Trivia        Fotos        Screensavers        Wallpapers        Passatempos        Artigos
SerieY 3
"Camarate"

"Camarate"
de Luís Filipe Rocha
Vasco T. Menezes

 

 

No 23º aniversário de um dos escândalos políticos mais nebulosos da história portuguesa contemporânea, a colecção de DVD do PÚBLICO publica “Camarate”, um olhar desencantado sobre as instituições e a inércia de um país

 

Na noite de 4 de Dezembro de 1980, o primeiro-ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro, e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, morreram num desastre de avião, durante a campanha para as eleições presidenciais desse ano. O avião tinha acabado de levantar voo quando se despenhou e ardeu numa rua de um pequeno bairro contíguo ao Aeroporto de Lisboa: Camarate.

 

Partindo de um acontecimento traumático debatido até exaustão e que ainda hoje permanece por resolver plenamente, Luís Filipe Rocha construiu uma ficção, “Camarate” (2001). No centro, uma juíza da primeira instância, Luísa Ramos (Maria João Luís), que, já no final dos anos 90, vê o seu quotidiano abalado por um processo, entretanto arquivado, que, por sorteio, lhe vem parar às mãos. E, após a visita de um misterioso juiz colocado em Macau — que lhe conta a sua peculiar versão do que se passou em Camrate: uma conspiração não contra Sá Carneiro, mas contra Amaro da Costa, devido à investigação que ele mandara fazer ao Fundo de Defesa Militar Ultramar —, decide reabri-lo.

 

Com a ajuda do pai (Filipe Ferrer), antigo assessor de Direito, descobre que os relatórios desapareceram, as testemunhas-chave nunca foram ouvidas, as peritagens ficaram por fazer e as provas materiais nunca mais foram vistas. E como se uma investigação labiríntica não bastasse, a vida pessoal de Luísa também não prima pela simplicidade, presa que está a um triângulo amoroso que tem o antigo namorado, um deputado (José Wallenstein), de um lado, e o actual companheiro, um juiz (Virgílio Castelo), do outro.

 

Na data do 23º aniversário do mediático caso, a série Y convida-o a investigar “Camarate”, o segundo de três títulos do realizador português Luís Filipe Rocha a surgir na colecção, após “Sinais de Fogo” (1995) e antes de “Adeus, Pai” (1996). Um filme que não é tanto sobre o que realmente se passou na noite fatídica de 4 de Dezembro de 1980, mas um retrato, soturno e pessimista, sobre as instituições e a inércia de um país, Portugal. De resto, algo que o próprio cineasta confirmou, em tempos: “Não me interessa se foi acidente ou atentado, mas sim perguntar como é que durante 20 anos um órgão de soberania afirmou que foi atentado e um outro órgão afirmou que foi acidente.”

 

Entre vestígios de filme de tribunal, elementos de filme de investigação e uns pozinhos de cinema conspirativo, o resultado é uma obra sóbria e inteligente, que assume a impossibilidade de reimplantação de uma ordem perdida e se esquiva à armadilha da manipulação dos factos.