“Lillias Fraser”, de Hélia Correia
No dia 16 de Abril de 1746, as tropas inglesas de William Augustus, duque de Cumberland, derrotaram as tribos escocesas comandadas por Charles Stuart em apenas meia hora. “‘Sem piedade’, disse Cumberland. ‘Sem piedade’, repetiram os seus homens. E o massacre começou ali.”
Foi a batalha de Culloden e nesse momento o destino de Lillias Fraser, uma criança escocesa, ficou traçado.
 
 

"Sopra de Valmares a Força de Uma Terra Imaginada"
Os dois mais recentes livros de Lídia Jorge têm as suas raízes agarradas a uma terra que não existe, a aldeia ficcional de Valmares. "O Vento Assobiando nas Gruas" (2002) recebeu anteontem o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE). E "O Vale da Paixão" (1998) integrou a selecta lista dos oito finalistas do prémio irlandês IMPAC, considerado a mais valiosa distinção do mundo literário - que acabou por ser atribuído, anteontem, ao escritor turco Orhan Pamuk. "Eu não conheço a obra desse autor, mas estou ansiosa por lê-la", disse ontem Lídia Jorge ao PÚBLICO, numa entrevista feita por telefone. A romancista estava em Frankfurt, Alemanha, onde participava numa semana de cultura portuguesa.

 
 
"Apaixonei-me Mesmo pela Lillias"
Entra, afogueada do calor, no bar velho da Faculdade de Letras de Lisboa, com um chapéu azul na cabeça e óculos escuros por causa das alergias primaveris. Não era um bom dia para escrever um livro. Na esplanada, o sol está a pique e Hélia Correia gosta de escrever com chuva. É um "fenómeno de corrente de energia", que emerge da mesma forma com que faz jardinagem ou lê sobre história. Está a fazer uma pós-graduação em Coimbra, em cultura clássica e, pela "primeira vez na vida", estuda a sério. Quando tirou o curso de Filologia Românica, em Lisboa, no mesmo sítio onde está agora a beber uma garrafa de água, só ia às frequências.
 
 
 

Da Escócia a Lisboa
Os ingleses venceram os escoceses na batalha de Culloden (1746) com competência e frieza, em apenas meia-hora. Lillias Fraser, uma criança escocesa, consegue fugir à carnificina, vendo o pai trespassado pelas baionetas, "sem se dar conta de que, em verdade, ainda nada sucedera". As visões de morte no seu olhar, que corria mais depressa do que as horas de uma vida, acompanhariam Lillias para sempre. Sozinha, aprende a distinguir entre o presente e o anunciado, ao longo de todos os lugares por onde passa - Escócia, Mafra e Lisboa.
O percurso desta criança e dos seus olhos que vêem a morte antes de ela acontecer estabelecem a linha de continuidade em "Lillias Fraser", um romance onde a história de Lillias se cruza com alguns aspectos da História do século XVIII - não só a batalha de Culloden, na Escócia, mas também o terramoto de 1755, em Lisboa.
A autora deste livro notável, Hélia Correia, nasceu em Lisboa, em 1949, onde estudou Filologia Românica. Foi professora do ensino secundário, mas abandonou a profissão para se dedicar exclusivamente à escrita. Estreou-se na poesia e foi uma das colaboradoras mais activas do suplemento "Juvenil" do "Diário de Lisboa". Publicou o seu primeiro romance em 1981, "O Separar das Águas". Seguiram-se-lhe outros, como "O Número dos Vivos" (1982), "Montedemo" (1983), "Villa Celeste" (1985), "A Casa Eterna" (1991) - Prémio Máxima de Literatura - e "Insânia" (1996). Escreveu também duas peças de teatro: "Perdição, Exercício sobre Antígona" (1991) e "O Rancor, Exercício sobre Helena" (2000).
"Lillias Fraser" ganhou o Prémio D. Dinis 2002 (ex-aequo com Marcello Duarte Mathias) e o Prémio do PEN Clube Português 2001, na categoria de romance.
M.T.S.