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“Lillias Fraser”, de Hélia
Correia
Lillias é uma criança
de olhos luminosos que escapa à carnificina da batalha
de Culloden, na Escócia. A sua história é
o eixo narrativo deste livro admirável, considerado
um dos melhores romances portugueses de 2001
Por Marisa Torres da Silva
No dia 16 de Abril de 1746, as tropas inglesas
de William Augustus, duque de Cumberland, derrotaram as tribos
escocesas comandadas por Charles Stuart em apenas meia hora.
“‘Sem piedade’, disse Cumberland. ‘Sem
piedade’, repetiram os seus homens. E o massacre começou
ali.”
Foi a batalha de Culloden e nesse momento o
destino de Lillias Fraser, uma criança escocesa, ficou
traçado.
Seis horas antes de a batalha começar,
Lillias vira o pai como ele haveria de morrer, atravessado
pelas baionetas. Fugiu e, com a ajuda de uma anciã,
conseguiu escapar à fúria competente do exército
inglês, escondida debaixo de um monte de turfa. Encontra
depois o castelo de Moy Hall, dos MacIntosh, fiéis
ao rei inglês. Anne, mulher de Lord Angus, esteve longe
de se enternecer quando a recebeu — os olhos amarelos
e o apelido escocês não ajudavam — mas
foi ela quem, mais tarde, a salvou, de novo, das tropas inglesas.
Mas Lillias cresce solitária, atirada
de lugar para lugar, com uma mudez que se quebra apenas ocasionalmente
para pronunciar o seu nome maldito.
Até que chega a Lisboa e o seu “olhar
dourado” adivinha de novo o que de terrível viria
a acontecer, “ouvindo o inferno a não caber em
si, a rebentar, exactamente como percebia quando um tumor
buscava uma saída”. Era o terramoto de 1755.
No caminho que a conduziria até ao Convento de Mafra,
encontra Cilícia.
É através dela que Lillias conhece
Jayme Mendões, que em França se negara a servir
Voltaire e com quem Lillias dorme na laje da cozinha. No final
do romance, Blimunda Sete-Luas, personagem de “Memorial
do Convento”, de José Saramago, aparece a Lillias.
As duas têm um dom sobrenatural. Mas Blimunda é
mais feliz, porque quando está em jejum vê dentro
do corpo das pessoas. Lillias só vê a morte.
“Lillias Fraser”, o sétimo
livro de ficção de Hélia Correia, ganhou
o prémio de romance do PEN Clube Português em
2001.
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