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Um povo informado com uma campanha fantasma
Por Luciano Alvarez, em Díli
Quinta-feira, 23 de Agosto de 2001

Os timorenses estão a uma semana de ir a votos, mas em Díli não há sinal de propaganda partidária. A campanha na capital de Timor-Leste é para já fantasma, e o povo vive mais preocupado com o difícil dia a dia que com a eleição de dia 30. Mas nem por isso deixa de estar informado. Mesmo aqueles que não têm televisão, nem rádio, nem saber para ler um jornal sabem para que serve a eleição e em quem vão votar. É o caso dos que passam o dia no principal mercado de Díli. Um local onde a política não entra, porque ali trata-se é de ganhar a vida. É verdade, nos muito povoados mercados e feiras de Timor-Leste não há campanha eleitoral. Nem é preciso.

Os timorenses vão a votos dentro de sete dias. Será o próximo grande passo para a independência daquele que será o primeiro país do século XXI. A campanha eleitoral já leva um mês, mas Díli vive dias tranquilos. Continua lenta a reconstrução e dura a batalha pela vida dos milhares de desempregados que vão inventando algo para apanhar alguns dos dólares dos muitos estrangeiros que enchem as ruas da grande cidade.

Os timorenses vão a votos dentro de sete dias, mas quem chegue a Díli não diria que há uma campanha eleitoral a decorrer. Quase não se vê um sinal dos 16 partidos que lutam pelos 88 lugares da futura Assembleia Constituinte. Mas os timorenses que vivem em Díli sabem que dia 30 é dia de eleição, o que ela representa e em quem vão votar.

Cada partido, com excepção do PSD que recusou apoios da Administração da ONU, recebeu material de campanha (t-shirts, pêndulos, cartazes e outra propaganda) no valor de sete mil dólares (7,7 mil euros). Aos 16 candidatos independentes coube um pouco menos. Grande parte desse material já foi distribuído, mas nas ruas de Díli não se vê sinal dele. Nada. A campanha já motivou trocas de palavras mais duras entre os lideres dos principais partidos e comícios um pouco por todo o território. Só que em Díli, a campanha é para já fantasma.

Entre os homens da ONU ligados às eleições ninguém encontra um explicação clara para esta mais que discreta campanha. "Talvez se estejam a guardar para a última semana", diz, encolhendo os ombros, Sónia Neto, a portuguesa responsável pelo gabinete criado pela ONU para apoio eleitoral aos partidos. "A maioria tem os últimos comícios marcados para Díli e talvez se esteja a guardar para essa altura. Mas fora de Díli a campanha é um pouco mais visível", acrescenta, assegurando logo a seguir que "tudo está a correr muito bem."

Em Díli, para já, a campanha é acompanhada nos espaços que a rádio e a televisão da UNTAET reservaram para os partidos. Os que têm televisão, uma minoria, recebem todos os dias a visita de familiares e amigos para acompanhar, entre as 19h30 e 21h, a meia-dúzia de minutos de que cada um dos partidos dispõe para apresentar as suas propostas. Outros ouvem na rádio, ou vão lendo nos dois jornais de circulação diária as últimas da eleição. E depois, há o tradicional boca a boca, essa velha instituição timorense que há muitos anos assegura que as notícias circulem rapidamente pela meia ilha.

Há negócio, não há campanha
É assim, por este boca a boca, que as centenas de homens e mulheres que fazem as suas vendas no mercado de Tabisse sabem quais são os partidos ou que está em causa na eleição. É assim que decidiram ou vão decidir o seu voto. Dantes vendiam no velho mercado português, no centro da cidade, mas há alguns meses foram mudados para uma das saídas de Díli, num espaço que antes era uma das principais casernas do exército indonésio.

Gente pobre, sem televisão, nem rádio, nem saber para ler um jornal, que na sua maioria vem dos arredores de Díli vender no grande mercado da cidade os produtos das suas pequenas hortas, ou então vindos dos meandros do mercado negro de produtos indonésios - do tabaco ao sabão para a roupa. É aqui que o povo pobre de Timor, o que não chega aos dólares dos estrangeiros, faz as suas compras. Tudo em rupias indonésias, a moeda que, contra a vontade da ONU, continua a ser a oficial entre o povo sem recursos.

No mercado de Tibesse, como em toda a cidade de Díli, há muito poucos sinais dos partidos, apesar de por ali circularem milhares de eleitores todos os dias. É verdade: nos mercados e feiras de Timor-Leste não se faz campanha eleitoral. "Aqui não há campanha, isso é lá em baixo", diz, sorridente, Elisia Vilanova, uma mulher de 30 e poucos anos, apontando para o centro da cidade.

Esta vendedora de cereais em pacote "made in Indonesia" explica logo a seguir porquê: "Aqui é para fazer negócio, é para ganhar a vida. Então o senhor estava a ver virem para aí para o meio dos clientes fazer comícios?"

Elisia Vilanova sabe porém que há 16 partidos concorrentes às eleições do dia 30. Sabe que os timorenses vão eleger "os homens e as mulheres que vão fazer as leis" e até nem se acanha de dizer o partido em que vai votar. "O povo fala entre si, ouve este e aquele, e depois de informado decide em quem vota", explica, quase surpreendida por o jornalista lhe ter perguntado se sabia dos partidos e da eleição.

Está informada a senhora Elisa dos cereais empacotados, como está Marquita Guterres, uma mulher de mais de 60 anos que vende vegetais, ou Marcelino Guterres Afonso, que negoceia carne de búfalo a 30 mil rupias o quilo (uns quatro euros), ou muitas das outras pessoas, entre negociantes e compradores, ouvidas pelo PÚBLICO e que na manhã de ontem andavam pelo mercado de Tabisse.

"Dia 30 todos os timorenses vão votar. Todos temos de ir votar porque agora é para dar votos aos nossos, aos timorenses, à independência", diz Marcelino, o negociante da carne de búfalo.

Palavras de gente informada, mesmo face a uma campanha fantasma, que não podem causar surpresa a ninguém. Toda a população correu a registar-se quando há uns meses foi anunciado que ia haver eleições. Dentro de sete dias, mais de 400 mil eleitores, numa população cerca de 737 mil timorenses, irão a votos.


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