ÍNDICE
  Prefácio
  Apresentação
  Guia de leitura
 
  PARTE I
  Introdução
 
  Ética e deontologia
  Estatuto editorial
  Princípios e normas de   conduta profissional
  Informar sem manipular,
  difamar ou intoxicar
  Privacidade
  e responsabilidade
  Seriedade e credibilidade
  O jornalista não é
  um mensageiro
 
  Critérios, géneros
  e técnicas
  Os factos e a opinião
  Regras de construção
  O rigor da escrita
  A fotografia
  A publicidade
 
  PARTE II
  Alfabeto do PÚBLICO
  Palavras, expressões e   conceitos
  A B C D E F G H I J K L M N
  O P Q R S T U V W X Y Z
 
  Normas e nomenclaturas
  Acentuação
  Verbos
  Maiúsculas & minúsculas
  Topónimos estrangeiros
  Siglas
  Factores de conversão
  Hierarquias (militares e   policiais)
  Religiões
 
  ANEXOS
  Fichas da lei
  Projecto PÚBLICO
  na Escola
  Regulamento do Conselho de
  Redacção do PÚBLICO
  Estatuto do Provedor
  do Leitor do PÚBLICO
  Código Deontológico
  do Jornalista
 
  


O jornalista não é um mensageiro

As fontes e o sigilo profissional, a responsabilização do jornal e do jornalista prendem-se com critérios e técnicas específicas adoptados no PÚBLICO. Mas são fundamentalmente questões de princípio, ética e deontologia profissional.

1. O valor de uma fonte de informação

a. Fonte, no sentido restrito do termo, é todo aquele que fornece informações ao jornal, por iniciativa própria ou solicitado nesse sentido. Uma fonte não é qualquer pessoa ou qualquer entidade livremente constituída como tal: só é fonte aquele(a) a quem (que) o PÚBLICO reconhece ter competência e seriedade na informação que presta.

Caso flagrante de irresponsabilidade de uma fonte verificou-se na reportagem de uma cadeia de televisão sobre o envenenamento de centenas de pombos no Rossio, em Lisboa, com acusações gratuitas de populares, simples curiosos da mortandade, ao presidente da Câmara de Lisboa. Com a agravante suplementar de não se ter procurado ouvir o acusado, nem sequer contrapor a explicação oficial do facto. Cf. Informar sem Manipular, Difamar ou Intoxicar.

b. A fonte pode autorizar a sua identificação ou impedi-la. Pode autorizar a divulgação da informação que presta ou impedi-la. O primeiro impedimento configura uma situação de exigência de anonimato. O segundo de "off the record". Quando a fonte autoriza a sua identificação e a divulgação da informação prestada há informação aberta, "on the record".

c. O jornalista do PÚBLICO deve, sempre que considerar estar a ser objecto de algum condicionamento, recusar receber informações não atribuíveis ou "off the record".

d. Quando se trata de opiniões, o PÚBLICO só reproduz as que forem atribuíveis a fontes claramente identificadas.

e. O anonimato e o "off the record" só existem para proteger a integridade e liberdade das fontes, não são formas de incitamento à irresponsabilidade das fontes.

f. O jornalista deve sempre confrontar a fonte que exige o anonimato ou o "off the record" com a real necessidade de tal exigência, não aceitando com facilidade a evocação prévia de tais compromissos sobre assuntos em que a fonte nada tem a temer.

g. Todo o jornalista que publica informações não atribuíveis a fontes claramente identificadas torna-se, perante os seus leitores, o único garante da veracidade dessas informações.

Ao jornalista cabe respeitar escrupulosamente o compromisso de "off the record". Mas a sua obrigação é informar o público. Por isso, deve procurar outras pistas e "furar" noutras direcções, desde que nunca ponha em causa a fonte de origem. Será o caso da reconstituição de uma reunião "à porta fechada" de grande interesse jornalístico ou, durante a guerra civil em Angola, a descrição do dia-a-dia dos portugueses no Huambo.

h. Toda a informação, "on" ou "off", deve ser sempre avaliada, confirmada e, se possível, contraditada antes da publicação.

i. Nessa avaliação influem três factores: o valor intrínseco da informação, a possibilidade de ela ser comprovada e a idoneidade da fonte. O princípio do contraditório prevalecerá sempre que houver mais de uma pessoa ou entidade envolvidas.

Aurora Verdades, presidente da Associação dos Amigos da Mulher Angolana, anuncia a sua desvinculação da UNITA em protesto contra o assassínio da filha, em Angola, e acusa a UNITA de silenciar o crime, alegadamente praticado por um seu comandante militar. É sem dúvida um caso que requeria que também se ouvisse alguém da delegação da UNITA em Lisboa.

j. Qualquer informação "off" ou "on" deverá ser sempre cruzada com, pelo menos, duas fontes diferentes e independentes entre si.

k. As informações fornecidas com qualquer embargo deverão ser sempre reconfirmadas e discutidas previamente com o responsável do sector.

l. Se subsistirem dúvidas quanto à veracidade de uma informação, é preferível adiar a sua publicação, sacrificando, inclusive, a actualidade.

Em Abril de 1985, uma das duas agências de notícias portuguesas revelou, instantes após o acidente ferroviário de Alcafache, que o número de mortos ascendia a cerca de 400. O "flash", logo difundido pela rádio e televisão, provocou um episódio inédito na história da RTP: o "pivot" do telejornal, confrontado de surpresa com a dimensão da tragédia, dada pelo telex original, começou a chorar em plena emissão. Quando a outra agência informou que só havia quatro mortos confirmados e que as previsões — elaboradas após uma série de contactos pessoais e uma ronda exaustiva por instituições hospitalares e de apoio médico — apontavam para menos de 100 mortos (o que correspondia à realidade), pouco ou nada atenuou o tremendo impacte provocado pela notícia precipitada.

O jornalista que elaborou o despacho da primeira agência cometera o erro de não ponderar a veracidade da sua informação: deu crédito absoluto a um graduado dos bombeiros que se encontrava no local, notoriamente influenciado pelo dramatismo de um acidente com dimensões que nunca antes presenciara.

2. Confiança, responsabilização e veracidade dos factos

a. Os jornalistas do PÚBLICO devem alimentar uma relação assídua com as suas fontes de informação, na base da responsabilização, confiança e respeito mútuos.

b. Uma relação de independência implica que se recuse:

— informações exclusivamente recolhidas em "briefings", combinação de notícias ou participação em qualquer género de campanha;

— pagamento ou benefício de favores, ameaças ou chantagem de qualquer espécie.

Todo o incidente com fontes de informação, oficiais ou particulares, deverá ser imediatamente comunicado à Direcção do jornal.

c. Situação nova na imprensa portuguesa tem sido o "black out" informativo — quer como forma de protesto dos próprios "media" contra determinado tipo de incidentes, quer visando os próprios "media". Exemplos do primeiro caso foram a recusa do jornal "A Bola" de ouvir os futebolistas e dirigentes do FC Porto e a greve informativa às notícias com origem na Assembleia da República, em 1993. São formas extremas de luta dos jornalistas envolvendo questões tão importantes como a liberdade de informação ou a sua própria segurança pessoal.

Quanto ao "black out" à imprensa, a experiência mais recente aconselha alguma ponderação sobre o reatamento noticioso com a entidade ou individualidade que entendeu cortar com os "media", por esta ou aquela razão. O reatamento foi decidido unilateralmente e quando e porque mais convinha a quem o impusera? Perante o "black out" decretado por instituições, clubes, partidos ou outras organizações, o dever primeiro do jornalista continua a ser o de informar. Contudo, o jornalista deverá ponderar a publicação de informações "oferecidas" por responsáveis da instituição que criou a situação de "black out", só por estas serem favoráveis à imagem da dita instituição.

As situações de "black out" terão de ser constantemente recordadas, mesmo quando a imprensa for protagonista do facto — como aconteceu durante o boicote parlamentar.

d. Uma fonte é quase sempre parte interessada (logo, parcial e incompleta) — e o jornalista deve recusar o papel de mensageiro de notícias não confirmadas, boatos, "encomendas" ou campanhas de intoxicação pública.

X, com um processo contra J, está interessado em fazer passar a sua verdade do litígio. Um empresário pretende colocar um futebolista estrangeiro no futebol português; para preparar o terreno, tenta uma pequena manobra de contra-informação: fazer "constar" (isto é, publicar) o interesse (inexistente) de dois clubes rivais.

e. A recolha de informações, testemunhos ou simples opiniões, incluindo a imagem fotográfica, deve depender sempre de uma garantia: que não existe qualquer constrangimento ou limitação artificial, de ordem emocional, psicológica ou até física, das pessoas envolvidas.

Em que condições um preso dá uma entrevista ou um refém presta certa declaração? Qual a validade/credibilidade desse depoimento? Foi o caso dos pilotos norte-americanos mostrados na televisão iraquiana durante a crise da guerra do Golfo.

f. As expressões "diz-se que", "consta que", "parece que" referem-se a boatos e não a notícias e os boatos não se publicam. Mas a persistência de rumores pode causar efeitos relevantes ou justificar uma investigação e daí resultar matéria publicável.

Um caso de notícia não confirmada que gerou outra notícia: "O boato da morte de Saddam Hussein fez disparar os preços do petróleo". Outro caso: o boato de um alegado escândalo político-financeiro que começou com a notícia da demissão do então director do SIS, Ladeiro Monteiro, por causa das escutas do SIS-Madeira. E outro: relacionado pela correspondente da agência alemã DPA (não se sabe como) com o caso Luiz Roldan e com o regresso, também inventado, de Vasco Gonçalves (por causa de uma entrevista na SIC, no dia seguinte), o boato da iminência de um golpe de Estado em Portugal deu a volta ao mundo, alimentou conversas alucinantes em Lisboa durante dois dias e fez disparar o mercado bolsista. O boato, como é natural, mereceu honras de primeira página...

3. A identificação e o sigilo profissional

a. Regra geral, uma informação deve ser sempre atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível — nome, idade e profissão, cargo ou função. O jornalista deve bater-se sempre por esse nível de identificação. A identificação — e a individualização — da fonte favorece a autoridade e a credibilidade da informação. De preferência, usa-se "segundo (o ministro…)", para referir uma fonte pessoal, e "de acordo com (o último relatório da OCDE)", quando se trata de uma fonte documental.

A identificação correcta de uma fonte pessoal menos conhecida deve incluir o nome completo, idade, profissão, cargo ou função e, se forem relevantes para o que se está a tratar, o local de residência, eventuais dados familiares, etc. A precisão é um requisito da escrita jornalística. Uma fonte documental deve ser também devidamente descodificada. Cf. Nomes e Siglas, em Alfabeto do PÚBLICO.

b. Formulações do tipo "o Governo está a pensar..." não são admissíveis nas páginas do PÚBLICO. "O gabinete do primeiro-ministro declarou..." é também uma expressão a evitar: só as pessoas podem fazer declarações.

c. A recusa de identificação de uma fonte sem justificação plausível deverá ser sempre referida pelo jornalista. O carácter fechado da administração pública portuguesa, onde existem despachos que obrigam os funcionários ao silêncio ou à autorização prévia de ministros e secretários de Estado para prestarem declarações ou fornecerem informação, não pode ser aceite como álibi ou facilidade pelo PÚBLICO. Uma das funções essenciais deste jornal é modificar hábitos instalados de natureza antidemocrática e anticonstitucional, e não aceitá-los passivamente.

Muitas vezes é o próprio jornalista a ser mais papista que o Papa. Foi o que sucedeu na notícia de uma alegada tentativa de evasão de Emilio di Giovinni da cadeia do Linhó: "Emilio di Giovinni já não estava na cadeia do Linhó, no concelho de Sintra, quando na sexta-feira passada, por volta das 8h, dois helicópteros ensaiaram uma tentativa de aterragem dentro da prisão, soube ontem o PÚBLICO." Seguiam-se os pormenores da prévia transferência de Giovinni e uma citação, entre aspas, mas não identificada, de alguém da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais: "A população pode estar sossegada porque Giovinni não fugiu." Só que, na véspera à noite, o Canal 1 já dera a mesma informação, com o director-geral dos Serviços Prisionais em estúdio a explicar o que se passara. Veio a saber-se, dias depois, que os helicópteros se deslocavam para o autódromo do Estoril, onde decorria nesse dia o Grande Prémio de Portugal em Fórmula 1. Eram dois helicópteros-ambulância...

d. Quando o jornalista está em condições de assumir a informação — i.é., quando a confirmou junto de fontes independentes entre si, embora todas tenham exigido o anonimato — e noticiá-la no PÚBLICO, não tem necessidade alguma de recorrer às habituais, retóricas e desacreditadas fórmulas do género "fonte digna de crédito", "fonte segura" ou "fonte próxima de". As fontes, a sê-lo, devem estar sempre bem colocadas para falar sobre o assunto. "Segundo as nossas fontes" é outra expressão banida nas páginas do PÚBLICO. Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas.

Certo Errado
   
O primeiro-ministro visitará Moçambique. O primeiro-ministro visitará Moçambique, soube o PÚBLICO de fonte bem informada.
X anunciou no Conselho de Ministros de ontem que desejava abandonar as suas funções governativas. X anunciou no Conselho deMinistros de ontem que desejava abandonar as suas funções governativas, soube o PÚBLICO de fonte do executivo.
   

e. Circunstâncias especiais justificam, por vezes, a não identificação das fontes de informação. No entanto, o sigilo deverá ser admitido apenas em último recurso e só quando não há outra forma de obter a informação ou a sua confirmação. Nesses casos, e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula "uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato".

Um caso de identificação indevida passou-se na televisão alemã com Gabriel S., vítima de perseguição por xenofobia. Neonazis mataram-lhe o marido, um trabalhador angolano imigrante em Emberswalde, na antiga RDA. Perseguida e ameaçada pelos agressores do marido, acedeu um dia a dar uma entrevista a uma emissora de TV local. Mas, ao contrário do que lhe fora prometido, a cara e a voz não foram dissimuladas. Resultado: Gabriel S. teve de se refugiar em Berlim para escapar às ameaças de morte.

f. Nos casos excepcionais em que o PÚBLICO aceita atribuir uma informação a fonte não identificada, a despistagem ou protecção do informador deve ser cuidada, mas não enganosa, e implica rigor e seriedade:

Rigor: uma fonte não são "fontes", uma informação prestada pelo dirigente X, pela tendência Y ou pelo MNE não pode ser atribuída indistintamente a "meios clubísticos", "partidários" ou "diplomáticos".

No PÚBLICO não se aceitam fontes-fantasmas

O recurso às fontes-fantasmas ultrapassa mesmo as fronteiras do ridículo. Um exemplo recolhido do "perfil" de um político português: "Raciocinando por analogia, uma fonte próxima de Dias Loureiro dizia-nos que na política há um pouco de tudo, como no futebol — se a equipa ganha, o treinador é excepcional, se perde, não passa de um medíocre farsante. O citado cidadão, que pediu o anonimato, queria com isto dizer que, em 1985, e sobretudo em 1987, o vitorioso estratego das campanhas para as eleições legislativas foi o mesmo que ‘esteve agora por detrás da desastrada campanha para as eleições ao Parlamento Europeu’. (...) Cavaco Silva tem nesta personagem ‘um amigo inequívoco’ e um ‘fidelíssimo servidor’. Assegura que a sua ‘disponibilidade é total e a lealdade com o primeiro-ministro absoluta ’."

Seriedade: o leitor tem o direito de saber, por exemplo, que a informação X envolve especificamente a corrente (ou os interesses) Y.

Uma declaração ou um comentário nunca devem ser atribuídos a fontes anónimas.

g. O sigilo deve ser sempre justificado, de modo a não ser pretexto fácil de desresponsabilização do autor ou da fonte da informação. A protecção das fontes determina uma maior responsabilidade do jornalista naquilo que escreve e nela se joga boa parte da credibilidade do jornal.

h. Em nenhumas circunstâncias o PÚBLICO e os seus jornalistas se desobrigam do respeito pelo sigilo profissional e pela protecção das fontes, quaisquer que sejam as consequências legais daí resultantes. Cf. Segredo profissional, em Fichas da Lei.

   
   
 
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