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SerieY 3
"Camarate"

Caso Camarate Aguarda Investigações Isentas
João Pedro Henriques

 

Nenhuma história do “caso Camarate” e da sua investigação parlamentar poderá passar ao lado do que ocorreu no início deste ano. Em 25 de Janeiro o “Expresso” noticiou “Camarate volta a ser acidente”. A notícia dava conta de uma peritagem técnica elaborada por um organismo estatal (o GPIAA, Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves) que concluía, sem margem para dúvidas, pela tese do acidente. Em duas palavras, o porta-voz desse grupo de peritos, comandante Lima Bastos, descreveu o Cessna onde, na noite de 4 de Dezembro de 1980, morreram, entre outros, o então primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, e o seu ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa: “Um chasso.”

 

Por outras palavras: de acordo com a pormenorizada peritagem técnica elaborada pelo GPIAA — por ordem do então ministro das Obras Públicas e Transportes, Valente de Oliveira, a pedido da (actual) VIII comissão de inquérito parlamentar ao caso Camarate —, o Cessna tinha um vasto historial de problemas mecânicos e, na noite de 4 de Dezembro de 1980, em que Sá Carneiro e comitiva se preparavam para rumar a um comício no Porto, tanto o piloto como o co-piloto “acumulavam fadiga devido aos voos consecutivos dos últimos dias”. O avião — que esteve meia hora para pegar, o que só conseguiu com a ajuda de um gerador externo — caiu segundos depois de descolar devido a uma “conjugação” de várias falhas técnicas: “Paragem inadvertida do motor esquerdo, indevida utilização de flaps na descolagem, não embandeiramento do hélice do motor esquerdo e centro de gravidade do avião fora dos limites.”

 

O relatório do GPIAA representou (pelo seu carácter oficial ou mesmo governamental) um poderoso contratempo para a tese do atentado. O mais mediático porta-voz dessa causa, Ricardo Sá Fernandes, advogado das famílias das vítimas, chegou a participar numa acareação parlamentar com o porta-voz da comissão do GPIAA, numa derradeira tentativa de repor a verdade oficial do caso. Mas o “mal” já estava feito e a principal consequência foi a ruptura no consenso parlamentar pró-atentado que já vinha da IV comissão parlamentar de inquérito (ver cronologia). O PS voltou a colocar-se no lado dos que têm dúvidas em relação às teses do atentado. Perante o impasse, a maioria PSD-CDS não teve outro remédio senão suspender o trabalhos da comissão.

 

Os passos seguintes foram dados em duas direcções: por um lado isentar a investigação parlamentar através de uma “comissão técnica multidisciplinar” (CTD) de carácter apolítico; por outro, reforçar as investigações aos alegados motivos para assassinar algum (ou alguns) dos passageiros do Cessna (na impossibilidade de provar que Sá Carneiro e Amaro da Costa foram assassinados, pode-se, pelo menos, tentar provar que alguém teria boas razões para o fazer, nomeadamente em relação ao fundador do CDS).

 

Quanto à CTD — cuja missão é apurar “em definitivo” o que se passou — prossegue o seu trabalho e em Janeiro deverá apresentar conclusões. Trata-se de um grupo de 12 pessoas — nomeadas pelo Parlamento em Maio passado — que nunca investigaram nada relacionado com Camarate (ver caixa).

 

Esta investigação prossegue e, em paralelo, decorre um outra, ao alegado motivo do crime, por parte de técnicos da Inspecção-Geral de Finanças. Em causa está o famoso Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU), um “saco azul” criado nos anos 30 e extinto, alegadamente contra alguns “lobbies” militares, por ordem do ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, quinze dias antes de morrer.

 

A tese dos que defendem o atentado parte do princípio de que o verdadeiro alvo era o fundador do CDS e não Francisco Sá Carneiro. Este só decidiu embarcar no Cessna horas antes de o fazer, enquanto Amaro da Costa há dias que tinha a viagem programada. Estava-se em plena campanha presidencial Ramalho Eanes “versus” Soares Carneiro (apoiado pela AD, no Governo) e a viagem do Cessna inseriase nessa campanha, para levar a comitiva a um comício no Porto, nessa noite.

 

Adelino Amaro da Costa estaria, então, a investigar alegados envolvimentos de militares portugueses no tráfico internacional de armas — por exemplo no âmbito da guerra Irão-Iraque, que estava a começar e sobre a qual impendiam embargos internacionais decretados pela ONU —, tráfico esse que se faria utilizando verbas do tal Fundo do Ultramar, um verdadeiro “saco azul” do Ministério da Defesa cujas movimentações ninguém politicamente conseguia controlar, apesar de a guerra colonial terminado havia seis anos.

 

Há muito no Parlamento que se falava neste FDMU, e nas suas eventuais conexões com o “caso Camarate”, mas só a actual comissão parlamentar se decidiu por uma auditoria. Parte já foi feita — e de facto detectou várias situações de movimentos financeiros sem rei nem roque — e outra parte está para se iniciar. O ministro da Defesa, Paulo Portas, já deu ordens para que o espólio documental do EMGFA (Estado- Maior General das Forças Armadas) seja aberto aos técnicos da IGF encarregues da investigação. A ministra das Finanças, pelo seu lado, autorizou a que esses técnicos continuem a ser os mesmos que iniciaram a auditoria.

 

Em Janeiro se verá. Entretanto a comissão parlamentar continua suspensa para que os seus prazos de funcionamento não contém — e portanto não se esgotem antes de esta dupla investigação ser concluída.