“Ressuscitava Sócrates”

Aquando da saída da sua autobiografia, Agustina Bessa-Luís respondeu, invariavelmente, que, se não fosse romancista, gostaria de fazer ou negócios ou milagres. Entre os dois dons, a romancista optava, com parcimónia, pelo segundo. “Fanny Owen” está longe de ser um milagre. Da escrita, obviamente. Mas, desde que começou a construir o seu mundo romanesco, vários milagres surgiram...
 
 
Um concerto de seres livres

Na obra de Agustina Bessa-Luís, “Fanny Owen” não é um livro qualquer. “É um romance conduzido até mim duma ideia que não me ocorreu a mim. Foi o caso de me terem pedido os diálogos para um filme cujo assunto seria Fanny Owen”, escreve a romancista no prefácio. A ideia foi de Manoel de Oliveira que, a partir de “Fanny Owen”, realizará uma obraprima: “Francisca”.

Agustina está consciente do desafio: “Para escrever os diálogos pareceu-me necessário e útil trazer Camilo Castelo Branco à luz da nossa experiência humana sem o traduzir na opinião de escritor que é a minha.” Por isso, acrescenta, usou a colagem. “E quase todas as falas são as autênticas, que ele escreveu, em novelas, nos dispersos e nas folhas em que anotava os seus pensamentos.”

 

 

Excerto

Os morgados
O rio Douro não teve cantores. Teve-os o Mondego e o Tejo também. Mas, para além das cristas do Marão, em vez do alaúde e da guitarra havia o repique dos sinos ou o seu dobrar espaçado. Havia o tiro certeiro dos caçadores de perdiz, lá pelas bandas da Muxagata e do Cachão da Valeira. E o clarim das guerrilhas ouvia-se através da poeira de neve que cobria os barrancos de Sabroso.