Regressou o guterrismo nasceu o alegrismo
J.P.H.
Os socialistas começam hoje a votar para eleger o próximo líder do partido, que sucederá a Ferro Rodrigues, demitido há dois meses. A vitória de Sócrates é dada como certa mesmo entre os adversários, mas resta saber com que vantagem. Entre os três candidatos, as diferenças notam-se mais nas intervenções do que nas moções e, como mostra o teste da “Bússola Política” que aceitaram fazer, são todos socialistas e libertários
Os militantes socialistas começarão hoje a eleger o novo secretário-geral do partido. Amanhã, ao fim da noite, os resultados oficiais deverão ser anunciados. Prognósticos, como de costume, só no fim — mas não há um único militante que não preveja a vitória de José Sócrates, que arrancou para a campanha merecendo o apoio quase unânime do aparelho distrital/autárquico do partido (Alegre chamou a isto o “milagre das rosas”). A pergunta é: por quantos vai ganhar? Como irá tratar os derrotados? Que colaboração irão estes dar ao líder? O PS poderá sair do congresso mais dividido do que lá chegou? Quanto tempo de “estado de graça” concederão as oposições internas ao novo líder?
Ontem, o coordenador da campanha de José Sócrates, o eurodeputado Capoulas Santos, disse à agência Lusa que as listas de delegados da sua candidatura concorrem sem oposição “em mais de metade das secções do partido”. E o director de campanha de Manuel Alegre, o deputado Osvaldo de Castro, e o candidato à liderança dos socialistas João Soares admitiram o favoritismo do ex-ministro do Ambiente na eleição dos delegados ao congresso. Mas uma coisa é a eleição de delegados, outra é a eleição do líder (ver texto nestas páginas). “Sei que José Sócrates tem tantos candidatos a delegados como a minha candidatura e a do Ma- nuel Alegre juntas, mas uma coisa é este processo de eleição de delegados e outra coisa é a escolha do secretário-geral do PS”, frisou João Soares. As últimas afirmações tanto de Sócrates como de Alegre — os dois principais adversários — deixam no ar uma ideia de jogo do empurra quanto ao futuro do partido. Alegre lançou a ideia de que a sua candidatura já alcançou o estatuto de “movimento”, havendo “muita gente” que lhe pede para que “isto não pare”. Em linguagem partidária, “movimento” significa “tendência” e isto constituirá, provavelmente, nos alinhamentos internos, a principal novidade desta luta interna no PS: o guterrismo voltou à primeira linha (e em grande força) por via de Sócrates; o “joão soarismo” retomou o seu carácter organizado (que nunca deixou de facto de existir desde que foi fundado, em 1986); mas o “sampaísmo” não deu lugar a um “ferrismo”, porque o sucessor natural de Ferro Rodrigues, Paulo Pedroso, está envolvido nos problemas que está. Por isso, deu lugar ao “alegrismo”.
Este é o facto novo nesta campanha interna do PS. Manuel Alegre, desde sempre uma voz tão crítica quanto solitária, lidera, a partir de agora, um grupo. O poeta deixará de ser uma voz que se representa apenas a si mesmo, para ser uma voz que representa uma determinada percentagem de apoiantes e de eleitores internos.
Isto preocupa José Sócrates. Na entrevista ao Diga Lá Excelência, ontem editada no PÚBLICO, o ex-ministro deixou bem claro que não quer oposições internas organizadas. “Os outros candidatos são candidatos à liderança. Não se candidatam a movimentos que se pretendem organizar depois do congresso para contestar a escolha do partido”, afirmou. E depois acrescentou: “Não confundamos as coisas. Eu sou pela clarificação. Haverá uma linha que ganha e uma linha que perde, neste congresso.”
O recado é claro. Quem perder que assuma a derrota e se comporte como tal. Sócrates é fundador do guterrismo, mas no seu feitio é pouco dado a diálogos — prefere cortar a direito. Tenderá, na sua relação com as oposições internas, a ser pouco contemporizador. “A linha [vencedora] é para ser seguida”, afirmou.
Alegre, pelo seu lado, espera para ver. Como também afirmou ao Diga Lá Excelência, numa entrevista editada no PÚBLICO terça-feira, a sua posição face ao novo líder “depende muito da postura de quem ganhar”. Seja como for, adianta que o seu principal objectivo é lutar pela “autonomia” do PS face à “direita dos interesses”, fazendo isto supor que só quando (e se) o partido chegar ao poder é que desembainhará a espada. Por outras palavras: o novo líder está sob vigilância, mas, para já, deverá ter direito a algum descanso.
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