1- A crise da Justiça é uma consequência sobretudo das leis que temos ou da atitudes dos agentes judiciários?
2- Na prática, como acha que o Presidente da República deve encarnar o seu papel de mais alto magistrado da Nação?
Aníbal Cavaco Silva
1. Na última intervenção que fiz na Abertura do Ano Judicial chamei a atenção para o facto de a Justiça enfrentar um sério desafio de credibilidade, que não se dirigia apenas aos operadores judiciários, mas que responsabilizava igualmente os agentes políticos e, muito em especial, os responsáveis pela actividade legislativa. O problema da qualidade das leis tem estado no centro das minhas preocupações. A ausência de qualidade legislativa é um factor que interfere negativamente no funcionamento do nosso sistema de justiça. Não me refiro apenas a deficiências técnico-jurídicas das leis ou à ausência de soluções normativas claras e objectivas. Também é necessário que se legisle com mais rigor, com mais ponderação e prudência e com maior sentido de adequação às nossas realidades sociais e culturais.
Tenho salientado que os magistrados portugueses actuam de uma forma séria, honesta e com independência. Continuo a manifestar confiança no seu trabalho, na difícil tarefa de lidar com leis complexas e com muitos milhares de processos pendentes nos tribunais. Mas entendo que as reformas na justiça nos domínios processuais e organizativos devem ser aprofundadas e constituir uma prioridade dos responsáveis políticos.
2. Como Presidente da República tenho procurado junto dos diversos agentes judiciários, através das suas associações representativas, acompanhar os problemas e as situações de maior estrangulamento que dificultam a realização de uma justiça mais célere e de qualidade, bem como nas diversas reuniões que tenho mantido com os responsáveis máximos das magistraturas.
A Justiça e as dificuldades que enfrenta numa sociedade cada vez mais complexa tem sido uma das minhas preocupações, como tenho transmitido desde o meu discurso de posse e reafirmado nas sessões de abertura dos anos judiciais, pois considero o sistema de justiça um pilar essencial do Estado de Direito democrático, que precisa de reganhar credibilidade, por forma a transmitir confiança aos cidadãos, às empresas e à comunidade.
A intervenção do Presidente da República deve, porém, respeitar em todas as circunstâncias a independência do poder judicial, necessária à garantia dos direitos e as liberdades individuais inerentes a um Estado Democrático.
Defensor Moura
A crise da Justiça advém de ambos os vectores: da excessiva e deficiente legislação que temos, num edifício legislativo construído com uma matriz onde impera a desconfiança nos cidadãos, mas, também, da atitude e da escassa motivação dos agentes judiciários. O PR tem de desempenhar aqui um insubstituível papel de conciliação e mobilização para o diálogo entre as diferentes classes profissionais que intervêm na Justiça.
No interesse de todos, a reconquista da credibilidade e do prestígio dos tribunais é um requisito fundamental, para a credibilidade do sistema democrático e para a confiança dos portugueses nas instituições e no futuro do país.
E esse passo só pode ser, verdadeiramente, dado pelo Presidente da República em consonância, naturalmente, com o Governo e a Assembleia da República. E já devia ter sido dado, antes de chegarmos à actual descredibilização do sistema.
Fernando Nobre
1. Importa perceber quais os entraves ao funcionamento célere da nossa justiça e o diagnóstico está feito: temos uma grande massa de pequenos processos pendentes nos tribunais, um processo judicial muito complexo e lento na sua marcha e ferramentas e processos de trabalho ainda desadequados face à realidade actual.
Devemos também actuar mais preventivamente face aos litígios, por exemplo, responsabilizando mais na concessão de crédito quer quem o concede quer quem o recebe ou resolvendo definitivamente o problema da cobrança de dívidas. Mas há outra dimensão da "crise da justiça", mais mediática.
Creio que o modelo constitucional, no essencial, é correcto, mas a sua implementação tem tornado o serviço público de justiça demasiado dependente de interesses conjunturais dos diversos corpos que nele intervêm, o que é sempre indesejável.2. O Presidente da República deve promover uma efectiva pacificação do sector e a eficácia do sistema. A justiça exige serenidade, discernimento e respeito pelos seus aplicadores e o País necessita de um sistema de justiça mais célere. A qualidade e a rapidez da justiça são, aliás, um aspecto fundamental de avaliação nas decisões dos investidores. Todos os cidadãos precisam de uma justiça qualificada, que lhes ofereça a certeza do respeito pelos seus direitos.
Francisco Lopes
1. A crescente degradação do sistema judicial e da sua credibilidade tem sobretudo a ver com a continuada ofensiva dos sucessivos Governos contra o poder judicial.
Ela só é explicável por uma estratégia política determinada pelo objectivo de enfraquecer e condicionar a independência dos tribunais, governamentalizar e partidarizar a Justiça, ao serviço da impunidade dos poderosos. De quem é a responsabilidade, senão do poder político, da dificuldade de acesso aos tribunais, das elevadíssimas custas, da falta de apoio judiciário, enfim, das desigualdades dos cidadãos face à justiça? Ou da falta de meios com que se debate a investigação criminal?
Por outro lado, como é possível haver motivação nos profissionais da justiça com permanentes campanhas políticas da Governo que põem em causa a sua dignidade e o seu estatuto? Ou com a deterioração das condições de trabalho nos tribunais portugueses, incompatíveis de órgãos de soberania?
2. Não bastam bonitos discursos de circunstância do Presidente da República na abertura do ano judicial. É necessário que assegure, designadamente, que as leis aprovadas para a área da justiça respeitem e tenham em devida conta a garantia de condições para que verdadeiramente seja assegurado o direito à justiça.
José Manuel Coelho
1. A ideia napoleónica de que Portugal muda com novos códigos e novas leis e de que uma norma perfeita criará um país perfeito é um dos grandes disparates dos últimos dois séculos do país. Mais do que fazer novas leis o país deve aprender a cumprir e fazer cumprir as leis que tem, especialmente no domínio penal.
De que valem leis incriminadoras da corrupção se os corruptos são libertados e quem os denuncia condenado? Veja-se o caso Bragaparques em que os tribunais deixaram em liberdade o arguido Domingos Névoa e condenaram ao pagamento de uma indemnização de milhares de euros o denunciante dr. Sá Fernandes, apenas por ter chamado bandido a um declarado bandido.
O país não precisa de novas leis, mas de outra atitude dos juízes e do Ministério Público, mais independente, menos servil dos poderes instituídos e dos poderes económicos e sociais.
2. O PR deverá deixar de ser uma espécie de "Rainha de Inglaterra", como tem sido nos últimos anos, e assumir toda a dimensão política do seu cargo, garantindo a unidade dos portugueses e a integridade dos valores nacionais, mas sem nunca deixar de fazer um discurso directo e frontal, assumindo posições claras sobre os grandes temas nacionais, mesmo correndo o risco de ser fracturante.
Precisamos de um Presidente da República que não seja, como foi Cavaco Silva em matéria económica, um cientista da ciência mais exacta do mundo, a meteorologia das tempestades já ocorridas.
Manuel Alegre
No último frente-a-frente televisivo, propus-me lançar a partir de Belém uns "Estados Gerais da Justiça" que possam juntar todos os agentes, os meios de comunicação social e a própria sociedade numa reflexão profunda sobre a morosidade e a falta de confiança na justiça, um dos mais graves problemas portugueses.
A questão não é apenas da legislação, nem da atitude dos agentes judiciários. As causas são múltiplas, desde o aumento significativo da litigância na sociedade com o consequente impacto na organização judiciária, até ao pendor predominantemente processual das nossas práticas judiciais. Também nesta matéria é necessário mudar de paradigma, a fim de evoluirmos para um sistema judicial compatível com os direitos constitucionais e com as necessidades de uma sociedade do século XXI.