ÍNDICE
  Prefácio
  Apresentação
  Guia de leitura
 
  PARTE I
  Introdução
 
  Ética e deontologia
  Estatuto editorial
  Princípios e normas de   conduta profissional
  Informar sem manipular,
  difamar ou intoxicar
  Privacidade
  e responsabilidade
  Seriedade e credibilidade
  O jornalista não é
  um mensageiro
 
  Critérios, géneros
  e técnicas
  Os factos e a opinião
  Regras de construção
  O rigor da escrita
  A fotografia
  A publicidade
 
  PARTE II
  Alfabeto do PÚBLICO
  Palavras, expressões e   conceitos
  A B C D E F G H I J K L M N
  O P Q R S T U V W X Y Z
 
  Normas e nomenclaturas
  Acentuação
  Verbos
  Maiúsculas & minúsculas
  Topónimos estrangeiros
  Siglas
  Factores de conversão
  Hierarquias (militares e   policiais)
  Religiões
 
  ANEXOS
  Fichas da lei
  Projecto PÚBLICO
  na Escola
  Regulamento do Conselho de
  Redacção do PÚBLICO
  Estatuto do Provedor
  do Leitor do PÚBLICO
  Código Deontológico
  do Jornalista
 
  


Privacidade e responsabilidade

O espaço privado dos cidadãos é o único limite editorialmente imposto nas páginas do PÚBLICO. Trata-se de um princípio há muito consagrado no jornalismo de qualidade e que pressupõe cuidados especiais na elaboração de notícias.

1. Casos de violação da privacidade

a. A divulgação de factos da vida pessoal e afectiva, hábitos sexuais ou da esfera privada (se tem muitas/os namoradas/os, é alcoólico/a, consome drogas, etc.). Está em causa o direito à reserva da intimidade e da vida privada. Cf. Reserva da vida privada, em Fichas da Lei.

O direito à privacidade sobreleva o direito e o dever de informar — salvo nos casos socialmente relevantes (trabalho infantil, crianças maltratadas, etc.) ou lesivos do interesse público e, ainda, de figuras públicas com comportamento contrário ao seu discurso público.

O respeito pelo direito à vida privada envolve a não utilização abusiva das relações de parentesco. Não faz, por isso, qualquer sentido noticiar incidentes na vida de um familiar de uma figura pública só por esse facto. Por exemplo, se o filho do Presidente da República der um "toque" com o seu carro, o facto não tem relevância noticiosa. Ao contrário, se alguém é dolosamente favorecido por uma figura pública, o parentesco existente entre ambos é informação relevante. Já é inaceitável invocar a relação de parentesco com uma figura pública de alguém envolvido num caso de corrupção quando essa figura pública nada tem a ver com o caso.

Em relação aos actores da cena política e figuras públicas, tem prevalecido entre nós uma atitude liberal. O caso da publicação de imagens de vídeos privados do arquitecto Tomás Taveira (Setembro de 1989) foi uma das primeiras intromissões ostensivas da imprensa portuguesa na vida privada de uma figura pública — ganhando imediata repercussão. A imprensa norte-americana, pelo contrário, esmiúça a vida privada de um candidato a Presidente ou a qualquer outro cargo público importante. No Japão, pelo menos dois governos caíram nos últimos anos em resultado de casos revelados nos jornais sobre a vida extraconjugal dos respectivos primeiros-ministros.

b. A identificação (nomes ou fotos) de vítimas de crimes sexuais ou de delinquentes menores. Nestes casos, no PÚBLICO utilizam-se nomes fictícios — facto devidamente assinalado no texto — para garantir o anonimato.

Também as entrevistas a menores exigem particulares cuidados: ou para salvaguarda de hipotéticas represálias (situações familiares, testemunhos de crimes, etc.) ou por a imaturidade dos seus juízos poder prejudicar terceiros.

Uma reportagem com jovens marginais — "ratos de automóveis" ou prostitutos de rua, por exemplo —, sem os devidos cuidados, subverteria os objectivos jornalísticos da peça, substituídos pelos interesses da polícia, dos tribunais e das instituições com responsabilidade na matéria. A própria (re)inserção social dos jovens ficava comprometida. A cobertura descuidada e sensacionalista de um caso judicial de violação pode originar prejuízos graves à vítima e à sua família.

c. A exploração sensacionalista de circunstâncias e factos relacionados com dramas de natureza pessoal ou familiar. A referência a infortúnios, tragédias, doenças, acidentes, violência, etc. não deve ser despudorada nem alimentar curiosidades mórbidas.

A imprensa não está impedida de mostrar cenas de sofrimento extremo, como as que resultam de catástrofes naturais, acidentes, doenças ou actos de violência. Contudo, devem ser evitados os riscos do sensacionalismo da violação da privacidade. O que não aconteceu, por exemplo, por parte de alguns canais televisivos e estações de rádio em relação ao recato e à dor dos sobreviventes e/ou familiares das vítimas da tragédia de Meda de Mouros (Tábua, Coimbra; Junho de 1993), em que morreram afogadas cinco crianças e uma educadora infantil. Ou nas imagens televisivas de uma criança "clinicamente morta", vítima de presumível espancamento, ou em certas reportagens sobre o crime da praia do Osso da Baleia (Marinha Grande, 1987), em que foram assassinadas sete pessoas. Ou, no caso do PÚBLICO, na reportagem — e em especial na fotografia de quase meia página — sobre um casal de idosos e a filha deficiente mental vivendo em situação de extrema miséria numa aldeia serrana da Covilhã.

d. A ilustração fotográfica indevida, com utilização de rostos identificáveis de pessoas estranhas a um assunto, por exemplo num artigo sobre corrupção. Cf. Direito à imagem, em Alfabeto do PÚBLICO e Fichas da Lei.

Fotografias tiradas em locais privados ou mesmo públicos, se estiver em causa a reserva da intimidade do visado, só podem ser publicadas com a sua autorização expressa.

Há inúmeros maus exemplos neste campo, sobretudo desde que a concorrência desenfreada se instalou, entre nós, na informação televisiva. São as imagens e os sons recolhidos por microfones e câmaras "invisíveis", tipo "apanhados", de situações pretensamente grotescas, à revelia dos principais interessados — na Assembleia da República, a pretexto de uma Presidência Aberta, ou com cidadãos comuns na via pública. Encontram-se também na imprensa: a revista "Time" foi processada por causa de uma foto de capa de uma jovem brasileira que ilustrava um trabalho sobre a prostituição no Terceiro Mundo.

e. A utilização fraudulenta do nome de terceiros para obtenção de informações, ou o recurso à falsa identidade. São práticas de que os jornalistas do PÚBLICO se excluem.

O recurso à dissimulação da identidade do jornalista, punível por lei, é, apesar de rejeitado pelo PÚBLICO, parte integrante da história da imprensa. Ray Sprigle, um repórter norte-americano dos anos 50, chegou a submeter-se a um tratamento de raios ultravioleta para escurecer a pele e, fazendo-se passar por negro, colheu impressões sobre a perseguição racial nos Estados Unidos, assinando depois uma série de reportagens no seu jornal. Manuela de Azevedo, do "Diário de Lisboa", empregou-se em 1945 como governanta dos reis de Itália, então exilados em Portugal, e conseguiu fazer uma reportagem detalhada sobre a intimidade familiar de Humberto II. Anos mais tarde, um jornalista do "Tribune" de Chicago, introduziu-se entre "gangsters" e já tinha recolhido apreciável material de reportagem quando foi descoberto e assassinado.

f. A utilização de meios ilegais para entrar em casas particulares ou em quartos de hotel, buscas não autorizadas de documentação, instalação de câmaras ou uso de binóculos para espiar o interior de domicílios.

g. A gravação de conversas sem o consentimento do interlocutor é um recurso admissível em casos muito excepcionais. A publicação da gravação dependerá sempre da autorização da Direcção, ouvido o Conselho de Redacção, e só se fará para salvaguarda do bom nome do jornalista e com menção obrigatória do não-consentimento do interlocutor.

2. Segurança

Para além dos casos de ordem privada dos cidadãos, a única limitação ao dever de informar é a segurança de alguém: perigo de vida ou de represálias, casos de sequestro, chantagem ou qualquer prejuízo importante do ponto de vista pessoal, profissional ou qualquer outro considerado importante. Cabe ao jornalista e à Direcção a avaliação destes casos: embargarem, pura e simplesmente, a informação; ou providenciarem a não identificação/localização das pessoas em causa. Cf. A identificação e o sigilo profissional, em O Jornalista não é um Mensageiro, e Fichas da Lei.

O PÚBLICO também não publica informações, dados ou apelos contrários ao bem-estar dos cidadãos, à segurança e saúde públicas; mandados policiais ou similares; manifestos partidários ou propostas conducentes à violência política, criminal, etc.

A presença de Salman Rushdie ou de Taslima Nasreen, escritores perseguidos de morte, é noticiada em termos propositadamente vagos (ou mesmo silenciada) em todo o lado por razões da sua segurança pessoal. A epidemia de cólera na Índia em Setembro de 1994 foi acompanhada pela OMS com uma preocupação suplementar: que os países não directamente fronteiriços não empolassem as suas medidas de controlo sanitário na comunicação social, para se evitar movimentos de pânico a nível internacional.

3. Urbanidade e decência

Não são admissíveis as obscenidades, blasfémias, insultos ou qualquer tipo de calão, excepto quando são essenciais à fidelidade da notícia ou da reportagem — e após consulta ao editor.

Foi o caso, por exemplo, do célebre comentário de John Kennedy sobre os representantes da indústria americana do aço: "Sons of a bitch!" Ou quando foram transcritas as gravações do caso Watergate e se revelou a linguagem grosseira do então Presidente dos EUA. Nesse caso, a linguagem de Nixon era também notícia. Foi correcto violar aqui as regras do bom gosto — e ter feito prevalecer o bom senso.

O mesmo se passou entre nós quando se noticiou o entendimento de D. Duarte Pio sobre "O Evangelho segundo Jesus Cristo", de Saramago: "É uma merda"; ou o célebre "badamerda" do almirante Pinheiro de Azevedo, então primeiro-ministro (Novembro de 1975), quando do sequestro da Assembleia Constituinte. Pelo contrário, foi de mau gosto encher a coluna do PÚBLICO Diz-se com os vários impropérios do treinador do Benfica, Toni, a seguir a um jogo de futebol.

4. Discriminação sexista, religiosa, racial ou etária

O PÚBLICO recusa todos os preconceitos e estereótipos de linguagem que firam a sensibilidade comum em assuntos que envolvam a idade, a raça, a religião ou o sexo.

Ninguém deve ser qualificado pela sua origem étnica, naturalidade, confissão religiosa, situação social, orientação ou preferências sexuais, deficiências físicas ou mentais — excepto quando essa qualificação for indispensável à própria informação.

1 — Deve prevalecer a equidade de tratamento: se não é curial referir que o assaltante X tem olhos azuis, é algarvio e gosta do Benfica, por que razão é preciso dizer que é "cabo-verdiano" ou "de etnia cigana", por exemplo? Em síntese: a raça (ou a etnia, ou se é homossexual, ou alcoólico, ou deficiente físico, etc.) não é relevante, não se menciona; se se menciona, tem de se justificar. Ainda no caso racial: "Jovens negros andam a assaltar os comboios da linha de Sintra"? Só jovens negros? "Cigano preso por esfaquear..." Só os ciganos esfaqueiam? Por isso, se for relevante referi-lo, é preciso que haja o indispensável enquadramento.

2 — Idêntico critério se adopta em relação às mortes ou às doenças, salvo se envolverem questões de privacidade e/ou desrespeitarem a vontade dos próprios ou dos seus familiares. A razão da morte ou da doença de alguém também pode ser notícia, mas o jornalista do PÚBLICO deve recordar-se sempre de que o direito à revelação do diagnóstico de saúde não pertence ao médico que o faz, mas exclusivamente ao doente. Só ele — ou, na sua impossibilidade, os seus familiares — pode(m) determinar a sua divulgação.

3 — "Qual ‘Tio Patinhas’ versão olhos em bico, o ‘padrinho’ do partido japonês..." é uma construção incorrecta porque releva depreciativamente uma característica dos orientais.
   
   
 
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