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SerieY 3
"Camarate" |
"Camarate" de Luís Filipe Rocha
Vasco T. Menezes
Na noite de 4 de Dezembro de 1980, o
primeiro-ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro,
e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, morreram num
desastre de avião, durante a campanha para as eleições
presidenciais desse ano. O avião tinha acabado de levantar
voo quando se despenhou e ardeu numa rua de um pequeno bairro
contíguo ao Aeroporto de Lisboa: Camarate.
Partindo de um acontecimento traumático
debatido até exaustão e que ainda hoje permanece
por resolver plenamente, Luís Filipe Rocha construiu uma
ficção, “Camarate” (2001). No centro, uma juíza
da primeira instância, Luísa Ramos (Maria João
Luís), que, já no final dos anos 90, vê o
seu quotidiano abalado por um processo, entretanto arquivado,
que, por sorteio, lhe vem parar às mãos. E, após
a visita de um misterioso juiz colocado em Macau — que lhe conta
a sua peculiar versão do que se passou em Camrate: uma
conspiração não contra Sá Carneiro,
mas contra Amaro da Costa, devido à investigação
que ele mandara fazer ao Fundo de Defesa Militar Ultramar —,
decide reabri-lo.
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O
mistério permanece
Carlos Câmara
Leme
Três deputados, do PS, do PSD
e do BE, convidados pelo PÚBLICO para verem o filme — fazerem
pequenas críticas com estrelas e tudo — são unânimes:
por que razão não se consegue, 13 anos depois,
ir mais além no esclarecimento sobre Camarate?
4 de Dezembro de 1980. Às 21h29 desse
dia dramático
para a história da vida política portuguesa contemporânea,
a RTP interrompe a emissão para dar a notícia brutal:
o Cessna, que transportava Francisco Sá Carneiro e Adelino
Amaro da Costa com destino ao Porto, acabara de cair em Camarate.
13 anos depois, António Braga, Gonçalo
Capitão
e Joana Amaral Dias recordam-se perfeitamente onde estavam. Todos
estavam em casa, a ver televisão. Os sentimentos é que
variam.
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Críticos por um dia: três
deputados dão estrelas a “Camarate”
Ao revisitar
a portuguesíssima fita sobre
Camarate, ocorreu-me “Titanic”.
Podia ter sido “JFK”, mas não.
“Titanic” guia-se por uma história de
amor, inspirada no testemunho de uma sobrevivente. Ilustra a
arrogância
da técnica e dos técnicos que afundou o transatlântico
mais poderoso da época. Alinha provas com inteligência.
Deixa a apreciação das pessoas envolvidas nas falhas
de condução do navio para o espectador. Como quando
o operador de telégrafo, inundado por inúmeras
mensagens de passageiros, desvaloriza com ar sobranceiro a comunicação
que lhe chega de um outro transatlântico que avisava do
eminente perigo do gelo. Descuido fatal, intui-se. Ou, no curto
diálogo entre o engenheiro, criador da inafundável
máquina, e o comandante a propósito da velocidade
máxima que acabam por imprimir na navegação.
Fatídica decisão, percebe-se. O enredo, fluente,
alimenta o romance da então jovem testemunha com um rapaz,
passageiro por um acaso da... “sorte” ao jogo.
Também Sá Carneiro não tinha lugar marcado
naquele perigoso avião. Possuía reserva na TAP quase à mesma
hora, para o Porto.
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Cronologia das Comissões
30 de Novembro 1982 - Constituída a I comissão
de inquérito parlamentar. Preside Montalvão Machado
(pai), deputado do PSD
22 de Abril 1983 - Aprovado o relatório da I comissão.
Recomenda-se, sem votos contra, o aprofundamento das investigações
criminais. São criticadas as actuações da
Direcção-Geral da Aviação Civil
e da PJ.
30 de Novembro 1984 - Constitui-se a
II comissão parlamentar
de inquérito, de novo presidida por Montalvão
Machado.
30 de Outubro 1985- Aprovado o relatório da II comissão.
Mantém as conclusões da I comissão e propõe
uma nova comissão.
12 de Dezembro 1985 - Constituída a III
comissão
parlamentar de inquérito, mais uma vez presidida pelo
deputado social-democrata Montalvão Machado.
22 Janeiro 1987 - Aprovado o relatório final da III comissão.
Conclui, com a discordância do PSD e do CDS, que não
há dados que permitam negar as conclusões dos inquéritos
oficiais - os quais, por sua vez, afirmam que não é possível
concluir-se pela tese do atentado. As informações
recolhidas por esta comissão são entregues à Procuradoria-geral
da República. A comissão recomenda ao Governo que
tudo faça para que as investigações continuem.
7 de Julho 1988 - Constitui-se a IV comissão de inquérito
parlamentar, presidida por Correia Afonso (PSD).
21 de Maio 1991 - Aprova-se, com a abstenção da
esquerda parlamentar (PS e PCP), o relatório final da
IV comissão. Diz-se que "as entidades oficiais construíram
uma hipótese de acidente sem fundamentação
técnica plausível". E mais: "Verificou-se uma deflagração
do avião no momento da sua descolagem e vôo ascendente",
sendo que "esta deflagração só pode ter
resultado de uma acção provocada com a intenção
de produzir uma sabotagem". O relatório final é muito
crítico para com os inquéritos oficiais. Fala num "chocante
somatório de negligências, lacunas, omissões,
sonegação de evidências, intimidações
e descaminho de peças fundamentais do processo", as quais,
segundo acrescenta, podem "ser interpretadas como ocultação
de actos correlativos de um crime".
13 de Maio 1993 - Constitui-se a V comissão parlamentar
de inquérito, presidida por Pedro Roseta (PSD).
2 de Junho 1995 - Aprovado o relatório
final, que dá como
comprovada a existência de subtâncias explosivas
(nitroglicerina, nomeadamente) em fragmentos do Cessna. A comissão
conclui pela existência de "acção criminosa".
24 de Maio 1996 - Constitui-se a VI comissão de inquérito,
presidida, novamente, por Pedro Roseta.
2 de Julho 1999 - Aprovado o relatório final, que reitera
a tese da "acção criminosa". Recomenda às
instâncias judiciais que sejam estabelecidas "responsabilidades
criminais", nomeadamente contra José Esteves (alegado
produtor do engenho explosivo) e Sinan Lee Rodrigues (alegamente
quem colocou o engenho no Cessna).
28 de Junho 2001 - Aprovada resolução criando
a VII comissão parlamentar de inquérito a Camarate.
A interrupção da legislatura em Janeiro de 2002
provocou a cessação do seu mandato.
14 de Junho 2002 - Aprovada a criação
da actual comissão de inquérito, a VIII.
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"Camarate", Um Filme Sobre Uma História Mal
Contada
Isabel Braga
A queda, ainda não totalmente esclarecida,
do Cessna que transportava Sá Carneiro e Amaro da Costa
sobre Camarate, um bairro contíguo ao aeroporto de Lisboa,
foi um acontecimento brutal.
Tão brutal que, para ser assimilado por
uma sociedade recém-entrada na democracia, muito menos
descrente nos seus políticos e instituições
do que a actual, era preciso uma explicação. A
explicação
apareceu de imediato - tudo se resumira a um acidente.
Mas nunca se percebeu bem que acidente foi aquele, dadas as
muitas falhas reveladas sobre a investigação que
foi sendo feita ao longo dos anos. Com o tempo, e sem que nada
viesse iluminar os cantos escuros do caso, o trauma foi-se transformando
em mal estar. Uma história mal contada, portanto.
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A Verdadeira Comissão de Inquérito
Vicente di Maio (catedrático
de Medicina
Legal no Texas)
Anthony Busuttil (patologista forense)
Gerrard Murphy (especialista em
explosivos)
João Queirós Neves
(técnico de aeronaves)
Carlos Freitas Branco
(piloto)
Maria João Aleixo (medicina aeroespacial)
António
Jorge Lima (radiografia industrial)
António
Mendes Sousa (engenharia mecânica)
Duarte Vieira (medicina legal)
Henrique Botelho
Miranda (engenheiro de minas
e explosivos)
Luís Alves (auditor de sistemas
aeronáuticos)
Laureano Santos (jurista)
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Descoberta Recente
Adia Relatório da Comisão de Peritos
Isabel Braga
A equipa multidisciplinar de peritos nomeada em Maio para assistir à VIII
comissão de inquérito parlamentar ao Caso Camarate
fez uma descoberta considerada decisiva nos restos do avião
que transportou Sá Carneiro: um buraco na zona de recolha
do trem de aterragem, por baixo dos pés do piloto, com
os rebordos recurvados para dentro, mostrando que fora provocado
por uma forte explosão localizada, de dentro para fora.
A fusão local do material também aponta no mesmo
sentido, concluiu, para já, a equipa multidisciplinar,
que pedira inicialmente um prazo até Setembro para entregar
o seu relatório pericial, mas, perante esta descoberta,
já solicitou à Assembleia da República que
o prazo fosse prolongado até final do ano.
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Caso Camarate Aguarda Investigações
Isentas
João Pedro Henriques
Nenhuma história do “caso Camarate” e
da sua investigação
parlamentar poderá passar ao lado do que ocorreu no início
deste ano. Em 25 de Janeiro o “Expresso” noticiou “Camarate volta
a ser acidente”. A notícia dava conta de uma peritagem
técnica elaborada por um organismo estatal (o GPIAA, Gabinete
de Prevenção e Investigação de Acidentes
com Aeronaves) que concluía, sem margem para dúvidas,
pela tese do acidente. Em duas palavras, o porta-voz desse grupo
de peritos, comandante Lima Bastos, descreveu o Cessna onde,
na noite de 4 de Dezembro de 1980, morreram, entre outros, o
então primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro,
e o seu ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa: “Um chasso.”
Por outras palavras: de acordo com a pormenorizada
peritagem técnica
elaborada pelo GPIAA — por ordem do então ministro das
Obras Públicas e Transportes, Valente de Oliveira, a pedido
da (actual) VIII comissão de inquérito parlamentar
ao caso Camarate —, o Cessna tinha um vasto historial de problemas
mecânicos e, na noite de 4 de Dezembro de 1980, em que
Sá Carneiro
e comitiva se preparavam para rumar a um comício no Porto,
tanto o piloto como o co-piloto “acumulavam fadiga devido aos
voos consecutivos dos últimos dias”. O avião — que
esteve meia hora para pegar, o que só conseguiu com a
ajuda de um gerador externo — caiu segundos depois de descolar
devido a uma “conjugação” de várias falhas
técnicas: “Paragem
inadvertida do motor esquerdo, indevida utilização
de flaps na descolagem, não embandeiramento do hélice
do motor esquerdo e centro de gravidade do avião fora
dos limites.”
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- Veja
aqui a ficha do filme "Camarate" no
Cinecartaz
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