“Um fresco do Mississípi de 1930” de Mark Twain
Por JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
Terça-feira, 19 de Outubro de 2004
“As aventuras de Huckleberry Finn” é um fresco do Mississípi, uma colecção de episódios contados na primeira pessoa por Huck, vista através dos seus olhos e dos seus valores
Aclamado como um dos maiores romances americanos de sempre, “As Aventuras de Huckleberry Finn” conta a história de um rapaz de treze ou catorze anos que decide fugir da sua cidade e do seu pai, um bêbado incorrigível que o maltrata, para descer o Mississípi numa jangada em busca de uma nova vida, livre e sem obrigações.
“Huckleberry Finn”, publicado em 1884, foi escrito por Mark Twain como a continuação de um outro livro, “As Aventuras de Tom Sawyer” (1876), centrado nas escapadelas de um rapaz e nas aventuras reais e imaginárias do seu grupo de amigos, onde Huckleberry já era um dos protagonistas.
Huckleberry (Huck para os amigos) é ignorante, vulgar, rebelde e supersticioso, rouba quando precisa sem problemas de consciência, mas é cheio de expedientes e corajoso, tem bom coração e é capaz até de ser generoso, desde que isso não faça com que o tomem por parvo. A jangada tem outro passageiro: Jim, um escravo em fuga, velho amigo de Huck, que tenta chegar aos Estados Livres, onde quer trabalhar para ganhar dinheiro e poder comprar a liberdade da sua mulher e dos seus dois filhos.
Huck e Jim atravessam inúmeras peripécias, encontros com malfeitores, tempestades e acidentes, perseguições e buscas, emboscadas e mortes, rixas e discussões, vendetas familiares, encontros com trapaceiros profissionais (que nem sempre conseguem fugir do alcatrão e das penas) e tudo o mais que se pode esperar de uma narrativa passada nos anos 1830 numa região que representava ainda a ideia de “fronteira” nos Estados Unidos de então.
“River book” ao estilo dos “road books”, “Huckleberry” é um fresco do Mississípi, uma colecção de episódios contada na primeira pessoa por Huck, vista através dos seus olhos e dos seus valores, o que o torna por vezes difícil de classificar.
Com Huckleberry ficamos a saber que só numa jangada nos podemos sentir “completamente livres, à-vontade e confortáveis” e aprendemos que dá azar falar de assassinatos, sacudir a toalha de mesa depois do sol posto, tocar numa pele de cobra, olhar para a Lua Nova por cima do ombro esquerdo ou não informar as abelhas de uma colmeia de que o seu proprietário morreu, caso isso aconteça. Mas também somos postos perante a ambiguidade do seu sentimento em relação à fuga de Jim, na qual colabora porque é seu amigo e conhece a sua lealdade, mas que considera moralmente errada já que Jim “é propriedade de Miss Watson”.
Mark Twain é quase sempre apresentado como humorista e é verdade que o humor ocupa um lugar central em todos os seus livros e na sua vida, mas “Huckleberry Finn” está longe de ser um livro humorístico, ainda que seja frequentemente divertido e possa mesmo provocar aqui e ali uma gargalhada.
Escrito por Mark Twain com a preocupação evidente de ser um “livro para rapazes”, o livro excedeu em muito essa classificação e ganhou um lugar permanente na galeria dos clássicos, continuando ainda hoje a ser objecto de uma apaixonada discussão crítica.
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