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Foi no Alto Alentejo que ganhou as melhores memórias de Natal. Na casa dos avós Portas, a mesa era imensa e a família numerosa — em Vila Viçosa, viveu natais cheios de rituais. Criou uma mesa onde brilha um serviço de motivos tradicionais que quase dispensa outras decorações. Texto Ana Gomes ferreira Fotografia Enric Vives-Rubio
A mesa vai ser posta no restaurante Belcanto, que tem uma entrada mesmo em frente d’A Vida Portuguesa, a loja de Catarina Portas no Chiado, em Lisboa. Dentro do restaurante, todos tentam ajudar. Vai ser posta uma mesa para quatro mas juntam-se seis mesas, que o serviço de mesa é imponente e precisa de espaço para respirar. “Uma mesa de Natal deve ter cor, deve ter graça, deve ter beleza, deve ter calor e graça”, explica a empresária de 41 anos.
No dia em que preparou a mesa de Natal para a Pública, Catarina Portas teve uma contrariedade. Deveria ter inaugurado o segundo andar d’ A Vida Portuguesa, mas teve de cancelar a abertura planeada para coincidir com as vendas de Natal porque a entrada da rua foi obstruída por umas obras. Os comerciantes deveriam de ter sido avisados, defende. “Não tinha planeado a abertura do segundo andar para este momento e teria investido em painéis que dissessem às pessoas que a loja está aqui, que a rua não está fechada.”
Por causa desse segundo andar, andou pelos armazéns da fábrica Viúva Lamego, no Intendente de Lisboa, e encontrou um serviço “perfeito” para uma mesa de Natal. Completou-o com os tradicionais copos de diamante da Marinha Grande, na versão Atlantis, e da sua loja, onde se vendem produtos e objectos tipicamente portugueses (desde as andorinhas Bordalo Pinheiro a mantas de lã regionais), vieram as ovelhinhas com guizo. Vão direitinhas para dentro das tigelas da sopa. “Adoro as ovelhas, é o pormenor popular e caloroso. E deve haver um bocadinho de surpresa.”
Há dois anos, Catarina Portas celebrou um Natal ali mesmo, no Belcanto. “Aconteceu porque hoje em dia tenho uma vida um bocadinho complicada e andávamos todos desencontrados. Então fizemos aqui um Natal, eu, os meus irmãos [os políticos Miguel e Paulo Portas, do Bloco de Esquerda e do CDS-PP, respectivamente], o meu pai [o arquitecto Nuno Portas] e os meus sobrinhos. Foi no dia 23 de Dezembro. Foi aqui porque adoro o Belcanto, é um sítio onde me sinto em casa, quando eu estou doente fazem-me uma canjinha... Também era o sítio onde eu sabia que podia chegar a horas!”
De outros natais, tem memórias menos apressadas. “Guardo mais memória dos natais em casa dos meus avós paternos, os Portas, em Vila Viçosa. Era muita, muita gente e a mesa era muito comprida e cheia de comida e de doces. Havia dois doces muito importantes, eu esperava o ano inteiro para os comer. São os meus doces favoritos à face da terra: os nógados, uma espécie de torta feita um torrão, é uma massa, são feitos canudinhos, são cortados, fritos e envoltos em mel; as filhoses enroladas, que é uma tira grande de massa que é enrolada enquanto se frita, é uma obra.
Infelizmente, com o desaparecimento dos meus avós, esse Natal desapareceu e tenho algumas saudades.” Era uma celebração cheia de rituais: os Portas jantavam cedo e, depois, parte da família ia à Missa do Galo “numa capela muito bonita”, em Trena. Os que ficavam em casa conversavam na sala de fumo e esperavam o regresso dos outros. “Quando estávamos todos, cantávamos canções de Natal alentejanas e, depois, abríamos os presentes. Ficávamos a brincar até tarde, ou a jogar à canasta com as tias-avós, e havia uma segunda mesa da ceia.”
Havia árvore de Natal — uma tradição que, explica Catarina Portas, só chegou a Portugal com o rei D. Luís, assim como a figura do Pai Natal, e há desenhos que mostram o monarca vestido de vermelho e de saco de brinquedos às costas. E havia um presépio antigo de peças de madeira. Mas, explica Catarina Portas, vivia-se sobretudo a tradição alentejana: “Eu cresci com essa tradição, que tem a ver com a mesa farta, e com a música, estou a tentar lembrar-me de uma letra em que o menino comprava chapeuzinho. São letras engraçadas, que têm muita ingenuidade e transformam o menino numa criança travessa, um bocadinho como o do Alberto Caeiro.”
Catarina Portas, claro, ainda celebra o Natal. Mas até às sete horas do dia 24 está a trabalhar. “A minha visão sobre o Natal mudou bastante desde que tenho uma loja — percebi também a importância comercial do Natal.”
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