Produção
de moda
josé Diogo Quintela
Perguntaram-me o que é que gostava de oferecer ao país neste Natal. Pensei em oferecer “esperança”, que Portugal bem precisa para encarar o ano difícil que se avizinha. Também pensei em “confiança”, essencial nesta altura em que estamos com tão pouca auto-estima. Ponderei ainda em dar “amor”, porque tenho a mais e quero partilhar. Hesitei entre estes presentes, mas acabei por não escolher nenhum. Primeiro, porque me apercebi de que este ataque de pirosice era só saudades da Cristina Caras Lindas. Depois, porque o que eu quero mesmo oferecer a Portugal é uma jarra de cerâmica que uma tia-avó me deu no Natal de 2008 e que eu tenho para aqui armazenada.
A minha tia-avó é muito querida mas tem duas características que a transformam numa péssima dadora de jarras de cerâmica: é forreta e é daltónica. (Também tem uma característica que faz dela uma péssima dadora de fígado, mas não é de bom tom falar nisso agora.)
Durante dois anos guardei a jarra num armário da sala, pronta a sair e ser exposta, caso a minha tia-avó me viesse visitar e eu lhe quisesse mostrar quão grato estava pelo presente. Mas agora já chega, decidi ver-me livre da jarra e deixar de ser refém do medo de enfurecer a minha tia-avó. Até porque ela morreu em Outubro e, ao ler o testamento, percebi que não precisava de ter guardado a jarra.
Portanto, lamento, mas Portugal vai receber um presente que eu recebi há dois anos. É uma espécie de “passa ao outro e não ao mesmo” das prendas, uma prática conhecida por “representear”, porque o mesmo presente é dado outra vez. E porque é parecido com “representar”, que é o que quem oferece precisa fazer, quando se sorri ao entregar um embrulho, fingindo que foi comprado de propósito para aquela pessoa, quando na realidade foi comprado por outra pessoa de propósito para nós. Não é fácil, esta simulação se sinceridade e generosidade. Uma arte que muitos dos participantes nos Morangos com Açúcar, e mesmo actores, têm dificuldade em dominar.
Não sei se Portugal precisa de uma jarra feia. Não sei onde é que a pode pôr. Talvez a possa guardar durante um ano e, no próximo Natal, a ofereça a alguém. À Bélgica, por exemplo. Tem ar de ser um país que aprecia bibelôs.
Outra hipótese é oferecer meias. Portugal já está em cuecas, se calçar umas peúgas fica mais ridículo, mas ao menos não se constipa.
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