Todos queriam estar lá dentro. Queriam. Com um lenço verde na cabeça, a alemã Susane Heinz, de 21 anos, estava entre eles. Chegou a Copenhaga num veleiro, juntamente com meia centena de activistas que se auto-intitulam os "piratas do clima".
Fazem protestos pacíficos, mas com eles conseguiram, depois de três anos, impedir a construção de uma central térmica a carvão na Alemanha. O projecto era de uma empresa dinamarquesa, à frente da qual os "piratas" planeavam manifestar-se. Mas com o arquivamento da obra, mudaram de estratégia. "Fomos lá cumprimentá-los", diz Susane.
A jovem alemã entrou na fila para o Bella Center cerca do meio-dia. Ao seu lado, a norte-americana Sarah Cooper exibe na lapela um botão do Earth Day Network, uma organização que está a promover os 40 anos do Dia da Terra. À frente encontra-se o indiano Kopperle Murthy, estudante de doutoramento na área da adaptação climática. Mais atrás, está Afonso Botelho, um empresário de Fortaleza que veio mostrar em Copenhaga os projectos do Conselho Euro-Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável.
Este pequeno grupo é um microcosmo da atracção universal que a conferência de Copenhaga exerceu sobre a sociedade civil. Das cerca de 45 mil pessoas que se registaram para assistir à cimeira, 22 mil são membros de organizações não-governamentais. Todos queriam estar lá dentro. Mas não vão estar, e o dia de ontem deixou claro que não só o espaço não chega para todos, como a ONU não estava preparada para lidar com tanta gente. Às 8h00, uma fila interminável já se estendia por baixo da linha suspensa do metro. Nela, não só membros de ONG, mas também delegados, observadores e jornalistas aguardavam para recolher os passes de acesso ao centro de conferências. E teriam de aguardar muito - até seis horas.
Além da espera, comungavam outro martírio: o frio. No princípio, a conversa até fluía. Mas com o avanço do tempo e o esgotamento do diálogo, a animação foi dando lugar a queixos a tremer, movimentos para aquecer os pés e um fluxo impressionante de chás, cafés e chocolates quentes, vindos de um único quiosque.
Para a Associação Internacional da Suprema Mestre Ching Hai, a aglomeração era ouro sobre azul para difundir o que acredita ser remédio santo contra o aquecimento global. "A solução é vegan", afirma Jiun-Huan Ha, de Taiwan, que ajudou a distribuir gratuitamente centenas de sandes vegetarianas aos esfomeados participantes potenciais da cimeira.
Quando pouco passava da uma da tarde, a fila parou por completo. Já ninguém passava o umbral da entrada, nem ninguém sabia explicar se haveria ainda hipótese naquele dia. Com o passar das horas, alguns começaram a desistir, como o físico Filipe Duarte Santos, membro da delegação portuguesa, que não aguentou o frio. "Isto é uma vergonha", disse. Gonçalo Cavalheiro, consultor que integrou a delegação durante vários anos, também não resistiu. O brasileiro Pedro Moura Costa, outro assíduo participante, estava revoltado. "Estive em dez conferências climáticas, nunca vi nada igual."
Às 16h00, com a noite precoce do Norte a cair, a animação voltou, por via do protesto. Um activista que passara o dia inteiro a comandar uma manifestação lateral, em frente ao Bella Center, resolveu dar uma ajuda aos penitentes. "O que queremos?", gritava. E a multidão: "Entrar!". "Quando queremos?". "Agora!". Houve quem bradasse: "Queremos o aquecimento global, está muito frio!".
Mas nem gritos, nem protestos. Centenas ficaram à porta. E mais ficarão. A organização da cimeira anunciou que, hoje e amanhã, só entrarão 7000 membros da sociedade civil. Na quinta, serão 1000 e na sexta, apenas 90.
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