1. O que é preciso melhorar nos mecanismos de combate ao fenómeno da corrupção?
2. Qual o papel do Presidente da República nesse combate?
Aníbal Cavaco Silva
1. A melhor forma de combater a corrupção em Portugal, como em qualquer outro país, parte da compreensão do fenómeno na multiplicidade de aspectos que comporta. Começa na prevenção e termina na sanção de corruptos e corruptores. Entendo que o domínio da prevenção é aquele que merece maior atenção. Aspectos como a qualidade da legislação, a transparência e celeridade dos processos decisórios, bem como o desenvolvimento de uma cultura cívica de rigor, imparcialidade e de defesa intransigente do interesse público, são decisivos na prevenção do fenómeno da corrupção.
Muito se poderá investir neste domínio de forma a evitar a exclusiva judicialização do combate à corrupção. Neste último domínio, requere-se eficácia na investigação e justiça atempada no apuramento dos ilícitos. Responsabilidade, transparência e confiança, eis em três palavras o que se exige dos agentes económicos, políticos, da administração pública e do cidadão comum, para que possamos banir da sociedade portuguesa a impunidade, a discricionariedade e a eterna suspeição que minam o normal funcionamento das instituições democráticas.
2. O Presidente da República (PR) terá de ser uma referência moral e ética que, pelo exemplo, possa expressar essa cultura cívica de responsabilidade e promover uma relação de confiança entre o Estado e o cidadão. Pode também dar um contributo inestimável para a promoção da qualidade da legislação e da transparência dos processos decisórios. Tem ainda a última palavra na apreciação do processo de produção legislativa e em muitas situações, como foram os inúmeros casos durante o seu primeiro mandato, pode dar um contributo para acautelar a adulteração do espírito de igualdade e transparência que deverá sempre presidir à acção dos decisores e à defesa do bem comum. Mas pode também, em cooperação com os restantes órgãos de soberania, mobilizar vontades para colocar o problema do combate à corrupção na primeira linha da reforma do Estado e da administração pública.
No meu primeiro discurso nas comemorações do 5 de Outubro, em 2006, alertei para o potencial corrosivo que a corrupção representa para a qualidade da democracia. É bom que esse combate não seja esquecido nem desvalorizado.
Defensor Moura
A legislação sobre a corrupção foi aperfeiçoada pela Assembleia da República em 2010, sendo fundamental reforçar os meios e os métodos da fiscalização e exercê-la de forma constante e rigorosa em todas as instâncias. A celeridade e eficácia do sistema judicial são igualmente imprescindíveis para que os infractores não continuem a ser beneficiados com os atrasos.
Mas o mais importante é a mudança de postura dos portugueses em relação a todos os graus de corrupção, da simples cunha ao favorecimento ilegítimo, do negócio paralelo ao trafico de influência, da fuga aos impostos às negociatas público-privadas, em que é inadmissível a tolerância que geralmente se verifica com os infractores (quando não admiração?).
E aqui é da maior relevância o exemplo do Presidente da República e a sua magistratura de influência sobre os órgãos de soberania e os organismos oficiais e, igualmente importante, a sua acção pedagógica junto do cidadão comum e dos agentes potencialmente envolvidos.
Fernando Nobre
1. A corrupção não é apenas uma realidade criminal - é, antes disso, um reflexo de uma sociedade pouco transparente, pouco confiante no mérito e pouco exigente. Combate-se a corrupção qualificando a investigação criminal e reforçando os meios técnicos de que dispõe. Mas combate-se igualmente a corrupção introduzindo mais transparência e reduzindo o arbítrio no sector público. E combate-se pugnando pelo valor do mérito e da integridade, nas escolas, na imprensa e no exemplo que os políticos podem oferecer. Se a Administração Pública for mais transparente e menos burocrática, se todos nós como sociedade formos menos complacentes e se o crime for mais eficazmente punido, certamente que a corrupção diminuirá.
2. O Presidente da República deve ser um agente activo do combate à corrupção, no quadro dos seus poderes constitucionais. Isto significa desde logo lançar um debate nacional sobre o problema, sério e visível, que chegue a propostas concretas e que alerte Governo e Assembleia da República para a necessidade de olhar de frente uma situação que exige medidas adicionais. Eu próprio já tive oportunidade de apresentar uma proposta concreta para mais transparência: um portal na Internet, de acesso público, em que os políticos incluiriam as suas declarações de património e de interesses.
Francisco Lopes
1. A maior dificuldade no combate à corrupção em Portugal não decorre das leis ou da falta delas. Aliás, na presente legislatura, foram aprovados alguns avanços, em termos legislativos, que resultaram de um trabalho interessante de audição de agentes judiciários e foi aprovada uma importante recomendação ao Governo no sentido de resolver um conjunto de estrangulamentos existentes que se prendem fundamentalmente com a falta de meios. Se há algo a criticar em termos legislativos, é a recusa do PS e do CDS em criminalizar o enriquecimento ilícito ou injustificado por parte de titulares de cargos públicos. A criação desse tipo de crime seria um passo muito relevante no combate à impunidade dos crimes de corrupção.
2. A maior dificuldade porém reside na falta de meios das autoridades judiciárias e da Polícia Judiciária para actuar contra a criminalidade económica e financeira com a eficácia necessária. A complexidade destes crimes exige um maior investimento na investigação e a dotação das entidades responsáveis com os meios humanos, materiais e periciais indispensáveis. A política do Governo não vai, porém, nesse sentido. Os cortes orçamentais na área da Justiça são péssimos sinais no que diz respeito às condições de combate à corrupção e que apontam para o incumprimento das recomendações da Assembleia da República. O PR tem a obrigação de sinalizar esta insuficiência e fazer ouvir a sua voz de exigência de adopção das medidas indispensáveis.
José Manuel Coelho
O que eu faria: antes de tudo, daria uma vassourada nas cúpulas do Ministério Público e nomearia Maria José Morgado para Procuradora-Geral da República e seguiria os seus conselhos - que ninguém segue! Sendo o meu principal combate, convidaria para membros do Conselho de Estado o actual Presidente da Ordem dos Advogados, Dr. Marinho Pinto, o advogado Ricardo Sá Fernandes, o Professor Medina Carreira e o Dr. Miguel Sousa Tavares.
Manuel Alegre
Num país em que o sistema judicial não está à altura das necessidades, em que há uma longa tradição de uma administração pública opaca, confiscada pelos poderes fácticos e propensa a situações de promiscuidade entre o interesse público e os interesses privados, legítimos e ilegítimos, a corrupção e a percepção da impunidade afectam profundamente, não apenas os direitos dos cidadãos prejudicados, mas também a eficiência económica e a própria confiança na democracia.
A maior arma contra a corrupção é a transparência, acompanhada de regras claras, boa fiscalização e sancionamento expedito de quem prevarica. Isso não significa que o julgamento deva fazer-se na praça pública ou que se deixem arrastar indefinidamente situações de suspeição intoleráveis.
Precisamos de restaurar a ética republicana no exercício de cargos públicos e de vigiar a ocorrência de situações que ferem a lei e o senso comum, sobretudo numa altura em que os sacrifícios exigidos aos portugueses contrastam com a inaceitável ostentação de privilégios. O problema não é apenas legal ou judicial, é moral e exige comportamentos irrepreensíveis de quem exerce cargos públicos, a começar pelo Presidente da República.
Nem silêncios comprometidos, nem suspeições caluniosas.