Uma metáfora, a do campo de
batalha, serve a José Saramago para expor as diferenças
entre o acto da escrita no computador e o na máquina
de escrever. "Numa máquina de escrever, temos
de elaborar o pensamento antes de passá-lo ao papel:
é muito trabalhoso e obriga a que se atire muito
papel fora. O ecrã é um papel que está
sempre limpo e tem uma vantagem enorme: se há uma
ideia, ainda que esteja mal alinhada, escreve-se e depois
trabalha-se. Comparo o ecrã do computador a um campo
de batalha, de onde os mortos e feridos vão sendo
sempre retirados" - que são "as palavras
que não interessam, as ideias imprecisas que deixaram
de ter sentido".
Saramago não desenvolve previamente uma escrita à
mão para, em seguida, a transcrever à máquina
ou ao computador. A única excepção
são as notas que aponta num caderno de capa preta,
por motivos de superstição ou talvez por hábito.
"O trabalho de escrita é feito directamente
no computador. Escrevo no computador, corrijo no computador.
A minha folha é o computador." A verdade é
que Saramago alterna a sua "máquina de escrever"
electrónica Videowriter - talvez por ter um ecrã
e uma unidade de disquetes - com o computador. "Quando
falo do computador, já é a contar com a Videowriter".
O computador propriamente dito só apareceu há
duas ou três semanas na vida do escritor, que se diz
ainda em fase de adaptação. A Videowriter,
essa sim, mais velha, comprou-a em 1989 para substituir
uma máquina Hermes, que possuía há
mais de 30 anos: "Quando chegou ao fim do livro 'História
do Cerco de Lisboa', renunciou ir mais além. Quando
se avariava, as pessoas tinham de fabricar a peça.
Em conversa com António Alçada Baptista, disse-me
que tinha comprado uma máquina estupenda, que era
uma Videowriter. Tinha a vantagem de ter a impressora incorporada,
mas era um instrumento grande, pesado, difícil de
transportar e acabei por comprar um computador Philips em
segunda mão. Teve uma grande quantidade de problemas,
acabou por não me servir e continuei com a Videowriter."
Tinha, porém, um sonho: "Sempre sonhei que,
um dia, havia de aparecer um computador portátil
com impressora. Há um ano, tive conhecimento que
a Canon tinha produzido um computador com impressora. Acho
que pode resolver-me o problema das viagens e a necessidade,
que continuo a ter, de ver a coisa escrita no papel. Enquanto
não vir as letras (o preto no branco), duvido sempre.
Sou um homem doutro tempo e deste tempo. Vou usando o que
aparece, mas sempre numa atitude de desconfiança.
Isso é que me leva sempre a imprimir." Desprende
o teclado da base do portátil e mostra que ali debaixo
são introduzidas as folhas, até dez de cada
vez, saindo impressas do lado de trás. O tinteiro
aloja-se no canto direito, logo acima do teclado. "É
uma espécie de ovo de Colombo. Sendo isto tão
óbvio, como é que os outros fabricantes ainda
não se lançaram sobre isto?"
Pouco escreveu no novo portátil. Continuou o romance
"Ensaio sobre a cegueira", mas talvez não
o termine ali por uma questão de fidelidade. "Tenho
dúvidas se concluo o romance na Videowriter ou no
computador. O mais provável é que o conclua
na Videowriter. É uma traição que faço
à Videowriter abandoná-la no meio de um livro."
Mas assegura: "O próximo livro já vai
ser em computador." O que também facilitará
a vida ao seu editor; que até agora se via obrigado
a utilizar o original em papel, porque as disquetes da Videowriter
não são compatíveis com o seu equipamento
de fotocomposição.
Que usos dará ao portátil? Exige-lhe pouco.
"Uso o computador como uma simples máquina de
escrever. É o processamento de texto, no meu caso
muito simplificado. O romance é uma coisa que se
vai fazendo palavra por palavra. Não há necessidade
de passar blocos de texto de um sítio para o outro.
É como escrever um manuscrito ou na máquina,
em que cada palavra faz nascer a palavra seguinte. O uso
de que faço do computador é muito limitado."
É prático, limpo, rápido e tem a magnífica
vantagem da impressora incorporada - "mas não
considero que seja indispensável". A preferência
de muitos escritores pela caneta de tinta permanente, a
esferográfica ou a velha máquina prova-o.
EQUIPAMENTOS
Um portátil Canon BN22, com uma impressora Micro-BJ
incorporada, comprado há duas ou três semanas
no Corte Inglés, em Madrid. Custou-lhe 399 mil pesetas.
O teclado respeita as regras da língua espanhola
e, por isso, não tem o til.
Em compensação, sobre a letra "n"
há um til, os pontos de interrogação
e de exclamação estão de cabeça
para baixo e o menu está escrito em espanhol.
O Canon substituiu uma "máquina de escrever"
Videowriter, da Philips. Conserva um portátil Philips,
comprado talvez em 1993, mas nunca o utiliza.
PROGRAMAS
Windows 3.1: "interface" gráfica sobre
o sistema operativo MS-DOS. Write: processamento de texto,
em castelhano.
FICHEIROS
Cadernos: notas para os "Cadernos de Lanzarote".
Cegueira: parte do romance que se encontra a escrever, que
em princípio terá o título "Ensaio
sobre a cegueira" e cuja publicação prevê
para Novembro.
"É um romance, embora se chame ensaio".