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Os fiéis de Jesus deixaram de ser a maioria da população no Triângulo Cristão da Palestina. A ocupação israelita, a perseguição de islamistas e a ineficácia dos seus líderes em impor a lei e a ordem obrigam-nos a emigrar. Neste testemunho exclusivo, escrito sob pseudónimo por questões de segurança, Janessa Rideh* interroga-se sobre se a presença dos cristãos na Terra Santa vai continuar em queda até ao ponto da não existência. E sobre se as suas igrejas se vão transformar em museus para turistas estrangeiros.
Aproxima-se 25 de Dezembro e eu pergunto ao meu sobrinho, à minha sobrinha e aos meus primos que prendas querem para o Natal. Navego pela Internet a preparar as compras desta época. Vivo na cidade de Belém, na Palestina. A minha sobrinha e o meu sobrinho estão em Nova Jérsia, nos Estados Unidos. Os meus primos estão espalhados pelo México, pela República Dominicana, pelo Chile e pela Austrália. Somos todos cristãos palestinianos, naturais de Beit Jala, nos arredores de Belém. Beit Jala, a vizinha povoação de Beit Sahour (Campo dos Pastores) e a cidade de Belém foram o "Triângulo Cristão da Palestina", e aqui vive a maioria dos cristãos da Cisjordânia.
A dispersão dos palestinianos cristãos não se circunscreve apenas a algumas famílias — pelo contrário, é a realidade da maioria delas. A guerra, conflitos, discriminação e problemas económicos têm obrigado os palestinianos cristãos a emigrar e, com isso, o seu número diminuiu significativamente.
Em 1947, os cristãos constituíam cerca de 85 por cento da população do Triângulo mas, em 2005, já só representavam uns 20 por cento. A maior parte da minha família está incluída nestas percentagens. Por isso, pergunto a mim próprio se a minha família conseguirá alguma vez reunir-se para celebrarmos em conjunto o nascimento de Cristo em Belém.
Como eram as celebrações do Natal em Belém antes de a maioria dos seus habitantes terem partido? Será que as turbulências políticas sempre interferiram com as nossas festividades no Natal? O que devemos nós, cristãos da Terra Santa, esperar no Natal dos próximos anos?
Ao meditar nas respostas às minhas perguntas, desejei visitar o passado e invocar alguns factos. Virei-me para o meu pai e pedi-lhe que me contasse as histórias das celebrações do Natal em Belém e que impacto tiveram nos anos subsequentes. Esta é a sua narrativa.
Os palestinianos mal tinham recuperado fôlego após o final da II Guerra Mundial e já estavam a enfrentar uma invasão sionista da sua pátria, o que os forçou a uma vida de ocupação de opressão. Devido à pobreza, exílio e perda de familiares que se seguiram, a alegria do Natal deu lugar à dor, à tristeza e ao desespero. Durante esses tempos, no Natal, os palestinianos cristãos tinham de rezar nas suas casas ou em igrejas nas imediações, se lá conseguissem chegar.
Em 1949, depois da assinatura do Acordo de Armistício entre israelitas e jordanos, na ilha de Rhodes, Israel começou a levantar as restrições militares à mobilidade impostas aos palestinianos, e permitiu que alguns cristãos pudessem sair das suas aldeias e vilas para visitarem Belém por apenas 72 horas. As pessoas aproveitavam essas horas para assistir às missas e visitar familiares e amigos. Também faziam bolos especiais e saboreavam refeições ricas em carne. Os palestinianos católicos romanos [32 por cento] e ortodoxos gregos [51 por cento] praticam devotamente rituais religiosos nas festas de Natal e usam estas ocasiões para implorar ao Senhor Deus que ouça as suas súplicas. O Natal, para eles, era uma festa sagrada; significava esperança e o renascer da paz.
A Cisjordânia e Jerusalém Oriental viveram um período de calma e segurança depois de terem sido anexadas pela Jordânia em 1950. Foi por esta altura que começaram a realizar-se celebrações de Natal a nível do Estado. Quando o sol nascia e resplandecia, na véspera de Natal, as pessoas vestiam, extasiadas, os seus melhores fatos; deixavam as suas aldeias e vilas a caminho de Belém, seguravam balões pelas ruas, acolhendo a procissão do Patriarca. A procissão começava em Jerusalém com uma coluna de carros oficiais escoltada pela cavalaria israelita até à Igreja de São Elias, a meio caminho entre Jerusalém e Belém. Depois, a cavalaria jordana e bandas filarmónicas acompanhavam a procissão até à Praça da Manjedoura, em frente à Igreja da Natividade, em Belém. Sua Santidade, o Patriarca saía do seu veículo ao som de música de Natal, os sinos das igrejas repicavam e a multidão rejubilava ao longo de uma fila de dignitários, padres e monges que o reverenciavam e o conduziam ao interior da Igreja da Natividade.
No final, as pessoas regressavam às suas casas e preparavam-se para a Missa do Galo. O Patriarca presidia à Eucaristia a que assistia um enviado designado pelo rei da Jordânia, diplomatas e representantes de países ocidentais.
Os anos passaram e, em 1967, Israel ocupou a Cisjordânia e impôs um rigoroso regime militar na região. As pessoas passaram então a oscilar entre a tristeza e um ciclo de recuperação, acabando por aprender a sobreviver. Quando se lembram daquele tempo, os palestinianos lembram-se do facto positivo de Israel garantir a segurança dos cristãos nas celebrações do Natal. Os dirigentes israelitas só autorizavam que os palestinianos cristãos entrassem na Praça da Manjedoura, evitando desse modo distúrbios e agressões causados por outras facções religiosas, como acontece actualmente.
Depois dos Acordos de Oslo, a Autoridade Palestiniana, sob a liderança de Yasser Arafat, assumiu o controlo da Cisjordânia em 1995. Nessa altura, a emigração dos palestinianos cristãos registava um aumento, devido a questões económicas e de segurança. As formalidades das celebrações do Natal continuaram a ser honradas e praticadas. Poucos anos depois, a região começou a testemunhar a chegada de turistas, e um maior influxo no Natal. O turismo reviveu a principal indústria de Belém, os artefactos de madeira de oliveira, revitalizando a economia da cidade e as suas celebrações de Natal. Na véspera de Natal, bandas e coros palestinianos e europeus tocavam na Praça da Manjedoura. Palestinianos — cristãos e muçulmanos — acorriam ao local e apreciavam a música antes das compras de última hora. Por muito que os palestinianos cristãos quisessem saborear as festividades natalícias e partilhá-las com toda a gente, surpreendiam-se com os distúrbios e contrariedades que tinham de enfrentar: mulheres cristãs começaram a ser alvo de assédio e observações imorais que lhes eram dirigidas por alguns muçulmanos. Agentes da Polícia palestiniana não ajudavam porque também eles se comportavam mal, não tinham sequer formação para combater, com eficácia e legalidade, estes incidentes.
A falta de ordem e lei deixou os cristãos sem alternativa a não se encarregarem pessoalmente da protecção das suas mães e irmãs, o que exacerbou animosidades e provocou confrontos. Além disso, a pretexto de garantir a segurança do presidente Arafat durante a sua presença na Missa do Galo, responsáveis da Autoridade Palestiniana restringiram o acesso à cerimónia religiosa a uma lista de convidados. Os cristãos palestinianos não eram convidados e não tinham ligações para poderem ser convidados — a maioria deles — e, por isso, negavam-lhes a entrada na Igreja da Natividade.
Mais e mais cristãos optaram por ficar em casa a ver a Missa do Galo e outras celebrações pela televisão local — apesar de a cidade ficar a poucos metros das suas casas! Sob a actual liderança do presidente Mahmoud Abbas e do primeiro-ministro Salam Fayyad, foram introduzidas algumas melhorias, mas o assédio continua.
Que venham os peregrinos
A falta de lei e ordem, a incapacidade da Autoridade Palestiniana de criminalizar o incitamento ao ódio religioso, a par da recessão económica na Cisjordânia ocupada, das restrições à mobilidade impostas por Israel, estão a obrigar cada vez mais palestinianos a emigrar, em busca de melhores condições de vida.
A mudança na demografia de Belém vai seguramente mudar a cultura e a cultura das celebrações do Natal nos próximos anos. Os palestinianos cristãos interrogam-se sobre se a sua presença em Belém vai continuar em queda até ao ponto da não existência, e sobre se as suas igrejas se vão transformar em museus para turistas e peregrinos.
Nós, os cristãos palestinianos, continuamos os preparativos para o Natal deste ano. Queremos ornamentar as nossas árvores para assegurar que elas ficarão adornadas e luminosas. Familiares e amigos trocam novas receitas de bolos. Pais imaginam novas maneiras de fazer com que os seus filhos continuem a acreditar na magia do Pai Natal e a esperar pelos seus presentes. Raparigas trocam impressões sobre o que devem vestir no Natal. Parentes combinam visitas e saudações natalícias e avaliam a que igrejas poderão ir se não conseguirem entrar na Igreja da Natividade.
Vários desejos de Feliz Natal serão transmitidos através do Skype, com a esperança expressa de que talvez se reúnam todos no próximo ano.
Esperamos poder acolher os peregrinos e os coros que chegarão da Europa e dos Estados Unidos para se juntar a nós nas celebrações do Natal, perfumando-o com cânticos celestiais. Desejamos que o Natal seja glorificado como momento sagrado que não será contaminado por má conduta, sectarismo ou política. Os peregrinos aquecem o nosso coração porque, com eles, sabemos que países ocidentais e as suas principais igrejas mantêm os laços com a Terra Santa, a fonte da sua religião. Pedimos por isso a sua atenção e apoio para nos ajudarem a reforçar e a fixar o lugar dos cristãos na Terra Santa.
Desejamos, do fundo do coração, um Natal feliz e pacífico a todos!
* Janessa Rideh, 36 anos, com um mestrado em Biotecnologia, é gestora de projectos. Foi nos Estados Unidos que concluiu a sua formação académica e ganhou experiência profissional, tendo viajado por vários países da Europa e América Latina.
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