"Nunca fui rica mas tinha trabalho estável"
A esperança de um nível de vida melhor atraiu a família Fonseca que, há quase 20 anos, deixou o Porto e foi para o Algarve. Um sonho, entretanto, desfeito. O turismo, recorda Sandra Fonseca, "dava trabalho permanente", mas agora nem nas limpezas há serviço que ocupe um dia. A região dos grandes empreendimentos turísticos e campos de golfe é uma das que regista maiores índices de desemprego. Sandra Fonseca desabafa: "Já fui patroa, agora não tenho nada." Actualmente faz serviço de limpeza no campus universitário da Penha, em Faro, durante três horas por dia e a recibos verdes.
A passar por um momento difícil, dirigiu-se à Segurança Social, a pedir apoio para criar os dois filhos menores. Pediram-lhe que preenchesse uma declaração de rendimentos. "O que tenho são dívidas, não são rendimentos", respondeu. Com os papéis na mão, regressou a casa dos pais, onde encontrou a ajuda possível e ânimo para "continuar a lutar" por futuro melhor, que não se traduza apenas num rendimento mensal de pouco mais de 100 euros.
Do passado guarda com saudades os seis meses que passou no serviço militar, em Estremoz. "Fui muito bem tratada na tropa e, se tivesse pensado bem, nunca de lá tinha saído."
No regresso à vida civil, foi "bombardeada" com dificuldades de toda a ordem. As duas vezes em que esteve grávida tiveram como consequência a perda do emprego. Não se deixou abater, até que alcançou um dos seus objectivos: explorar e gerir um snack-bar perto de Olhão. "Nunca fui rica, mas tinha trabalho estável." Em Agosto do ano passado, desfez-se a relação conjugal, regressou a casa dos pais, deixando para trás o sonho de desenvolver um projecto de turismo rural a partir da vivenda que partilhava com o ex-companheiro. "Perdi tudo", remata.
A família Fonseca escolheu viver no Algarve depois de oito anos de emigração na Venezuela. A mãe de Sandra é auxiliar de geriatria, o pai mecânico. Num apartamento T2 (renda de 800 euros por mês) vivem seis pessoas. Sandra, com os dois filhos, os pais e um irmão, de 33 anos, talhante de profissão. "A minha mãe é uma lutadora", recorda, lembrando que trabalha todos os dias da semana, cuidando de cerca de meia centena de idosos.
Sandra, de 29 anos, sai de casa por volta das 5h00 e regressa pelas 21h00. O resto do tempo é passado na procura de um trabalho complementar que contribua para aumentar o rendimento do agregado: "Já trabalhei nas estufas, na apanha de laranjas, tratei de idosos, fui caixa de supermercado, lavei carros e fui patroa."
Do salário que aufere, guarda cerca de 20 euros para o café - o restante entrega à mãe para ajudar nas despesas da casa. Até há cerca de seis meses recebia um subsídio da Segurança Social, mas foi cortado. "Faltei à obrigação de me apresentar, semanalmente, na junta de freguesia, quando estava internada no hospital. Sofri uma tromboflebite." Quando se apresentou a justificar a ausência e recuperar o apoio, diz, foi "confrontada com uma série de burocracias, e as portas estão fechadas".