Sofia e Inês num país de emigrantes
"Ainda há pouco uma instituição bancária anunciava produtos para "cidadãos portugueses a residir no estrangeiro", para evitar o termo. Agora descubro que sou uma emigrante, com as letras todas, e que, ainda por cima, todos querem ser como eu", brinca Sofia.
Há um ano que não estavam juntos, pais e filhas, e a presença delas foi a única prenda que Clara e José, ambos professores, pediram neste Natal. Têm opinião própria e nem sempre coincidente, mas, desta vez, calam-se para ver o país pelos olhos das filhas.
Sofia, com duas licenciaturas - uma em Biologia, feita em Portugal, e outra em Nutrição, tirada na Dinamarca -, emigrou há oito anos e meio. Inês, artista plástica a fazer mestrado em São Paulo, é uma novata nisto de sair de casa dos pais, mas pouco mais de um ano no Brasil é suficiente para concordar com a irmã, quando esta fala das dificuldades da emigração.
Ambas se espantam com "o desespero" que detectam naqueles com quem têm convivido desde que chegaram. "A consciência da crise é tremenda ", avalia Sofia, que considera que "as pessoas revelam muita ingenuidade quando vêem na emigração a solução para todos os males". Têm sido contactadas por amigos que procuram ajuda para prosseguirem as respectivas vidas fora de Portugal e sentem-se na obrigação de explicar que é um caminho que não serve para todos.
"São precisas uma energia e uma resistência fora do vulgar. Trabalhei e trabalho muito, aprendi e tive de dominar uma língua muito difícil e vivi e vivo momentos muito complicados", explica Sofia. Ela já fez uma licenciatura e o mestrado na Dinamarca, já beneficiou de bolsas, já recebeu o subsídio de desemprego, já esteve sozinha, já fez amigos, já mudou de cidade e ficou só outra vez. Inês está no princípio: "De repente ficamos sem passado: as nossas referências, para os outros, não têm significado", descreve.
Reagiram de formas diferentes à sugestão dos governantes sobre a emigração: "Terão consciência de que estão a mandar sair a massa crítica?", quer saber Sofia. Inês ficou zangada: "No Brasil olham para nós como os restos, os que sobram. Não lhes passa pela cabeça que estejam a mandar emigrar os melhores."
Clara e José não tentam demover as filhas quando estas concluem que, apesar de tudo, não pensam regressar. Ambos adivinham "um ano muito difícil para Portugal".