“D’Artagnan
Um detective em acção"; de Alexandre Dumas
Por Sara Gomes
Quarta-feira, 24 de Novembro de 2004
D’Artagnan é um protagonista invulgar.
Jovem, impulsivo e destemido, tão depressa
é tomado por fúrias, como cede aos
apelos do coração. O romancista francês
Alexandre Dumas, que assina “Os Três
Mosqueteiros” (1844), compara-o ao herói
de Cervantes: “Se D. Quixote tomava
moinhos de vento por gigantes e carneiros
por exércitos, D’Artagnan tomava cada
sorriso por um insulto e cada olhar por
uma provocação.”
A comparação não é ingénua e permite
adivinhar a propensão de D’Artagnan para
se envolver em confusões, que lhe podem
custar a vida. É o que acontece quando chega
a Paris, em 1625, determinado a fazer
tudo para se tornar um mosqueteiro do rei
Luís XIII de França, também conhecido
por “o Justo”. Inadvertidamente, o jovem que é chamado
de gascão ofende três mosqueteiros
— Athos, Porthos e Aramis — propondo
a cada um deles um duelo.
Por sorte, assim que as espadas de
D’Artagnan e de Athos se cruzam,
chega um grupo de guardas do
cardeal Richelieu, de quem
os mosqueteiros desconfiam
que conspira contra
o rei. Sem hesitar e
prevendo um combate,
D’Artagnan junta-se aos
três companheiros disposto
a enfrentar os “novos”
inimigos. E avisa: “Não
tenho o uniforme, mas
tenho a alma. O meu
coração é mosqueteiro,
bem o sinto, e isso é
o que conta.”
A bravura demonstrada
por D’Artagnan vale-lhe a amizade
e confiança dos três amigos.
Juntos começam, então, a viver perigosas
aventuras, com o objectivo de
pôr termo as intenções do cardeal,
cujo sonho era apoderar-se do trono de França. “Um por todos e todos por
um” será o lema destes quatro heróis
imaginados por Alexandre Dumas, que
se inspirou nas disputas entre a França
e a Inglaterra no século XVII.
Raptos, paixão e intrigas
Embora Athos ainda não tivesse trinta
anos, é o mais sensato e reservado. Descrito
como de “uma grande beleza de corpo e espírito”, a verdade é que “ninguém lhe
conhecia amantes”. Porthos, por seu lado,
tem um carácter oposto ao de Athos, pois fala muito e fala alto. Já Aramis é o mais
pacífico e religioso. Passa muitas horas a
estudar teologia, fala pouco, sauda muito,
ri “sem ruído”.
Apesar das diferenças, estes três companheiros
são inseparáveis e orientados
pelos mesmos princípios — justiça, honra,
dedicação e fidelidade. É, no entanto,
a Athos que D’Artagnan pede conselhos
e ajuda. Apaixonado, o jovem gascão
deixa-se encantar pela beleza da senhora
Bonacieux, amiga da rainha,
que é assim descrita pelo narrador:
“Misteriosa, iniciada em quase todos os
segredos da corte, os quais emprestavam
uma tão encantadora gravidade às suas
feições graciosas, era suspeita de não
ser insensível, o que é uma atracção irresistível
para os amantes noviços.”
O rapto da senhora Bonacieux será,
por isso, o início de uma série de acontecimentos
que levam D’Artagnan a
descobrir os planos do cardeal para
desacreditar o rei e provar que a rainha,
Ana de Áustria, mantém uma relação
adúltera com Georges Villiers, o duque
de Buckingham. O objectivo
é óbvio: numa época em que
a Inglaterra é a principal inimiga
da França, a traição da
rainha significa uma humilhação
para o rei e dá mais poderes ao
cardeal.
A vingança da “flor-de-lis”
Quando D’Artagnan
já estava perto
de adivinhar o
paradeiro da sua
amada senhora
Bonacieux, eis que
é apresentado à bela
e enigmática “milady”. O
jovem “estava convencido
de que se tratava de uma
espia do cardeal, e no
entanto sentia-se invencivelmente
atraído por
ela”. Num clima de intriga
e sedução, D’Artagnan segue todos os
movimentos de “milady” até à descoberta
da sua verdadeira identidade e da sua
ligação terrífica a Athos, que tinha sido
seu marido.
Marcada com uma flor-de-lis no ombro — símbolo do demónio —, “milady” é
uma das figuras centrais para o desenrolar
desta trama imaginada por
Alexandre Dumas ao longo de mais de
seiscentas páginas. Que segredos esconde
esta mulher? Que relação mantém
com o cardeal? Por que razão está marcada
com uma flor-de-lis? A resposta a
estas questões é essencial. Mais do que
um romance de aventuras, Alexandre
Dumas consegue criar em “Os Três
Mosqueteiros” um ambiente muito
próximo de um policial, com uma sucessão
de assassinatos a criar um forte
suspense no leitor.
No fim, fica-se a saber se a vingança de
“milady” se cumpre e partilha-se a alegria
de D’Artagnan ao tornar-se não um mosqueteiro,
mas o tenente dos mosqueteiros.
Quanto às amargas recordações que a
“flor-de-lis” lhe deixou, como diz o sábio
Athos, “têm tempo de se transformar em
doces recordações”.
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