Um Ano na Crise

Família Almeida

Manuela está a perder a esperança

Por Ana Cristina Pereira
Fernando Veludo/NFactos

Custa-lhe cada vez mais entrar no site do Instituto de Emprego e Formação Profissional e não encontrar um único lugar no qual se possa encaixar. "Não sou cozinheira, electricista, informática." Da última vez que se deslocou aos serviços, a técnica que a atendeu perguntou-lhe, "toda catedrática": "Por que não vai tomar conta de velhotes? Se estivesse na sua situação, era o que eu fazia". A mulher, de 49 anos, engoliu em seco e, sem perder a compostura, respondeu: "Sabe que é preciso um curso de geriatria?".

Nem para empregada doméstica têm aparecido ofertas de emprego. A classe média está a livrar-se dos seus pequenos luxos. A antiga administrativa já tentou. Nunca mais se esqueceu de um anúncio que pedia espanhol escrito e falado.

Continua a vasculhar na Internet. Passa as páginas de classificados a pente fino em busca de alguma oportunidade. "Já falo sozinha com o computador. É para não enferrujar a língua."

Muitas das medidas de austeridade entram em vigor no ano que agora desponta. Manuela continuará isenta de taxas moderadoras na saúde, como qualquer desempregado com rendimento inferior ao salário mínimo nacional. O que mais a inquieta é a subida do IVA nos bens de primeira necessidade.

O ano ainda não mudou e já se aflige. Ainda na véspera se afligira ao ir ao supermercado comprar pensos higiénicos, leite e fruta. "Nem comprei iogurtes. Já não posso comprar iogurtes. Um frango dá para seis vezes. Já não me lembro do que é comer uma dourada. Não posso comer só batatas ou arroz. Santa paciência!"

Esta pobreza torna-a desconfiada. Um exemplo? Há uns dias, entrou num estabelecimento. "Boa tarde, dona. O que quer?", perguntou-lhe a empregada. E Manuela, que entrara só para ver, sentiu-se ofendida. Era como se aquela mulher, ao fazer aquela pergunta naquele tom, lhe dissesse que não devia estar ali.

O Natal aproximava-se. Bacalhau e azeite era luxo que não lhe assistia, mas não era isso que lhe carregava os olhos de tristeza. "Não me incomoda não ter prendas ou dinheiro para comprar prendas ou roupa. Incomoda-me não ver perspectivas de futuro, ver em cada notícia o prenúncio do fim da esperança."