O mistério permanece
Carlos Câmara Leme
Três deputados, do PS, do PSD e do BE,
convidados pelo PÚBLICO para verem o filme — fazerem pequenas
críticas
com estrelas e tudo — são unânimes: por que razão
não se consegue, 13 anos depois, ir mais além no
esclarecimento sobre Camarate?
4 de Dezembro de 1980. Às 21h29 desse
dia dramático
para a história da vida política portuguesa contemporânea,
a RTP interrompe a emissão para dar a notícia brutal:
o Cessna, que transportava Francisco Sá Carneiro e Adelino
Amaro da Costa com destino ao Porto, acabara de cair em Camarate.
13 anos depois, António Braga, Gonçalo
Capitão
e Joana Amaral Dias recordam-se perfeitamente onde estavam. Todos
estavam em casa, a ver televisão. Os sentimentos é que
variam.
“Foi um choque absoluto à mistura com
alguma incredulidade”,
diz o socialista António Braga, 40 anos. Gonçalo
Capitão, 32 anos, lembra-se das imagens a preto e branco.
Tinha 9 anos. “Fiquei impressionadíssimo. Lembro-me de
ter que ir à marquise, buscar qualquer, e ter medo de
passar naquela zona escura da casa. E já gostava do Sá Carneiro.”
Ao contrário, a figura do líder
histórico
do PPD/PSD para Joana Amaral Dias, 29 anos, deputada do Bloco
de Esquerda, não era simpática. ”Assustava-me um
bocadinho, parecia um falcão, com aquelas sobrancelhas.” Joana
Amaral Dias tinha apenas seis anos: “Além das imagens
da TV, havia um burburinho no ar, e uma grande tensão,
que para uma criança é uma espécie de confronto
com a morte”, acrescenta.
Agora, para o melhor ou para o pior, com ou
sem provas, há muito
que na opinião pública se instalou a ideia de que “mataram
Sá Carneiro”. Os três deputados estão de
acordo. “Era a voz do povo, apesar do sentimento de incredulidade.
Já tinham passado os anos de brasa da Revolução
e nada de semelhante acontecera”, comenta António Braga.
Gonçalo Capitão afina pelo mesmo
tom: “Ainda hoje
penso assim: fui-me inclinando para a hipótese de atentado
mas com a sensação de que quando a lenda se torna
realidade publica-se a lenda! Este é o receio que cada
vez mais tenho.”
Oriunda de uma família fortemente dividida
entre a esquerda e a direita, Joana Amaral Dias desde muito cedo
que sentiu um certo “horror por não se apurar as coisas”.
Ainda hoje, pensa o mesmo. “É dramático
sentirmos uma impotência imensa em não se descobrir
a verdade e a de não se exercer a democracia plenamente.
A de não
se fazer justiça.”
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD,
Gonçalo
Capitão continua a pensar que “é uma pecha do nosso
sistema judicial, em, por tabela, para o sistema democrático
não se descobrir quem matou o primeiro-ministro. Até porque,
também, no PSD criou-se a convicção de que
Sá Carneiro foi assassinado”.
António Braga já integrou várias
comissões
de inquérito, além da actual, sobre Camarate e
está a
preparar um livro sobre o tema. Dizendo que já ultrapassou
o sentimento de impotência por não se apurar a verdade,
afirma: “Também me inquieto por que razão não
podermos ir mais além. É certo, porém, que
as comissões de inquérito têm, exaustivamente,
procurado todos os elementos para alcançar a verdade. É a
minha convicção.”
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