza e argúcia), com a consciência social de Steinbeck, com a capacidade de antecipação política de Orwell, com o universo concentracionário em Primo Levi ou a clausura dos pesadelos em Kafka. Em certos casos, a memória do cinema ajuda muito: seja n'"O Doutor Jivago", seja no inesquecível "Morte em Veneza".

Mas há mais, claro. Há o Jorge Amado com a sua libertinagem tropical, Umberto Eco com a sua semiótica posta em formato de indústria cultural, há a transbordância romanesca latino-americana com García Márquez, há um Hemingway que mesmo quando é menor nunca deixa de ser maior, há a intensidade da escrita de Marguerite Duras, há a inconsolável beleza de Cesare Pavese, há um magnífico e muito português romance de Antonio Tabucchi, como temos ainda Hermann Hesse, William Golding e o admirável Simenon.

Do lado português, percebe-se que um Saramago se justificava amplamente - mas podíamos ter Vergílio Ferreira, Agustina Bessa-Luís, José Cardoso Pires ou António Lobo Antunes. Se o livro de Lídia Jorge me parece representar mal a escritora, já João de Melo está presente com o seu romance mais celebrado. O leitor que não conhece o humor vagamente melancólico de Mário de Carvalho deliciar-se-á com "Era Bom que Trocássemos umas Ideias sobre o Assunto". O mesmo com "Olhos Verdes" de Luísa Costa Gomes. Vale a pena conhecer também as opções estilísticas muito assumidas de Álvaro Guerra - um homem bom e um intelectual generoso, que acaba de desaparecer.

Esta colecção tem excelentes opções - que, no entanto, não ofenderiam se fossem inteiramente diferentes. Teria gostado de ver nela quatro dos meus escritores preferidos: Robert Musil, Clarice Lispector, Milan Kundera, Philip Roth - mas a perfeição não é deste mundo. E qualquer coleccionador sabe que lhe falta sempre a peça que encerraria a colecção. Felizmente - é mesmo por isso que gosta de continuar a coleccionar.