• 12 de Jul de 2025
  • 10º - 13º Lisboa
Público Online Público Online copenhaga homepage

Content on this page requires a newer version of Adobe Flash Player.

Get Adobe Flash player

Climagate: Muitas dúvidas e algumas certezas

Teresa Firmino, 17 de Dezembro de 2009

Envie a um amigo Imprimir Diminuir tamanho do texto Aumentar tamanho do texto
Bookmark and Share
Jornalistas acompanham o discurso do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, esta manhã na conferência de Copenhaga. Os líderes mundiais tentam romper o impasse, a escassas horas do encerramento do encontro. Foto: Ints Kalnins/Reuters

Vários países já disseram o que estão dispostos a fazer para combater as alterações climáticas
Publicidade textual

 

O caso das mensagens electrónicas roubadas estoirou a pouco mais de duas semanas do início da conferência do clima de Copenhaga, quando o mundo inteiro se preparava para discutir o que fazer aos gases com efeito de estufa. Amanhã, a conferência chega ao fim, depois de 11 dias de debates, e uma das questões é a de saber até que ponto estas mensagens entre uma meia dúzia de especialistas do clima ferem a ideia de que as alterações climáticas são reais.

É certo que mostram um lado mais cru da ciência: cientistas da Universidade de East Anglia, na Grã-Bretanha, falam em ajeitar dados das temperaturas do ar recorrendo a um "truque"; em ignorar os pedidos de acesso a informação por parte de quem nega constantemente o fenómeno; ou manifestam até contentamento pela morte de um céptico das alterações do clima.

Os e-mails têm sido vasculhados de uma ponta à outra à procura de indícios de conspiração e desonestidade por parte dos cientistas. Podem agora ser consultados por todos no site da universidade britânica, em www.eastanglia.com. Uma das análises mais exaustivas foi entretanto levada a cabo pela agência de notícias Associated Press (AP): cinco jornalistas leram e releram os cerca de mil e-mails roubados, com mais de um milhão de palavras no total, e os resumos que fizeram foram ainda enviados a sete especialistas em ética na investigação, em ciências climáticas e política científica.

A conclusão é que, embora não revelem um lado muito bonito dos cientistas, ninguém falsificou a ciência relacionada com as alterações climáticas. Diversas investigações oficiais, incluindo uma da própria universidade, estão agora em curso para verificar se este grupo de cientistas teve práticas reprováveis.

1. O que é o escândalo do clima?

Faz hoje um mês, piratas informáticos tentaram publicar no blogue RealClimate um conjunto de e-mails e documentos roubados da Unidade de Investigação do Clima da Universidade de East Anglia. Ao aperceber-se do que estava a acontecer, os responsáveis por este blogue feito por cientistas do clima avisaram a universidade, ainda nesse dia, da existência de uma possível quebra de segurança nos seus sistemas informáticos. As mensagens acabaram por ser divulgadas em vários sítios na Internet. Três dias mais tarde (20 de Novembro), eram notícia mundial e a universidade reconhecia a veracidade dos e-mails. Estava lançado o chamado "escândalo do clima", mesmo nas vésperas da conferência de Copenhaga.

Cedo ganhou a designação de Climagate, pois aqueles que não acreditam no papel dos seres humanos no aquecimento global consideram que esses e-mails são a prova de uma conspiração entre os cientistas para abafar as vozes discordantes. Hoje minoritárias, estas vozes são as daqueles que se mostram cépticos quanto ao papel humano nas alterações climáticas recentes: em seu entender, o facto de estarmos a atirar dióxido de carbono em grande quantidade para a atmosfera desde meados do século XVIII, com a queima de carvão e de outros combustíveis fósseis como o petróleo, não influencia a temperatura global da Terra.

Para os cépticos, as alterações verificadas são apenas uma manifestação da variabilidade natural do clima. No entanto, não é nada disto que pensa a agora maioria dos cientistas que investigam o clima (nem sempre foi assim), que fundamenta os seus argumentos num vasto corpo de dados observacionais, oriundos de variadas fontes.

2. Por que dizem os cépticos que houve manipulação de dados?

Entre as 1073 mensagens electrónicas roubadas, trocadas entre 1996 e 2009, há uma que tem sido amplamente citada pelos cépticos. Escrita em 1999 por Phil Jones, director da Unidade de Investigação do Clima e uma autoridade mundial em questões climáticas, nela podem ler-se as palavras "truque" e "esconder o declínio" em relação à apresentação de certos dados de temperatura numa declaração da Organização Meteorológica Mundial sobre as alterações do clima.

Phil Jones dizia que tinha acabado de utilizar um truque para acrescentar as temperaturas reais a cada uma das séries dos últimos 20 anos (de 1981 para a frente) e de 1961 para cá, de maneira a esconder o declínio. O investigador referia-se a dados sobre os anéis de crescimento das árvores, utilizados para inferir indirectamente as temperaturas do ar, sobretudo no passado distante. Até 1960 há uma boa correlação entre os dados dos anéis das árvores no Hemisfério Norte e as medições directas da temperatura com instrumentos durante o Verão.

No entanto, no final do século XX essa correlação não funciona bem, uma vez que os dados dos anéis de crescimento indicam que as temperaturas não eram tão elevadas como as que foram realmente medidas. Segundo se explica na revista de divulgação científica NewScientist, não se sabe por que razão tal acontece e os cientistas, incluindo Phil Jones, têm publicado artigos sobre este problema na reconstituição das temperaturas. O truque a que se refere Jones consistiu em substituir os dados das temperaturas reconstituídas a partir de 1960 pelos que foram medidos directamente.

"A palavra "truque" é usada aqui coloquialmente como uma coisa inteligente a fazer", justifica Phil Jones, que se afastou temporariamente das suas funções, num comunicado da universidade. "É ridículo sugerir que se refere a alguma coisa imprópria."

A revista científica Nature tem o mesmo entendimento, pelo que no editorial de 4 de Dezembro escreve que, na gíria dos cientistas, a palavra "truque" é "uma técnica inteligente (e legítima)".

Também a NewScientist pergunta se esta "manipulação" dos dados é injustificada, para logo dar a resposta: "Não, porque alguns conjuntos de dados sobre os anéis das árvores podem ser comparados com os registos directos das temperaturas locais no último século."

Embora aos olhos de quem está de fora esta prática possa parecer chocante, esta revista explica que no mundo da ciência os dados em bruto têm sempre de ser ajustados para combinar informação recolhida em circunstâncias ou de formas diferentes. Caso contrário, a comparação é impossível e pode até conduzir a erros. "O simples facto de os e-mails revelarem que os cientistas "arranjavam" os dados não é prova de fraude. Manipular dados é o que os cientistas fazem", resume a NewScientist, no artigo intitulado "Por que não existe uma conspiração nos e-mails pirateados".

O que interessa, prossegue a revista, não é o calor que está agora ou que esteve há centenas de anos, mas aquele que vamos ter: "Sabemos que o mundo está a aquecer e que a principal causa é a subida dos níveis de dióxido de carbono. Com os níveis a aumentar cada vez mais depressa, podemos ter a certeza de que as coisas vão ficar muito mais quentes."

Noutras das mensagens mais polémicas, os investigadores da Universidade de East Anglia criticam duramente a qualidade de dois artigos científicos, publicados em 2003, nos quais se duvida do cariz único do aquecimento global a que assistimos. Pelo menos em relação a um dos artigos, não queriam que fosse incluído no quarto e último relatório de avaliação do Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas (IPCC).

"Independentemente do que os autores tenham dito uns aos outros em (suposta) privacidade, o que importa é como agiram. E o facto é que, no final, nem eles nem o IPCC suprimiram alguma coisa: quando o relatório de avaliação foi publicado em 2007, referenciava e discutia ambos os artigos", sublinha o editorial da Nature.


3. Os e-mails põem em causa as alterações climáticas?

Segundo várias análises, as mensagens deste grupo de cientistas não comprometem as provas de que as alterações do clima estão em marcha e que a culpa é de todos nós.

Depois de as ler, nenhum dos três especialistas em clima consultados pela AP, considerados como tendo uma visão moderada do problema, deixou de pensar que o aquecimento global tem mão humana. Nenhum deixou também de concordar com as conclusões nesse sentido do IPCC. "A minha interpretação genérica da base científica para as alterações climáticas mantém-se inalterada perante o conteúdo destes e-mails", diz Gabriel Vecchi, da National Oceanic and Atmospheric Administration.

Já a Nature explica por que nada nas mensagens mina a credibilidade de que as alterações climáticas e o papel dos humanos são bem reais: "O caso é apoiado por provas múltiplas e robustas, incluindo várias que são independentes das reconstituições climáticas debatidas nos e-mails." E, continua o editorial, basta olhar para os gelos no mundo inteiro em contínua regressão, para a subida do nível do mar ou as plantas a florescerem mais cedo.

Um dos investigadores citados pela Nature, Eric Rignot, da Universidade da Califórnia em Irvine, considera mesmo: "Dadas as provas esmagadoras para as alterações climáticas, devemos lidar cada vez menos com os cépticos. Caso contrário, também deveremos ter de lidar com os tipos que pensam que Elvis Presley está vivo, que a Terra tem menos de seis mil anos e que não descendemos dos macacos."

Para quem duvida de que as temperatura estão a subir, a NewScientist propõe um exercício: "Na próxima Primavera vá para o jardim ou para o campo e repare quando surgem as folhas, desabrocham as flores, chegam as aves migratórias e por aí adiante. Compare as suas observações com os registos históricos e verá que a Primavera está a chegar dias, ou mesmo semanas, mais cedo do que há algumas décadas."

Mais: "Não se pode fingir que a Primavera chega mais cedo, que as árvores estão a subir as montanhas, os glaciares a regredir quilómetros, o gelo no Árctico a encolher, ou as aves a alterar a altura da migração [...], o nível do mar a subir mais depressa, ou um dos milhares de exemplos parecidos."

Por si só, conclui o artigo, nenhuma destas observações prova que o mundo está a aquecer, pois podem não passar de efeitos regionais: "Mas, ao juntarem-se os dados do mundo inteiro, tem-se uma prova esmagadora da tendência a longo prazo para o aquecimento."

Phil Jones surge em defesa dos resultados da ciência climática, numa nota da sua universidade: "As nossas séries globais da temperatura coincidem com as de grupos de cientistas completamente independentes a trabalharem para a NASA e o Centro Nacional de Dados do Clima dos Estados Unidos, entre outros. Mesmo que se ignorem os nossos resultados, os deles mostram o mesmo. Os factos falam por si. Não há necessidade de alguém os manipular."

Ainda antes da conferência de Copenhaga, o secretário-geral do IPCC, Rajendra Pachauri, anunciou que queria ver a questão esclarecida. "Não queremos de todo varrer seja o que for para baixo do tapete. A questão é grave e vamos investigá-la em todo o pormenor. E tomaremos uma posição." Na cerimónia de abertura da conferência, o caso não passou em claro ("Mostra que alguns vão até ao ponto de cometer actos ilegais, talvez numa tentativa de descredibilizar o IPCC", disse Pachauri). Tirando uma ou outra referência de que o Climagate afectaria as orientações tomadas, como a da Arábia Saudita, o caso parece ter passado ao lado da conferência.


4. Por que é que nem tudo foi partilhado com os cépticos?

Entre a correspondência, Phil Jones fala de maneiras de evitar a partilha de dados climáticos com os cépticos, dizendo para não se responder aos seus pedidos feitos ao abrigo da lei de acesso à informação na Grã-Bretanha - o que pode suscitar problemas de ética científica, uma vez que esse acesso é importante para que outras equipas possam reproduzir os resultados obtidos.

Um dos responsáveis da universidade, Trevor Davies, explicou que quase todos os dados das temperaturas em bruto têm sido disponibilizados. "A comunidade científica, e em particular os cépticos das alterações climáticas, sabe que mais de 95 por cento dos dados em brutos das estações estão acessíveis há anos."

Uma das razões apontadas para se terem mantido os restantes dados inacessíveis é não pertencerem à Unidade de Investigação do Clima, mas aos serviços meteorológicos britânicos e de outros países. Por outro lado, os cépticos também são acusados de inundar os climatólogos com pedidos frívolos. "Não há dúvida de que os cépticos têm usado a lei de acesso à informação para perseguir os cientistas e fazê-los perder tempo, com a Unidade de Investigação do Clima a receber mais de 50 destes pedidos numa semana deste ano", escreve a NewScientist.

Um dos cépticos referidos é o canadiano Steve McIntyre, um dos autores do artigo que os cientistas queriam excluir do relatório do IPCC. Com formação em matemática e economia, está reformado da indústria de extracção de minério e agora mantém o blogue Climate Audit. Acusam-no de distorcer os dados que lhe forneciam, em vez de os usar para fazer ciência.

O clima é daqueles assuntos que facilmente faz estalar o verniz, até ao insulto. Em vários e-mails, Michael Mann, da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), chama a Steve McIntyre "palhaço", "fraude" e "atrasado mental". "Somos humanos", justificou Mann à AP. "Estamos injustamente sob ataque destas pessoas, que têm tentado desvalorizar-nos, dizendo que somos uma fraude e mentirosos."

Um outro céptico, por exemplo, analisou os dados publicados num artigo (em que Phil Jones era um dos autores) e ameaçou fazer queixa às autoridades por fraude (a investigação desencadeada pela universidade não detectou nenhum problema).

O desdém que os cientistas sentem pelos cépticos é notório nas mensagens. Numa, um investigador manifesta contentamento pela morte de um céptico ("De uma forma estranha, estas são boas notícias"). Outro diz o que gostaria de fazer quando encontrasse um certo céptico numa reunião científica: "Serei tentado a dar uma sova no pulha. Muito tentado."


5. Mesmo que não tenha havido fraude, os cientistas portaram-se bem?

Se, por um lado, os cépticos são acusados de usar todos os meios para minar a confiança nos cientistas e na ciência, por outro, está a pedir-se mais transparência aos cientistas envolvidos.

"É possível que as ciências climáticas se tenham tornado demasiado partidárias. O tribalismo exibido nalguns e-mails costuma ser associado a culturas pré-modernas; não é bonito de ver em acção na ciência", critica Mike Hulme, da universidade no centro da controvérsia.

"As instituições científicas devem ser transparentes, mas elas não devem ser um serviço de ajuda aberto 24 horas por dia aos cépticos, a quem faltam competências científicas e técnicas fundamentais", comenta Thomas Stocker, da Universidade de Berna.

Em sua defesa, Phil Jones argumenta que as frases foram retiradas do contexto e que algumas mensagens foram escritas sem grande preocupação. "Umas foram claramente escritas no calor do momento, outras têm coloquialismos usados entre colegas próximos", diz Jones. "Temos de questionar se é coincidência que esta correspondência tenha sido roubada e publicada nesta altura. Pode ter sido uma acção concertada para pôr em dúvida a investigação sobre as alterações climáticas nas discussões de Copenhaga."

Toda a história continua com muitas pontas soltas, incluindo a principal, que a polícia britânica investiga: quem roubou os e-mails?




Limite de 1200 caracteres

Anónimo

Botão enviar comentário
Os comentários deste site são publicados sem edição prévia, pelo que pedimos que respeite os nossos Critérios de Publicação. O seu IP não será divulgado, mas ficará registado na nossa base de dados. Quaisquer comentários inadequados deverão ser reportados utilizando o botão “Denunciar este comentário” próximo da cada um. Por favor, não submeta o seu comentário mais de uma vez.

 

MAIS NOTÍCIAS