Quando Ivanhoe e o Cavaleiro Negro Assaltam o Castelo de Reginaldo Cabeça de Boi” de Walter Scott
Por ANTÓNIO MARUJO
Quarta-feira, 13 de Outubro de 2004

No torneio de Ashby e no assalto ao castelo de Reginaldo Cabeça de Boi há duas personagens fulcrais: Ivanhoe e o misterioso Cavaleiro Negro. Walter Scott só a pouco e pouco vai revelando as identidades escondidas, numa acção situada na época de Robin dos Bosques e de Ricardo Coração de Leão

A acção de “Ivanhoe”, de Walter Scott, tem como pano de fundo a luta entre saxões e normandos e atinge o clímax com o assalto ao castelo de Reginaldo Cabeça de Boi, um dos fiéis do príncipe João, que usurpara o trono inglês ao seu irmão Ricardo Coração de Leão. É aí que se define o perfil psicológico profundo de algumas personagens principais do romance.

Logo depois, começa a desvelarse a verdadeira identidade de alguns dos protagonistas principais, até aí denominados por alcunhas ou nomes — Ivanhoe, que fora para a Palestina lutar com Ricardo, o “Cavaleiro Negro”, que derrota sucessivos adversários e lidera o assalto decisivo, Locksley, preciosa ajuda nos momentos fulcrais, ou Robin dos Bosques, que também aparecerá. Antes do assalto, entretanto, um outro acontecimento é fulcral para o desenrolar da história: é no torneio de Ashby que pela primeira vez aparecem dois misteriosos cavaleiros — Ivanhoe e o “Cavaleiro Negro”.

Romance histórico, da autoria daquele que é considerado o pai deste género literário, “Ivanhoe” decorre na Inglaterra do final do século XII, à volta de 1194. Na época, o trono, ocupado um século antes pelos normandos, pertence ao rei Ricardo, que entretanto se ausentara para participar na terceira Cruzada, na Palestina.

Aproveitando a ausência prolongada, o irmão do rei, príncipe João, monta uma estratégia para criausurpar
o trono e proclamar-se rei. Para isso, conta com o apoio de nobres pouco escrupulosos, que se aproveitam da proximidade com o príncipe para o seu próprio benefício.

Ivanhoe é filho de Cedric, o Saxão, um dos principais resistentes à ocupação normanda. Mas Cedric é da velha guarda saxónica e considera uma traição o facto de o filho ter acompanhado Ricardo — apesar de justo, o rei era normando, razão suficiente para Cedric não
o apoiar. Ivanhoe e a bela Rowena (cujos pais, nobres saxões, morreram), a quem Cedric toma como sua protegida, estão apaixonados. Cedric, no entanto, pretende casar Rowena com Athelstane, que tem
ascendência real, com o objectivo de tentar recuperar o trono de Inglaterra para os saxões.

Na narrativa, aparece ainda Rebecca, jovem judia que deslumbra quem a vê — mesmo se a religião diferente (estamos na época em que se acentua a marginalização dos judeus) é obstáculo para outras aproximações. E a acção adensa-se quando Cedric e as duas mulheres, que o acompanham, atravessam uma zona de floresta e são levados por um grupo de assaltantes.

É esse rapto que leva o misterioso Cavaleiro Negro, ajudado por Locksley (cuja verdadeira identidade também só será revelada no final), a intervir para libertar os prisioneiros, entretanto levados para o castelo de Reginaldo Cabeça de Boi. A batalha é dura e violenta e todos acabam libertados. Todos, à excepção de Athelstane (aparentemente, morre na contenda…) e
de Rebecca, que é levada por Brian de Bois-Guilbert, um cavaleiro templário sem escrúpulos que a pretende para si. Como Rebecca se recusa a desposar Brian, um
julgamento forjado leva-a a ser acusada de bruxaria. De novo aparece Ivanhoe, desta vez ferido, a desafiar a condenação à morte a que Rebecca está sujeita…

Um retrato da Inglaterra do século XII

Em “Ivanhoe” há ainda outras personagens importantes: o bobo Wamba, o guardador de porcos Gurth (ambos servidores de Cedric), o prior templário Aymer ou o pai de Rebecca, conhecido como Isaac de York e que congrega em si todos os preconceitos existentes na época contra os judeus.

De todas elas, e do ambiente que as rodeia, se serve Walter Scott para retratar uma época de conflito permanente no território de Inglaterra. Esse conflito
traduz-se também nos diferentes traços físicos e psicológicos dos principais actores da acção, no
modo como os ambientes são retratados ou na forma como se explicam ao leitor determinados detalhes — não escondendo o autor a simpatia por um dos lados
da história, embora mantendo uma suficiente distância narrativa. Estes processos servem sempre a mesma intenção: situar a história e as suas personagens num processo tecido de acções diálogos, intercalados, quando necessário, com contextualizações e explicações.

“Ivanhoe” é publicado em 1820 por Walter Scott, naquela que é a segunda fase da sua produção literária, depois de uma incursão pela poesia. Nascido em 1771 em Edimburgo, na Escócia, Scott estuda Direito para, como o pai, ser advogado. Mas o gosto pelas tradições da sua terra levam-no à literatura e a publicar, em 1802, uma recolha de contos populares
e lendas da Escócia, a que se seguem quatro obras poéticas em que manifesta já a sua predilecção pelo ambiente medieval.

A qualidade da poesia, no entanto, decai, ao mesmo que o nível de Lord Byron se sobrepõe cada vez mais, convencendose Scott que nunca o atingirá e decidindo voltar-se para a narrativa. Dá, assim, origem ao romance histórico com “Waverley” (1814). “Ivanhoe” é uma das obras mais importantes, a par de “Guy Mannering” (1815), “Rob Roy” (1818) e “Quentin Durward” (1823).

 



Livros que nos transportam para o plano da aventura da fantasia, da descoberta e da ficção, apelando à imaginação de cada leitor para criar as imagens, as personagens e os cenários.