Content on this page requires a newer version of Adobe Flash Player.

Get Adobe Flash player

Content on this page requires a newer version of Adobe Flash Player.

Get Adobe Flash player

Bonecos perfeitos

Produção
de moda

A mesa não tem
de ser prática

É um designer de interiores que tem medo do branco. Talvez por ser, em primeiro lugar, antiquário. Talvez por gostar do cinema de Visconti, daquelas grandes cenografias de cores fortes. Aos 36 anos, acaba de criar um novo serviço para clientes e a sua casa é o seu show room. Dela saíram todos os objectos da mesa que preparou para a Pública. Uma mesa grande, porque o Natal sem pessoas — sem a família — não sabe a nada. Por Ana Gomes Ferreira* Fotografia Enric Vives-Rubio

A minha proposta
Tentei fazer uma mesa de Natal não convencional, apesar de ter referências que identificam o Natal: o encarnado, o dourado, os verdes. Eu sou um bocadinho “antigo” — sou antiquário. A mesa tradicional, e fazendo um exercício rápido sem pensar muito, serão as velhas toalhas encarnadas ou verdes, uma coisa mais certinha, com os copos todos iguais, os pratos certinhos, com o melhor faqueiro, umas velas. Tentei que fosse isso, mas com a minha assinatura, se quisermos. Procurei ter as referências básicas, mas quando olhamos descobrimos coisas diferentes. É nesta casa que se faz o jantar do dia 25, ou seja, sou eu que faço a mesa de Natal.

Tudo o que está nesta mesa é cá de casa. Não trouxe nada do antiquário. Os pratos são Vista Alegre, as cabeças encontrei-as numa loja banal onde só entrei porque me despertou a atenção um pequeno objecto na montra e fui ver o que era. Lá dentro vi estas cabeças fantásticas. Os individuais têm abeto e bucho. Os copos azuis são de Marrocos, outros são de serviços do século XIX e outros ainda dos anos de 1950.

A mesa de Natal...
... não tem de ser prática. Aliás, as mesas de festa, ou de um grande jantar, não têm de ser práticas. As mesas de Natal têm de ser bonitas. E têm de dar ar de festa e de ter cor, porque eu tenho este drama... adoro cor. Por que é que eu tenho medo do branco? Porque o branco me transmite sempre a sensação de edifício público, de asséptico. O branco é sempre uma cor que impõe algum respeito: o que é que pomos em cima dele?, como é que se constrói sobre o branco? Por outro lado, é a cor mais fácil porque tudo joga em cima dele, o que retira a parte lúdica de arrumar as coisas. Dá a ideia de que pegámos na casa tal como ela nos foi entregue e lhe despejámos coisas em cima. Para mim, a cor é muito importante, até porque tudo o que faço a nível de decoração tem muito a ver com as minhas referências cinematográficas. Ninguém se lembra dos filmes que não têm cor: é raro lembrarmo-nos do cenário de um filme que não seja a cores. Já de Visconti... tem muita cor, e Almodóvar tem muita informação de cor. E o olho vai rapidamente em direcção a ela.

Pensemos na razão por que dizemos “pôr a mesa”. A casa de jantar não era uma divisão comum, que existisse dessa forma nas casas. Os franceses agarravam na mesa e, literalmente, punham-na num sítio e vestiam-na, arranjavam-na. Uma mesa “posta” tem de ter uma história para contar e fazer referência à época, ou à ocasião, para a qual foi posta. Tem de estar identificada.

Em casa da minha avó
Tenho na memória os natais em casa da minha avó. Eram mesas cheias, com coisas muito bonitas e com a família.
As mesas da minha avó eram clássicas e fazem-me lembrar o que já não tenho. Estou a falar da minha avó da parte do meu pai e a lembrar-me de duas pessoas que já não vejo, que já não estão cá: a minha avó e o meu avô. Mais do que memórias visuais — e era uma mesa bonita, era um jantar de pé, lembro-me dos grandes perus, da melhor canja do mundo —, recordo as cabeceiras daquela mesa e de os ver. A minha avó dava-nos os presentes normais, mas nós vivíamos o ano inteiro à espera do Pai Natal de chocolate que ela deixava à nossa espera em cima da mesa. O Natal em casa da minha avó acabou há uns anos.

 

 

O que não pode faltar
As pessoas. O Natal sem família não é Natal. Nunca passei o Natal sem a família e não sei como será. Houve sempre esta preocupação de juntar a família toda. As mesas da minha mãe têm sempre uns arranjos muito bonitos e fora do normal. Sempre que junta a família, ela tem a preocupação de ter sempre uma graça. Este ano, fomos lá jantar no Dia dos Namorados e havia corações e I Love You por todo o lado. Há sempre uma joke com o momento. As mesas têm de ter esse elemento lúdico. Chegamos à mesa e podemos começar uma conversa a partir desse elemento lúdico. A mesa é o sítio onde a família se junta e conversa: onde se chateia, onde faz as pazes, onde se ataca, onde se defende, onde pomos os nossos problemas, onde rimos... Se a mesa tiver um lado lúdico, resolve-nos muito bem o princípio de uma coisa que pode ser muito boa.

Decorar
Comecei a fazer decoração para amigos e para clientes que me pediam. Nunca estive no mercado, mas agora nesta época em que temos de reinventar a nossa maneira de estar na vida, não podemos estar na loja à espera que os clientes entrem. Criei o Home Dresser — a ideia é vestir casas, ou reinventar o que as pessoas já têm e fazer de novo. A minha própria casa é o show room. Quando faço decoração, tenho sempre referências às coisas antigas, lido um bocadinho mal com as coisas muito modernas. O minimalismo até podia ter a ver comigo, mas o que vemos na maior parte das casas não é bem feito porque os objectos não são bons. O minimalismo pode ser muito bonito, mas têm de ser objectos absolutamente extraordinários, quando são coisas sem história não interessam.

*A partir de uma entrevista com Álvaro Roquette.
Contacto: alvaro.roquete@gmail.com