"O
Conde de Monte Cristo",
de Alexandre Dumas
(Volume I)
Por ANDRÉIA AZEVEDO SOARES
Diz-se que a vingança é um prato
que se serve frio. Ou mesmo gelado, como no caso de Edmond Dantès,
o herói do romance "O Conde de Monte Cristo", do
escritor francês Alexandre Dumas (1802-1870). Após
cerca de quinze anos de cárcere injusto, o marinheiro Dantès
consegue fugir do quase intransponível Castelo de If, uma
prisão edificada num rochedo a dois quilómetros da
costa de Marselha. Uma vez livre, o jovem parte em busca de um magnífico
tesouro - cuja localização lhe foi adiantada pelo
abade Faria, seu companheiro de masmorra - e, depois, de uma terrível
e calculada vingança contra os seus inimigos.
Na mira de Dantès estão os três
responsáveis pela sua detenção arbitrária:
o pescador catalão Fernand, o guarda-livros Danglars e o
magistrado Villefort. Por razões diferentes, estes homens
de classes sociais distintas forjaram uma denúncia contra
o jovem e promissor marinheiro. Fernand, porque suspirava de amores
por Mercedes, então noiva de Dantès. Danglars, porque,
após a morte do comandante do navio Pharaon, aspirava ao
posto vago, que seria inevitavelmente atribuído a Dantès.
Munidos pela inveja, Fernand e Danglars escrevem uma carta anónima
acusando o marinheiro de ser um agente bonapartista. O caso chega
às mãos de Villefort, que, apesar de saber da inocência
do acusado, não move uma palha para impedir a sua detenção.
Quando consegue fugir da prisão - fazendo-se
passar pelo cadáver do abade Faria, sendo assim lançado
ao mar numa urna funerária -, o antigo marinheiro descobre
que todos os seus inimigos prosperaram. Fernand aproveitou a guerra
para, através da influência militar, tornar-se o Conde
de Morcef e o marido de Mecedes. Danglars torna-se um banqueiro
bem sucedido. Villefort, por sua vez, sabe acompanhar habilmente
a mudança dos ventos políticos para ascender na carreira
judicial. Alguns ensaístas defendem que este triângulo
de "traidores" simboliza os modelos da elite parisiense:
o poder político-militar, financeiro e judiciário.
Possuindo agora sessenta milhões de francos,
bem como o título de conde, Dantès torna-se uma figura
enigmática, excêntrica e obcecada pela vingança.
O antigo marinheiro também foge de Castelo de If mais culto
e habilitado para compreender as filigranas do mal. É que
o abade Faria ensinou-lhe não só ciências e
línguas, mas também a arte de resolver mistérios.
Deslindar a conspiração que o levou ao cárcere
é um deles.
Estratégia romanesca
Alexandre Dumas parecia gostar deste tipo de estratégia
romanesca de "educação da personagem", algo
que permite ao autor conferir maior densidade psicológica
às suas figuras. A técnica é talvez uma forma
do artista introduzir, na íntima trama do texto, uma mensagem
sobre o poder libertador que o conhecimento oferece a todos, mesmo
àqueles que padecem em masmorras húmidas.
"É necessário servos tocados pela
desgraça para escavarmos certas minas misteriosas ocultas
na inteligência humana; é necessário haver pressão
para fazer explodir a pólvora. O cativeiro concentrou num
só ponto todas as minhas faculdades que pairavam por aí
e por aqui. Entrechocaram-se num espaço acanhado e, como
sabe, do choque das nuvens resulta a electricidade, da electricidade
o relâmpago, e do relâmpago a luz", afirma o abade
Faria a Dantès.
A passagem acima citada, uma das muitas que fazem
o leitor interromper a leitura e pousar os olhos pensativos no horizonte,
faz-nos lembrar a alegria no cárcere de que fala Imre Kertész
no livro "Sem Destino". É que o autor húngaro
consegue ouvir soprar alguma aragem na asfixia dos campos de concentração
nazis. Por outras palavras, o autor parece acreditar que haverá
sempre um espaço imaginário capaz se ser povoado por
pequenas felicidades, mesmo que o cérebro que o construa
esteja imerso na dor ou no caos.
Ao contrário do que se possa pensar, o abade
Faria existiu mesmo. Chamava-se José Custódio Faria
e nasceu em Goa, pelo ano de 1755. Apenas a sua morte na prisão
é produto da pena de Alexandre Dumas (ou de um dos seus colaboradores,
sem os quais seria impossível produzir os mais de 200 títulos
da sua obra).
Também faz parte do imaginário do escritor
o ambiente opressivo do Castelo de If: alguns historiadores referem
que, para uma prisão de segurança máxima, como
de facto passou a ser após as obras feitas no reinado de
Luís XIV, a fortaleza era relativamente agradável.
Isso porque os prisioneiros podiam circular livremente pelos espaços.
No entanto, a humidade e a penumbra eram, de facto, factores que
revoltavam os reclusos.
Esta mudança mental, financeira e física
de Dantès viabiliza o seu plano de vingança. Ele começa
por abordar um antigo vizinho, que, ingenuamente, participou na
conspiração de Fernand e Danglars. Disfarçado
de abade, o antigo marinheiro não só não é
reconhecido, como consegue sacar todas as informações
sobre os seus traidores. Descobre ainda que o seu pai morreu durante
o seu cativeiro, período em que Mercedes também se
rendeu às pressões de Fernand. A próxima etapa
é aproximar-se da elite parisiense e, dessa forma, destruir
os seus inimigos. Só que os detalhes dessa vingança
fria ficam para o segundo volume de "O Conde de Monte-Cristo",
que será vendido juntamente com o PÚBLICO na próxima
quarta-feira.
Na próxima quarta-feira
estará nas bancas, com o PÙBLICO, o segundo volume
de "O Conde de Monte Cristo"
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