Caderno Eleitoral
Maturidade
Por Luciano Alvarez
Domingo, 26 de Agosto de 2001
Quinze dos 16 partidos concorrentes às
eleições para a Assembleia Constituinte do próximo
dia 30 (a UDT não participou por não concordar
com o debate e com a forma como foi marcado) mais alguns candidatos
independentes participaram ontem no último encontro
multipartidário de esclarecimento popular da campanha
eleitoral timorense. O Ginásio de Díli encheu-se
para ouvir o que as forças políticas lhe tinham
a dizer, num encontro moderado pelo independente José
Ramos-Horta. Um debate que foi, acima de tudo, mais uma lição
de maturidade e serenidade política que os timorenses
deram ao mundo.
Durante quatro horas, os vários representantes
dos partidos apresentaram à vez as suas propostas sobre
o sistema político que defendem para o futuro estado
independente; falaram sobre a economia, a bandeira e a data
em que deve ser declarada a independência.
Perante uma plateia que, na maior parte do
tempo, os ouviu em silêncio, não houve entre
as forças política uma crítica mais acutilante,
muito menos uma ofensa, ou uma acusação. Não.
Cada um disse de sua justiça o que pensava sobre os
temas que Ramos-Horta ia lançando para o debate, calando-se
quase de imediato cada vez que soava a campainha que avisava
que o seu tempo para cada intervenção (dois
minutos) se tinha esgotado.
Ramos-Horta, que também já tinha
moderado os outros dois debates semelhantes antes realizados,
teve um papel fundamental para o êxito do encontro.
Sereno, o prémio Nobel da Paz não se limitou
a lançar temas para a conversa: desafiou também
os partidos com propostas semelhantes a tentarem explicar
melhor o que os diferenciava, para, como afirmou, "não
baralhar as pessoas" que poderiam ser levadas a pensar
"que tanto valia a pena votar num como noutro";
foi "traduzindo" para a assistência de uma
forma clara o "politiquez" usado por alguns partidos,
com destaque para as diferenças entre os diversos sistemas
políticos defendidos pelas diversas forças políticas.
Foi, de facto, mais um exemplo de maturidade
dado pelos timorenses, quase no final uma campanha eleitoral
que decorreu sem incidentes e que, como não se cansa
de salientar Sérgio Vieira de Mello, devia ser olhada
com atenção por democracias com muitos anos
de experiência.
O fotógrafo incómodo
Xanana Gusmão tem manifestado nos últimos tempos
uma enorme paixão pela fotografia. Hoje em dia, o líder
histórico da resistência timorense não
sai de casa sem levar consigo pelo menos duas máquinas.
Só que Xanana está a revelar-se um fotógrafo
incómodo.
Ontem, tal como já aconteceu noutras ocasiões,
a sua vontade de fotografar tudo e todos voltou a ser muito
inconveniente. O pior aconteceu quando Sérgio Vieira
de Mello se dirigia aos partidos políticos, numa importante
mensagem de apelo à serenidade, Xanana levantou-se
e começou a percorrer a sala e bancadas fazendo "disparar"
a suas máquinas a torto e a direito.
Os muitos repórteres fotográficos
e operadores de câmara dos mais variados órgãos
de comunicação social de todo o mundo que já
se encontram em Díli correram imediatamente atrás
de Xanana e a assistência desatou a rir e a aplaudir.
Vieira de Mello, visivelmente incomodado, teve mesmo de interromper
o seu discurso. "Não fui interrompido por ele
[Xanana] fui interrompido pela atenção que vocês
[jornalistas] lhe davam. Então parei, e esperei que
o ambiente ficasse mais sereno para prosseguir a minha intervenção",
afirmou mais tarde aos jornalistas o administrador da ONU.
Uma explicação simpática
de Sérgio Vieira de Mello que, na altura, ficou visivelmente
irritado com o inconveniente fotógrafo Xanana Gusmão.
O "comício" da Fretilin
Quando se fala em potenciais vencedores na vitória
nas eleições do próximo dia 30, não
há ninguém em Timor que arrisque a avançar
com outro nome que não seja o da Fretilin. O seu apoio
popular em todo o território tem sido de tal forma
claro que até as outras forças partidárias
admitem a vitória do partido histórico.
A forte implantação que
esta força política tem ficou mais uma vez provado
de uma forma clara durante o debate multipartidário
de ontem. Clara e até surpreendente, com Mari Alkatiri,
o número dois da Fretilin e seu verdadeiro líder
político, a arrancar da assistência uma ovação
muito mais forte quando entrou na sala que a dada à
chegada de Xanana Gusmão. "Isto parece um comício
da Fretilin", acabaria por desabafar mais tarde Ramos-Horta.
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